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Economista e ex-diretor de Política Monetária do Banco Central, Luís Eduardo Assis escreve quinzenalmente

Opinião|Um debate necessário: é preciso rediscutir, logo, a maneira como combatemos a inflação

Uma urucubaca qualquer que afete o preço das commodities e lá estará o BC ajustando a Selic para cima

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Atualização:

Está lá no IPCA: o preço da picanha caiu 10,7% no ano passado, voltando a custar em dezembro de 2023 o mesmo que custava em maio de 2021. Não foi exceção. O custo da alimentação no domicílio caiu 0,5% (depois de subir 13,2% em 2022), a segunda maior queda de toda a série histórica do índice.

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Se checarmos o site do PT, sempre elucidativo sobre sua visão de mundo, essas boas notícias são chamadas de “efeito Lula”. Na outra ponta, o mercado financeiro se deslumbra com a perícia técnica do Banco Central (BC), que, infenso às pressões políticas populistas, manteve altos os juros e colhe agora os louros da vitória.

O fato, no entanto, é que parcela significativa da inflação brasileira é pouco afetada seja pelo suposto efeito Lula, seja pela política monetária. Pequeno exercício econométrico mostra que, considerando seus efeitos diretos e indiretos, os preços dos produtos “comercializáveis”, que respondem primordialmente à cotação internacional das commodities e ao valor do dólar, podem explicar cerca de 66% das variações anuais do IPCA nos últimos dez anos.

O que aconteceu no ano passado de tão bacana é que os preços em dólares das commodities caíram quase 13%. Pode-se argumentar que a cotação do dólar também responde ao diferencial de juros, mas essa correlação é mais fraca e instável. Isso significa que criamos uma política anti-inflacionária de baixa eficácia baseada exclusivamente na administração da taxa Selic.

É preciso manter juros muito altos por muito tempo para que a inflação caia um pouco. Mais que isso, é preciso que nada de grave aconteça no cenário internacional. Uma urucubaca qualquer que afete o preço das commodities ou a cotação do dólar (pode ser uma guerra, um desarranjo na China ou um grande evento climático) e lá estará o Banco Central ajustando a Selic para cima com espantosa facilidade.

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Ajudaria se a política fiscal andasse em sincronia com os juros, mas é o contrário: a tendência do governo, deste e de outros, é compensar o aperto monetário com uma política fiscal expansionista, o que acaba instigando o Banco Central a empurrar os juros ainda mais para cima.

A indexação generalizada de contratos, uma jabuticaba brasileira, fomenta inércia e também torna a política monetária menos eficaz. E tome juros. A taxa real de juros média neste século foi de 5,5% ao ano, provável recorde mundial.

O resultado é a asfixia do setor produtivo, a aceleração da dívida pública e a crescente concentração de renda, já que os juros altos são a fonte de bem-aventurança dos rentistas. É preciso rediscutir, logo, a maneira como combatemos a inflação.

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