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‘Mudança na meta de inflação seria contraproducente’, diz economista-chefe do Santander

Ana Paula Vescovi afirma que o Brasil lida com um ambiente grande de incertezas e diz que equipe econômica precisa apresentar um novo marco fiscal capaz de estabilizar a dívida pública

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Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comAna Paula VescoviEconomista-chefe do banco Santander

A economista-chefe do banco Santander, Ana Paula Vescovi, avalia que uma eventual mudança para cima da meta de inflação pode ter um efeito contrário ao desejado. Defensores da medida entendem que seria possível reduzir a taxa básica de juros (Selic) e, assim, estimular a atividade econômica. Mas, na avaliação dela, acabaria por aumentar a percepção de risco oferecido pela economia brasileira, prejudicando o crescimento e decisões de investimentos.

“Eu acho que tem de ter um cuidado extraordinário (com essa discussão), até porque a gente não tem ainda um marco fiscal, um cenário de consolidação fiscal”, afirmou. “O momento não ajuda, não é o melhor. Da minha parte, eu acredito que o inimigo é a inflação.”

Ex-secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula avalia que o País lida com um ambiente grande de incertezas e diz que a equipe econômica precisa apresentar um novo marco fiscal que seja simples e capaz de estabilizar a dívida pública.

Na quinta-feira, 9, o Santander revisou as suas projeções para a economia brasileira. O banco passou a trabalhar com uma Selic mais alta – encerrando o ano em 13% - e um cenário de inflação mais resiliente – a previsão para o IPCA subiu de 5,4% para 5,9%. A estimativa para crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) permaneceu em 0,8%.

Ana Paula Vescovi diz que equipe econômica precisa apresentar regra fiscal simples Foto: WERTHER / ESTADAO CONTEUDO

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

O que explica esse cenário de juros mais altos por um período mais prologado e inflação persistente no Brasil?

O nosso cenário tem como base os indicadores mais recentes, a última ata do Copom e algumas análises sobre as escolhas que o novo governo está enfrentando no terreno econômico. No posicionamento dos debates que a gente vê publicamente revelados, acho que vai haver uma preocupação maior em atenuar a desaceleração econômica, por isso nós temos a construção desse cenário. O que a gente está vendo é ausência de desinflação, expectativas de inflação de médio e longo prazos maiores e, portanto, uma política monetária com maior dificuldade de iniciar o ciclo de distensão.

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Quando pode começar o corte de juros?

Nós acreditamos que na reunião de novembro a autoridade monetária pode começar a flexibilização da taxa de juros no Brasil, mas obviamente que todos os cenários são sujeitos aos eventos mais recentes.

Quais são os contrapontos a esse cenário?

A redução das incertezas que estão predominando nesse ambiente atual. É uma incerteza absolutamente compreensível dada a mudança de governo e a tudo o que a gente assistiu recentemente durante o mês de janeiro no Brasil. Essa redução de incertezas poderia vir da aprovação de reformas que estão na pauta do governo. Estou falando de uma reforma tributária, de um novo marco fiscal. Se essas reformas vierem a comprovar uma efetividade sobre os problemas que elas pretendem atacar, eu tenho certeza de que isso tende a reduzir incertezas e prêmios de risco.

O que deve contemplar o novo arcabouço fiscal?

O que a gente ouve nas conversas com agentes do governo é que eles estão preocupados em seguir uma linha teórica robusta, olhando para uma terceira geração de regras fiscais. Eu acho que a gente pode ter a construção de uma regra positiva, mas sem esquecer que nós temos uma economia política muito difícil para a realização de reformas substantivas. Dado o ambiente político mais tensionado, os espaços para buscas de consensos, para se fazer o corte de gastos, redução de benefícios ou até aumento de carga tributária, têm sido restritos nos últimos anos. A regra precisa dar um sinal claro de como o Brasil vai resolver o problema de convergir para uma estabilização estrutural da dívida pública. Esse é o principal problema que essa regra fiscal tem de resolver.

Tem de ser uma regra dura?

Mais simples, menos complexa. Quanto mais complexa a regra, maior a dispersão de expectativas. Se há uma dispersão de expectativas, a regra acaba ficando fraca no cumprimento do seu papel, que é dar um direcionamento para essas expectativas. Isso é um desafio para este momento, porque a gente vê que o governo está preocupado em ter uma regra relativamente flexível para ser mais duradoura.

O Ministério da Fazenda desenhou um pacote fiscal. Qual é a avaliação da sra. em relação ao que foi apresentado?

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É preciso entender esse momento inicial, esse primeiro semestre, com uma abordagem um pouco mais ampla, percebendo que existe um dilema muito forte entre o crescimento, ou uma desaceleração menor, com vistas ao controle inflacionário. Eu acho que esse dilema está pendendo para não deixar a economia desacelerar tanto. Como não temos todos os parâmetros para entender essa proposta de regra fiscal, eu diria que Ministério da Fazenda fez uma aposta em algo que pudesse mitigar a conta do déficit que ficou dentro do Orçamento de 2023 via receitas que estão mais fáceis de serem apropriadas, ainda que temporárias e com medidas que sejam de curto prazo. Agora, obviamente, nem o Ministério da Fazenda vê nisso as medidas estruturais. Não é por aí. Eu acho que o que eles querem endereçar em termos de ajuste fiscal estrutural está sendo estudado e não está posto.

Faz sentido mexer na meta de inflação para permitir uma eventual queda dos juros e evitar uma desaceleração da economia?

Esse é um debate que está aberto. Na minha posição, não vale a pena, porque vai ter um efeito contraproducente. Eu acho que tem de ter um cuidado extraordinário (com essa discussão), até porque a gente não tem ainda um marco fiscal, um cenário de consolidação fiscal. Eu acho que o momento não ajuda, não é o melhor. Da minha parte, eu acredito que o inimigo é a inflação. A gente deveria realmente colocar muito foco no combate à inflação. Até porque a inflação só tem um ator prejudicado: os trabalhadores que não têm folga no seu orçamento, que trabalham para pagar suas contas. Quem tem folga no orçamento consegue poupar e se proteger um pouco. A maioria dos brasileiros não tem essa folga. Então, o foco deveria ser nesse momento todos contra a inflação.

Quais podem ser as consequências de uma mudança na meta?

O que a gente vê é o seguinte: a ação do Banco Central consegue atuar sobre os juros de curto prazo. Existem outros fatores que atuam sobre expectativas que formam a curva de juros e olham mais para o médio e longo prazo. O Banco Central não atua nisso, quem atua nisso é o Tesouro, que faz a gestão da dívida pública, e a formação de expectativas dos agentes, que são inúmeros. Esse tal mercado que a gente fala são os vários agentes distribuídos entre o Brasil e o exterior e que não têm uma coordenação entre si. É um somatório de opiniões e expectativas. Se a gente tiver um ambiente de incertezas prolongado, que se traduza em percepção de risco, em prêmios de risco – e já está acontecendo na curva de juros, que está levando a gente a ter uma expectativa de juro nominais mais altos -, isso prejudica o crescimento, as decisões de investimento.

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Faz sentido um juro real tão alto no Brasil?

Não é questão de fazer sentido ou não. Os preços estão aí. Eles são o que eles são, estão se revelando. Um ponto que eu faço é, quando a gente conversa com investidores estrangeiros, existe um processo muito favorável ao Brasil. Não é novidade, mas, desde a guerra da Rússia com a Ucrânia, há uma velocidade maior de aproximação de cadeias produtivas até por razões estratégicas dos países. E existe uma preocupação aumentada com a questão de energias renováveis dado o choque que houve na Europa.

Quais são as vantagens do Brasil nessas duas vertentes?

Vai depender, por exemplo, em como o Brasil vai se posicionar ou se reposicionar frente ao comércio internacional. Há duas oportunidades muito grandes: acordo União Europeia e Mercosul e entrada na OCDE. Essas oportunidades estão postas. O investidor estrangeiro, quando olha o Brasil, olha com essa situação. O Brasil é um exportador de commodities. Tem um setor externo super resiliente. Tudo isso está levando os investidores estrangeiros a olharem com muitos bons olhos as oportunidades no Brasil, e isso se reflete do longo para o curto prazo. E o País tem esse prêmio de risco que ajuda a atrair investimentos de mais curto prazo e, inclusive, a conter os preços dos ativos domésticos. Dito isso, quando a gente olha mais para o médio prazo, o Brasil, diante dessas oportunidades, organizando essas frentes que dizem mais respeito ao curto prazo, tem um cenário promissor. E aí tem o estrangeiro que aposta nisso.

Redução das incertezas pode beneficiar crescimento da economia brasileira, diz Ana Paula Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Isso explica o fato de o dólar ter batido em R$ 5, apesar de hoje estar na faixa de R$ 5,30?

Dado o enfraquecimento recente do dólar, a gente poderia estar no R$ 4,70, R$ 4,75.

Essa diferença tem a ver com todos esses ruídos?

Pelos eventos inesperados, pela natureza de uma troca de governo, pelo tempo necessário para colocar as pautas em discussão e pelos debates que são abertos.

Se o Brasil apresentar um âncora fiscal crível e uma reforma tributária, esse cenário de crescimento mais baixo para os próximos anos pode ser revisto?

Com tudo o que está para acontecer, a gente tem muito boas oportunidades de melhorar o cenário. Essas oportunidades existem e dependem de todos esses fatores. O que pode ser algum elemento para não ajudar nesse cenário? Uma discussão, por exemplo, sobre aumento do parafiscal, das políticas que levem a uma injeção de recursos parafiscais na economia, que é aquilo que se consegue de crédito subsidiado sem passar pelo Parlamento.

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