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Sua cerveja poderá ter sabor diferente em breve, por conta das mudanças climáticas

Estações mais quentes e secas ameaçam tradições de produtores de lúpulo alemães, que tentam preservar o sabor da cerveja

Por Catie Edmondson

THE NEW YORK TIMES, SPALT (ALEMANHA) - Gerações de agricultores nas colinas verdes e ensolaradas de Spalt, na Alemanha, têm cuidado orgulhosamente das suas plantas de lúpulo, usadas para fabricar cerveja, desde a Idade Média.

Questionados sobre o que torna a variedade nativa de lúpulo Spalter tão especial, os entusiastas falam sobre seu aroma delicado e picante; sua leveza; e a harmonia e o toque de amargura que a planta transmite.

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A planta é tão central para a cultura da cidade que placas anunciando “Spalter Bier” podem ser encontradas em quase todas as ruas, muitas delas penduradas nas casas em enxaimel (técnica de construção) e com telhado vermelho que foram construídas há centenas de anos para armazenar e secar lúpulo.

Mas a colheita e essas tradições desgastadas estão ameaçadas como nunca antes. A culpa é das mudanças climáticas.

A promessa de um clima mais quente e mais seco desferiu um golpe brutal na indústria do lúpulo em toda a Europa. Mas tem sido especialmente cruel com o lúpulo Spalter, uma cultura que tem sustentado por séculos esta cidade organizada de 5 mil habitantes no sul da Alemanha.

Depois de uma temporada severa de temperaturas escaldantes, períodos de seca e tempestades violentas, a colheita de lúpulo na Alemanha no ano passado diminuiu mais acentuadamente do que em qualquer período desde a Segunda Guerra Mundial. Variedades nativas como a Spalter, que se desenvolveram naturalmente em climas mais frios e úmidos séculos atrás, foram as que mais sofreram. A colheita deste ano apenas começou, mas a Associação de Produtores Alemães de Lúpulo já projetou que estará abaixo da média.

Lúpulo da variedade Spalter, que os entusiastas dizem ter um aroma delicado e picante.  Foto: Ingmar Nolting/The New York Times

Os produtores costumavam ter um ano seco e uma colheita ruim a cada década. “No entanto, agora estamos vivendo um segundo ano seco consecutivo pela primeira vez”, escreveu a associação no mês passado. “Olhando para o futuro, precisamos esperar mais anos secos.”

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Estas realidades levantaram uma série de questões existenciais em Spalt – sobre a longevidade da sua colheita, se os agricultores irão mudar para variedades de lúpulo mais novas e mais adaptadas ao clima e, se fizerem isso, se as cervejarias as comprarão.

“É muito importante para nós que todo o sistema funcione, que funcione no futuro como funcionou no passado”, disse Andreas Auernhammer, produtor de lúpulo. “É por isso que existe há tanto tempo. Esperamos que em 700 anos ainda exista. Não para nós, mas para os filhos dos nossos filhos.”

Barris de cerveja feita com lúpulo Spalter.  Foto: Ingmar Nolting/The New York Times

Auernhammer e outros agricultores aqui cultivam muitos tipos de lúpulo, incluindo variedades mais novas. No entanto, as variedades nativas e tradicionais de lúpulo, como a Spalter, ocupam um nicho especial no mercado. Elas são vendidas não apenas para cervejeiros alemães que produzem cerveja dos tipos pilsner e Kölsch tradicionais, mas também para empresas internacionais, incluindo a gigante americana Samuel Adams.

Mas o aumento das temperaturas e a seca tornaram o cultivo da Spalter mais difícil e mais caro, tornando os agricultores mais dependentes da irrigação das suas plantas - tarefa nada fácil numa região montanhosa onde a água é sempre escassa.

Auernhammer estendeu uma série de tubos de irrigação pretos acima das suas plantações. No ano passado, apesar de estar protegido pelo seu sistema de irrigação - considerado um dos melhores da cidade - ele viu uma diminuição de 20% na colheita de algumas partes do seu campo.

Spalt, cidade na Alemanha com cerca de 5 mil habitantes, conhecida pelo lúpulo Spalter.  Foto: Ingmar Nolting/The New York Times

A diferença entre os seus campos e aqueles sem sistemas de irrigação é enorme. Fileira após fileira de exuberantes guirlandas de lúpulo sobem do campo de Auernhammer. Do outro lado da cidade, em um campo que não foi irrigado, as plantas são mais ralas e têm menos ramos, quase sem folhas na parte inferior dos caules. Nessas plantas, haverá menos lúpulo para colher.

Num esforço para tornar os sistemas de irrigação mais acessíveis aos fazendeiros, o governo do Estado da Baviera prometeu um total de 40 milhões de euros para construir a infraestrutura na região.

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Mas a questão de levar água aos campos é mais difícil do que simplesmente instalar mais canos para levar água subterrânea, que é cada vez mais escassa. Os produtores de lúpulo, os políticos e os gestores de recursos hídricos também estão pressionando para obter acesso a um enorme reservatório próximo chamado Brombachsee, onde o excesso de água da chuva é armazenado.

Fazendeiro Andreas Auernhammer, cercado pelo lúpulo Spalter.  Foto: Ingmar Nolting/The New York Times

Tais esforços são particularmente importantes para manter o lúpulo Spalter. As variedades mais novas de lúpulo colhidas no ano passado mostraram maior resistência ao calor, reaparecendo depois de semanas de seca terem sido encerradas por chuvas tardias.

“Nenhum de nós teria sugerido ou teria pensado que o lúpulo poderia se recuperar tão bem”, disse Sebastian Gresset, que lidera a pesquisa de melhoramento de lúpulo para o Centro de Pesquisa para Agricultura do Estado da Baviera. “Mas as variedades mais antigas não se recuperaram.”

Nos últimos sete anos, Gresset e sua equipe têm criado novas variedades de lúpulo projetadas para serem mais resistentes à seca e às altas temperaturas. Alguns fazendeiros as adotaram rapidamente, porque seu cultivo exige menos trabalho e dinheiro.

“Como o homem que faz os contratos com todos os fazendeiros aqui da região, eu posso te dizer que quase todos os agricultores aqui gostariam de experimentar estas novas variedades”, disse Frank Braun, presidente da HVG Spalt, uma empresa de cultivo de lúpulo. “Mas o produtor, o agricultor, também está sempre atento: ‘eu tenho que conseguir vender isso’”.

O problema, segundo Peter Hintermeier, diretor administrativo da BarthHaas, a maior comerciante mundial de lúpulo com sede em Nuremberg, é que cervejarias e clientes têm sido relutantes em aceitar as novas variedades.

“Eles querem ter seu sabor especial em sua cerveja favorita”, disse Hintermeier sobre os consumidores de cerveja. “E por isso também nossas clientes, as cervejarias, estão muito preocupadas. Porque elas querem fornecer o sabor que os clientes desejam. E por isso elas têm muito medo de mudar o sabor da cerveja.”

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Frank Braun, presidente da HVG Spalt, uma empresa de cultivo de lúpulo.  Foto: Ingmar Nolting/The New York Times

Mas o trabalho para produzir um sabor semelhante também cabe aos cervejeiros, e não apenas aos produtores, disse Gresset, reconhecendo que a introdução de uma nova variedade de lúpulo pode forçar as cervejarias a adaptar as suas receitas. “O clima está mudando, mas os consumidores ainda estão pedindo pelas variedades que têm centenas de anos”, afirmou.

Alguns já estão experimentando as novas variedades. Em uma recente manhã quente aqui, um fazendeiro trouxe uma caixa de pilsners fabricada com uma variedade mais nova e distribuiu amostras para seus colegas experimentarem. O sabor era bom, concordaram, mas o cervejeiro ainda não estava satisfeito com o amargor da cerveja.

É por isso que, acreditam os puristas, não há substituto para o lúpulo Spalter, apesar das alterações climáticas.

“Não há nenhuma variedade recém-criada que possa competir no campo do aroma puro e fino do lúpulo – apenas o sabor tradicional do lúpulo – fornecido pelas nossas variedades tradicionais”, disse Braun. “Essa é a razão pela qual estas variedades de terras antigas, embora o clima seja ruim e o preço seja mais elevado, permanecerão – elas não desaparecerão. Se você quiser fazer essas cervejas muito finas, você precisa delas.”

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