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Mudanças climáticas estão ‘corroendo’ o crescimento da economia na África, diz presidente do Quênia

Cúpula Africana do Clima associa peso ‘injusto’ das dívidas aos apelos para fazer os ativos verdes do continente valerem a pena

Por Cara Anna e Evelyne Musambi

NAIRÓBI, Quênia (AP) – As mudanças climáticas estão “corroendo implacavelmente” o progresso econômico da África e é hora de termos uma conversa global a respeito de um imposto pelas emissões de dióxido de carbono para os poluidores, declarou o presidente do Quênia na abertura da primeira Cúpula Africana do Clima, na terça-feira, 5.

“Aqueles que produzem o lixo se recusam a pagar suas contas”, disse o presidente William Ruto, anfitrião da cúpula, para uma plateia que incluía autoridades de destaque da China, dos Estados Unidos e da União Europeia — alguns dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo.

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O continente africano em rápido crescimento, com mais de 1,3 bilhão de habitantes, está perdendo de 5% a 15% do crescimento de seu Produto Interno Bruto (PIB) todos os anos devido aos impactos generalizados das mudanças climáticas, de acordo com Ruto. Isso é uma fonte de profunda frustração na região rica em recursos que é, de longe, aquela que menos contribui para o aquecimento global.

Ele e outros líderes pressionaram por reformas nas estruturas financeiras globais que fizeram com que as nações africanas pagassem cerca de cinco vezes mais para tomar empréstimos do que outras, agravando a crise da dívida para muitos. A África tem mais de 30 dos países mais endividados do mundo, disse a secretária de gabinete do Quênia para o meio ambiente, Soipan Tuya.

O presidente do Quênia, William Ruto, discursa ao lado de líderes africanos no encerramento da primeira Cúpula Africana do Clima, no começo de setembro Foto: Simon Maina/AFP

O enviado especial para o clima dos EUA, John Kerry, reconheceu a “dívida profunda e injusta”. Ele também disse que 17 dos 20 países do mundo mais impactados pelas mudanças climáticas estão na África — enquanto as 20 nações mais ricas do mundo, incluindo a sua, produzem 80% das emissões de dióxido de carbono do mundo que estão levando às mudanças climáticas.

Ao ser questionado sobre o apelo do presidente queniano para a discussão de um imposto sobre as emissões, Kerry disse que o presidente Joe Biden “ainda não adotou nenhum mecanismo específico de precificação das emissões de dióxido de carbono”.

Ruto disse que os 54 países da África “devem se tornar sustentáveis rapidamente antes de se industrializarem e não vice-versa, ao contrário das (nações mais ricas) que tiveram o luxo de fazer isso”. Transformar a economia da África numa trajetória sustentável é a “forma mais viável, justa e eficiente de alcançar um mundo com zero emissões líquidas de carbono até 2050″, afirmou.

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As finanças do clima são fundamentais, disseram os participantes. Uma promessa das nações mais ricas de US$ 100 bilhões por ano para ajudar as nações em desenvolvimento a atingir suas metas climáticas continua sem ser cumprida, e Ruto disse que a declaração da cúpula “encorajará firmemente” todos a cumprirem suas promessas.

Os Emirados Árabes Unidos, que sediarão a próxima Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas ainda este ano, anunciaram que planejam investir US$ 4,5 bilhões no “potencial de energia limpa” da África.

O continente africano tem 60% dos ativos de energia renovável do mundo e mais de 30% dos minerais essenciais para tecnologias de energia renovável e de baixa emissão de dióxido de carbono. Um dos objetivos da cúpula é transformar a narrativa em torno do continente, de vítima para parceiro assertivo e rico.

“Está se tornando cada vez mais difícil explicar para o nosso povo, principalmente aos jovens, a contradição: continente rico em recursos e pessoas pobres”, disse a presidente etíope Sahle-Work Zewde.

O PIB da África deve ser reavaliado por seus ativos, que incluem a segunda maior floresta tropical e biodiversidade do mundo, disse o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento, Akinwumi Adesina.

“A África não pode ser rica em natureza e pobre em dinheiro”, afirmou.

Mas as divisões são evidentes em torno da questão que pouco foi mencionada nos discursos de abertura e, no entanto, está no centro das conversas difíceis pela frente: os combustíveis fósseis.

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A África deve utilizar seus recursos de gás natural — um interesse cada vez maior da Europa — com as fontes de energias renováveis, disse Adesina. “Deem espaço para que cresçamos”, disse.

Ruto, entretanto, criticou o “vício” em combustíveis fósseis. Mais de 90% da energia do Quênia atualmente vêm de fontes renováveis.

“Não precisamos fazer o que os países desenvolvidos fizeram para fornecer energia para suas indústrias. Será mais difícil usar exclusivamente energias renováveis, mas isso pode ser feito”, disse uma participante local da cúpula, Martha Lusweti.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse aos participantes da cúpula que é hora do mundo “acabar com nosso vício em combustíveis fósseis”. Os gastos mundiais com subsídios a combustíveis fósseis atingiram US$ 7 trilhões em 2022, segundo o Fundo Monetário Internacional.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, disse que as nações africanas poderiam produzir energia limpa suficiente para abastecer o continente e exportar para o exterior, “mas, para isso, a África precisa de investimentos massivos”.

Algumas das maiores economias da África dependem dos combustíveis fósseis. As usinas a carvão da África do Sul estão passando por dificuldades. Partes do Delta do Níger, na Nigéria, são conhecidas como algumas das maiores fontes de extração de petróleo. Algumas das cidades africanas têm a pior poluição atmosférica do mundo. Um projeto da TotalEnergies na Uganda e na Tanzânia está sendo contestado.

Não participaram da cúpula os líderes de várias das maiores economias da África, entre elas a África do Sul, a Nigéria e o Egito, assim como o Congo, rico em florestas.

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A China, o maior emissor mundial de gases que retêm calor na atmosfera e maior parceiro comercial da África, além de um de seus maiores credores, também não estava entre aqueles que discursaram.

Alguns líderes africanos deram descrições arrebatadoras do impacto das mudanças climáticas.

“Os mares que antes faziam serenatas para nós com canções de ninar agora alertam para o aumento do nível do mar”, disse o presidente de Serra Leoa, Julius Maada Bio. “É uma história africana, mas ouso dizer que também é uma história global.”/Tradução de Romina Cácia

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