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‘Para grau de investimento, é preciso estabilidade de regras e mais reformas’, diz diretor da Fitch

Rafael Guedes diz que, para o Brasil voltar a ter nota elevada, precisa mostrar avanço em reformas que acelerem crescimento econômico e tomar medidas para diminuir buraco das contas públicas

Foto do author Eduardo Laguna
Por Eduardo Laguna (Broadcast)
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comRafael GuedesDiretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil

O diretor-executivo da Fitch Ratings no Brasil, Rafael Guedes, entende que as perspectivas fiscais do País entraram em um viés negativo desde julho, quando a agência elevou a nota de crédito soberano: de BB- para BB. Ele pondera, no entanto, que não será o resultado fiscal do ano que vem que vai determinar a trajetória de rating do Brasil.

“Obviamente, os números de déficit fiscal têm um viés negativo alto. Nós ainda damos o benefício da dúvida de que o governo vai conseguir passar medidas para aumentar a arrecadação e, se não for o caso, tomar medidas para, pelo menos, reduzir o déficit em 2024″, afirma Guedes, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

O executivo avisa que, caso o governo ceda às pressões de aliados para mudar a meta já em 2024, primeiro ano do novo arcabouço fiscal, não será algo bem visto nem pelo mercado nem pelas agências de risco. “Quando elas (as regras) são difíceis de atingir, não é bom simplesmente arrumar um subterfúgio para fugir de consequências como, por exemplo, cortes obrigatórios de gastos”, diz.

A possibilidade de o País voltar a ter sua nota elevada, aponta ele, vai depender de o governo mostrar que, mesmo com endividamento elevado, está avançando em reformas capazes de acelerar o crescimento econômico e tomando medidas para diminuir o buraco das contas públicas.

Para Guedes, País ainda tem um caminho bastante longo para recuperar o grau de investimento Foto: Nacho Doce/Reuters

Guedes conversou com a reportagem após dizer, na semana passada, que o País ainda tem um caminho bastante longo para recuperar o grau de investimento, o selo conferido a economias de menor risco de crédito e do qual o Brasil está a dois degraus. “Se será suficiente para grau de investimento (em três anos), é algo que somente o comitê (da Fitch) poderá decidir.”

A perspectiva da agência de classificação de risco para o Brasil é estável, uma indicação de que não há mudança no horizonte para os próximos 18 a 24 meses. Não quer dizer, no entanto, que esse movimento seja impossível.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

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Como o senhor está acompanhando a evolução das métricas de crédito observadas pela Fitch na avaliação do Brasil? Desde o upgrade, a empolgação do mercado com a apresentação do novo marco fiscal parece ter dado lugar ao ceticismo em relação ao cumprimento de suas metas.

Estamos sempre olhando três, cinco, sete anos (à frente). Sabemos que no curto prazo as economias têm ciclos e muita volatilidade. Geralmente, levamos o Brasil duas vezes por ano ao comitê, e sabemos que nesse período haverá muita oscilação. A preocupação com o déficit primário também é uma preocupação nossa. Desde o começo, trabalhamos com o governo estressando a sua margem de 0,25 ponto porcentual para cima ou para baixo (tolerância do novo arcabouço às metas de resultado primário). Sempre trabalhamos em nossos modelos com o número mais baixo da faixa para cada ano. Trabalhamos também com número de crescimento (da economia) menor. Mas, obviamente, os números de déficit fiscal têm um viés negativo alto. Nós ainda damos o benefício da dúvida de que o governo vai conseguir passar medidas para aumentar a arrecadação e, se não for o caso, tomar medidas para, pelo menos, reduzir o déficit em 2024. Mas não é 2024 que vai determinar a trajetória de rating do Brasil. Tem outras coisas, como custo da dívida e, principalmente, crescimento. Nesse aspecto, o Brasil tem surpreendido positivamente, mesmo que os números fiscais sejam menos robustos.

Ou seja, mesmo se o governo não ficar com o déficit dentro da meta do ano que vem, isso não vai influenciar a análise de rating.

Será preciso observar a composição de tópicos: crescimento, custo da dívida, andamento das reformas que levam a um crescimento maior. Um país nunca é rebaixado ou elevado por um único fator. Mencionei apenas os três principais, existem outros. Vamos ter de olhar quais são as expectativas para os déficits nominais nos próximos anos e como isso impacta a dinâmica da dívida.

Nesta semana, o diretor de política monetária do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, disse que a preocupação do mercado sobre o funcionamento do arcabouço fiscal parece ser maior do que com o cumprimento de suas metas. O senhor também vê desta forma?

A preocupação é com os ajustes quando determinadas coisas não acontecem — por exemplo, se houver frustração de receitas — e como a regra vai ser efetivamente implementada. No caso da regra anterior, do teto de gastos, foram encontradas várias maneiras de os gastos não pertencerem ao teto. O mesmo pode acontecer nesse novo arcabouço fiscal. Teremos de ver se haverá válvulas de escape se o déficit ficar fora da meta. Se, ao invés de resolver isso para os próximos anos, simplesmente serão abertas válvulas de escape para incluir gastos não só num ano, mas também nos anos vindouros. Depende muito de como o próprio governo e o Congresso vão tratar as metas fiscais autoimpostas. Quando elas são difíceis de atingir, não é bom simplesmente arrumar um subterfúgio para fugir de consequências como, por exemplo, cortes obrigatórios de gastos.

Como o senhor acompanha a pressão, exercida pela ala política do governo, por revisão já da meta do arcabouço?

Não é o que a equipe econômica está defendendo. O que a equipe econômica defende é: “vamos fazer o nosso melhor e o que for possível para atingir essa meta”. Sabe que existem alguns controles como o contingenciamento. Certamente, não é uma solução bem vista nem pelas agências de rating nem pelo mercado mudar a regra no primeiro momento de dificuldade, simplesmente porque não conseguiu se ajustar, porque os números não estão cabendo.

O senhor diz que o Brasil ainda tem um longo caminho para recuperar o grau de investimento. O que é preciso fazer?

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O crescimento vem através de reformas e estabilidade das regras. A reforma trabalhista de anos atrás não deveria ser considerada o fim das reformas trabalhistas. Tudo isso leva ao aumento dos investimentos no Brasil, que hoje não são compatíveis a um país que quer crescer pelo menos 3% ao ano. Temos de atrair investimentos de empresas estrangeiras, mas principalmente de empresas brasileiras. Ninguém vai investir se não houver perspectiva de crescimento no longo prazo e estabilidade de regras. Então, para grau de investimento, (é preciso) estabilidade de regras, mais reformas e refinar as que já foram feitas. A reforma tributária tem de sair. O caminho dela está certo, agora resta ver o que vai sair do Congresso. Tem a outra parte que é o endividamento. Você consegue reduzir o endividamento com maior crescimento, mas não quando tem déficits primários razoáveis. Quando recebeu o grau de investimento, o Brasil tinha déficit nominal menor de 3% e endividamento menor de 60%. Hoje, o déficit é o dobro disso e estamos com 75% de endividamento em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). É outra realidade.

Se o Brasil fizer essa lição de casa, e conseguir crescer mais, é viável pensar em grau de investimento em três anos? Hoje, a perspectiva da Fitch para o rating soberano é estável.

Quando a gente fala em perspectiva, estamos tentando dar uma previsão ao mercado, no sentido de que, com os dados que temos hoje, com o desenvolvimento que vemos, não cremos que essa nota será alterada no horizonte de 18 a 24 meses. O Brasil teve a nota elevada com perspectiva estável. Então, não quer dizer que seja impossível. Em três anos, tudo vai depender da rapidez com que determinadas medidas, em especial reformas que são pró-cíclicas, sejam endereçadas e de como governo vai se comportar em relação à política fiscal. Se a agência entender que, mesmo com endividamento alto, o País está tomando medidas que vão levar ao crescimento mais rápido e que medidas estão sendo tomadas para controlar o déficit, pode ter ações de rating positivas. Se será suficiente para grau de investimento, é algo que somente comitê poderá decidir.

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