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Pedidos de licença-maternidade por MEIs crescem 162,5% em 8 anos; auxílio não chega aos mais pobres

Necessidade de pagamento de guia de arrecadação por dez meses dificulta que mulheres de baixa renda e, em especial, mães solo, consigam licença remunerada nos primeiros meses de vida dos filhos

Por Ramana Rech
Atualização:

Mesmo com um trabalho informal, Fabiana Lopes Chaves de Miranda, de 39 anos, pôde tirar licença-maternidade pelos quatro primeiros meses de vida do segundo filho. O registro de Microempreendedora Individual (MEI) lhe garantiu o auxílio no período e a possibilidade de cuidar da criança durante 120 dias sem precisar voltar à atividade.

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Nos últimos anos, o número de pedidos de salário-maternidade ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por microempreendedoras individuais como Fabiana aumentou. Em 2023, foram 86.309 solicitações. Em comparação, 2015 teve 32.876 pedidos. O aumento, nesse período de oito anos, foi de 162,5%.

Apesar do crescimento, o benefício ainda não alcança a base mais vulnerável das mulheres na informalidade. Também trabalhadora informal, Taís Ferreira, hoje com 46 anos, voltou a trabalhar 45 dias após o parto. Ela não tinha CNPJ ou carteira assinada e até então vivia com o ex-companheiro. Após a separação, ela se viu forçada a retornar ao mercado de trabalho com um recém-nascido.

A consultora em empreendedorismo Marcele Porto destaca que a obrigatoriedade de pagar no mínimo dez meses do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), no valor de até R$ 76,6 por mês, impede que muitas mulheres tenham o cadastro e, por consequência, o direito à licença.

A microempreendedora Fabiana Miranda mostra as roupas e fantasias de criança feitas por ela Foto: Fabiana Lopes/Arquivo Pessoal

Segundo ela, o perfil das mulheres que conseguem o MEI são as que têm um marido, geralmente com carteira assinada, o que garante a estabilidade necessária para que consigam pagar o DAS.

“De alguma forma, ela tem uma organização que permite que separe esses recursos para conseguir pagar a contribuição. Infelizmente, essa não é a realidade da grande parte das empreendedoras do nosso País.”

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) levantados pela economista Janaína Feijó, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a pedido do Estadão, mostram que mulheres que trabalham por conta própria sem CNPJ recebem menos do que a metade da média salarial das MEIs. No segundo trimestre de 2023, mulheres com CNPJ tinham uma renda média de R$ 3.438, enquanto as sem CNPJ ganhavam R$ 1.609.

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A economista destaca que o cadastro como MEI ainda oferece alguma segurança, como aposentadoria de um salário mínimo. Mas aquelas que não têm nenhum registro de trabalho ficam totalmente desprotegidas.

Além da assimetria salarial, empreendedoras que trabalham como pessoas físicas concentram uma proporção maior de mães solo. Enquanto o número de mulheres na informalidade sem CNPJ é 2,5 vezes maior do que as com CNPJ, ao comparar o número de mães solo em cada categoria, essa diferença é cinco vezes maior. A renda de mães solo com CNPJ com filhos entre zero e 12 anos chega a ser 138% maior do que a das que não têm CNPJ.

Para mães solo que, geralmente, precisam arcar com todas as despesas e que não contam com uma rede de apoio, o investimento na seguridade social vai para o fim da lista.

Pagamento da DAS é pesado

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Quando foi morar de favor na casa de uma amiga, 45 dias após o nascimento do filho, Taís Ferreira voltou a fazer mega hair. Atendia às clientes em casa e no salão de beleza com a criança ao lado. “Eu botava ele no carrinho, ficava ninando e parava para dar peito”, diz.

A renda na casa dela, que nunca teve a carteira assinada, vem atualmente da revenda de polpas e frutas congeladas que sustenta cinco pessoas. O valor não ultrapassa os R$ 2 mil mensais. A filha de consideração mais velha, de 32 anos, ajuda no negócio e tem duas crianças de sete e nove anos. Já Taís tem um filho de 13 anos diagnosticado com autismo leve.

Taís na loja de polpas e frutas congeladas Foto: @taypolpasefrutascongelada/ Arquivo Pessoal

Por isso, ela paga um valor simbólico de R$ 450 para que todas as crianças da casa estudem em escola particular. Taís faz questão que o filho neurodivergente frequente o colégio privado por contar com uma estrutura melhor para as necessidades da criança, como a presença de uma psicopedagoga.

Enquanto as crianças estudam, Taís faz a venda dos produtos. A interação com os clientes acontece no WhatsApp e no Instagram. Ela chegou a abrir uma loja física em seu bairro, com o aluguel bancado pelo fornecedor das polpas, mas o negócio não prosperou por conta da piora da saúde de Taís, que enfrenta um câncer de mama há três anos.

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Apesar do diagnóstico que a debilita, ela não recebeu nenhum benefício do governo, como o auxílio-doença, fornecido pelo INSS aos MEIs. Com o orçamento todo comprometido, o pagamento do DAS fica pesado para a vendedora de polpas.

Pedidos de auxílio-maternidade

Homens também podem receber o auxílio pago pelo INSS em caso de falecimento da gestante, adoção ou guarda judicial para adoção, mas os pedidos nesses casos são poucos perto do total.

Além dos casos de gravidez e aborto, MEIs podem solicitar o valor por parto natimorto ou aborto legal até cinco anos depois do ocorrido.

A coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia (NPGE) da Universidade Federal Fluminense, Lucilene Morandi, avalia que a quantidade de pedidos de salário-maternidade ainda é baixa em comparação com o número de informais no País. A Pnad Contínua do segundo trimestre de 2023 mostrou que 39,2% da população ocupada está na informalidade.

“Temos que lembrar que isso reduz muito pouco a desigualdade, porque esse aumento da busca do auxílio ainda implica a participação de um grupo de pessoas que está de alguma forma com uma renda maior”, diz. Segundo Lucilene, a atual estrutura do mercado de trabalho reproduz a ideia de que as pessoas precisam se virar para sobreviver.

Dados da Pnad Contínua mostram que o número de mulheres com CNPJ no segundo trimestre de 2023 cresceu cerca de 31% ante o mesmo período de 2019. Em relação à taxa de ocupados, a proporção de mulheres com CNPJ passou de 4,4% no segundo trimestre de 2019 para 5,5% neste ano.

Moradora de Belo Horizonte, Fabiana Miranda ganhava cerca de um salário mínimo com costura de roupas de festas e fantasias para crianças na época em que teve seu segundo filho. A possibilidade de continuar a receber o mesmo valor quatro meses após o nascimento da criança foi determinante para que ela escolhesse engravidar novamente, em 2016.

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Era casada na época e o marido tinha um trabalho como CLT, mas o dinheiro que ganhava com as roupas era importante para complementar a renda da casa. Ela conta que o processo de solicitação do benefício foi fácil. Precisou ir a uma agência do INSS uma única vez levar a documentação necessária para receber o auxílio.

Antes, trabalhava na indústria mecânica com carteira assinada e deixou o emprego porque queria engravidar novamente. Além disso, a empreendedora se sentia desvalorizada na área por ser mulher. O trabalho com a costura veio da junção entre uma habilidade que havia aprendido na infância com a avó e a mãe e a graduação em artes plásticas.

Informalidade para permanecer no mercado

Apesar da perda de benefícios, como FGTS, 13º e férias remuneradas, a informalidade tem sido uma forma de mães permanecerem no mercado de trabalho, como afirma a economista Janaína Feijó.

“A maternidade requer delas uma atenção e um cuidado especial. Só que muitas precisam oferecer algum tipo de renda, aí que vão para a informalidade”, explica. A jornada dos trabalhadores de carteira assinada é mais rígida do que a informalidade, o que faz com que mães optem por se tornarem empreendedoras.

Para Marcele Porto, consultora de empreendedorismo, ainda que o MEI ofereça condições de trabalho melhores às mulheres, a solução está na divisão igualitária nos cuidados. “O empreendedorismo feminino é reflexo de uma construção social em que, ao mesmo tempo, a mulher está se inserindo cada vez mais no mercado de trabalho e vive um conflito muito grande com esse papel de cuidado que foi condicionado a ela durante séculos”, afirma.

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