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'Não sairemos da crise por meio do protecionismo'

Comissário europeu, que visita esta semana o Brasil, diz que 'guerra das moedas' não convém a ninguém

Por JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE e ZURIQUE

Artífice da união bancária na Europa, o comissário Michel Barnier admite que a reforma do sistema financeiro internacional ainda não foi concluída e que as mudanças propostas na Europa para lidar com a crise do euro poderão levar até 2014 para serem implementadas. Em entrevista ao Estado, Barnier avalia que a Europa passa por uma correção importante de rumo e estima que, apesar do descontentamento entre as populações afetadas pela austeridade, chegou o momento de a sociedade europeia lidar com sua dívida e deixar de viver além de suas capacidades. Nesta semana, Barnier desembarca no Brasil para reuniões com a equipe econômica do governo. E chega com uma mensagem clara: que o protecionismo não é remédio para a crise e que a "guerra das moedas" não convém a ninguém. Brasília tem criticado as ações do Banco Central Europeu por injetar recursos na economia, alegando que isso tem prejudicando a competitividade das exportações nacionais pelo impacto desse fluxo na valorização do real. Barnier é considerado uma das principais vozes da direita pró-europeia. Foi ministro de Relações Exteriores, da Agricultura e do Meio Ambiente na França. Hoje, é o comissário europeu para Mercado Interno e Serviços, uma espécie de superministro da Europa que ganhou nos últimos anos a função de realizar uma das maiores reformas da história do bloco: criar uma união bancária, um monitoramento dos 6 mil bancos do continente e reformar o sistema para impedir que a crise volte a afetar os bancos locais. A seguir, os principais trechos da entrevista:Qual objetivo de sua visita ao Brasil?O Brasil é hoje um dos grandes atores globais e tem um lugar importante no G-20 e no coração da América Latina. Sou encarregado dos serviços financeiros e busco ter um diálogo com nossos principais parceiros para debater a governança da crise, que já dura quatro anos. Quero explicar o que a Europa está fazendo. Nos últimos três anos, a Europa fez muito em termos de regulação de seus bancos e do setor financeiro. Adotamos 29 novas leis de reformas financeiras de supervisão e que serão implementadas nos próximos meses e anos.Uma das suas bandeiras é a abertura dos mercados de licitação pública. O sr. vai levar esse pedido de abertura ao Brasil?Discutimos com todos uma abertura recíproca. Na Europa, sou eu quem se ocupa do Acordo de Compras Governamentais da OMC. O Brasil não faz parte, assim como a China está fora. Mas queremos que o Brasil passe a fazer parte desse entendimento. Mas existe uma preocupação no Brasil de que uma maior abertura do mercado de licitações públicas permitiria uma entrada forte das empresas europeias e que empresas nacionais não teriam como competir. O que o Brasil ganha abrindo seu mercado?O benefício vem no comércio. Os europeus também têm a mesma preocupação com a questão agrícola do Mercosul e uma abertura muito rápida do mercado europeu. Temos de ir além do medo e ver onde podemos ganhar de forma recíproca. A UE é um mercado de 500 milhões de consumidores e, se a abertura é recíproca, empresas brasileiras podem exportar com vantagens.Há reclamações de uma proliferação de medidas protecionistas no Brasil. Como o sr. tem visto isso?Estamos em uma crise global e temos de administrá-la. No G-20, estamos sentados em torno de uma mesa para promover essa governança global. Não podemos incentivar o protecionismo. Não serão medidas de curto prazo que vão trazer soluções. Estou convencido de que não sairemos dessa crise por meio do protecionismo. Há ainda no Brasil um debate que ganhou a definição de "Guerra Cambial", cunhada pelo ministro Guido Mantega, que acusa a injeção ilimitada de recursos pelo BCE de estar criando uma situação pouco favorável para a moeda brasileira, que teria de ser defendida. Como o sr. sugere lidar com essa situação?A crise não será resolvida por medidas protecionistas, sejam elas nacionais ou regionais. Não sairemos dessa situação por meio de uma "guerra de moedas". Temos de estudar e debater o assunto no G-20. Agora, o BCE é independente e tomou medidas para lidar com uma situação das altas taxas de juros que estavam estrangulando países como Espanha e Itália, que estão fazendo grandes esforços. O Brasil chegou a propor criar um mecanismo na OMC para compensar valorizações abruptas de moedas. O sr. apoia isso?O que eu defendo é que moedas reflitam os fundamentos das economias. A volatilidade é ruim para o crescimento em todo o mundo. Depois de quatro anos de crise, o sr. diria que os trabalho de reformar o sistema financeiro e modificar a estrutura da UE está se aproximando de seu fim?Não. Na Europa já foram propostas umas 30 leis de reforma do sistema financeiro, para garantir que haja maior transparência e responsabilidade dos mercados financeiros. Mas levarão um ano e meio para serem todas implementadas. Além disso, lançamos um projeto para relançar o mercado único europeu, com 50 novas propostas e mais de 100 bilhões em investimentos.A união bancária é a chance que a Europa tem para sair da crise?Ela é um dos temas que pode trazer a solução. É um grande projeto, coerente com o projeto de integração da Europa. A pedra fundamental é a criação de uma supervisão europeia para bancos com o BCE com um papel central. Isso será essencial para cortar a ligação viciosa entre a quebra de bancos e gastos públicos cada vez maiores para recapitalizar bancos.

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