Sônia Braga é a minha musa da crise do aluguel. Bom, não exatamente a Sônia Braga, mas a Clara - sua personagem em Aquarius, o filme de Kleber Mendonça Filho. Clara é a heroína da história, em tese.
Ela vive a resistir às investidas de uma construtora sobre seu imóvel, que fica à beira da praia, no Recife. Querem pôr abaixo o pequeno prédio para erguer uma torre moderna. Clara é apegada ao lugar, e não aceita as ofertas que seus vizinhos já toparam. Os representantes da empreiteira agem de forma vil para que Clara saia dali.
Nos identificamos com Clara. Ela é sobrevivente de câncer e gosta de Maria Bethânia. Em questões urbanas, tendemos a ver as construtoras como inimigas. Defendemos áreas verdes e gostamos de bairros de casas. Não gostamos da estética dos prédios modernos e, convenhamos, dos seus ocupantes. Mas a ciência ensina que Clara é um perigo.
Para a redução das desigualdades, pobres precisam ter acesso a oportunidades. Elas se concentram em grandes cidades, em áreas centrais. Prédios densos diminuem a distância para os pobres, ao reunir muitos moradores em um mesmo lugar - ainda que moradores ricos. Não fossem os prédios, eles estariam espalhados pelo chão em prédios menores ou casas, empurrando pobres para longe.
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Quanto mais denso for o prédio da construtora gananciosa, mais pessoas morarão ali, deixando outros imóveis que serão ocupados por outras pessoas, e assim em diante. Por isso, prédios mais altos podem “trazer” o pobre para mais perto, diminuindo distância, tempo de percurso e custos.
Ao ampliarem a oferta de imóveis, esses empreendimentos tendem a limitar o aumento dos preços, por esse mesmo “efeito dominó”. A sacada aqui é perceber que a cidade precisa de lugares que talvez não queiramos morar. Aquela nova torre de gosto duvidoso, com um nome tosco e cheia de gente brega é uma força positiva para a cidade.
Não deveria haver hoje consideração mais importante para qualquer debate urbanístico que o preço do aluguel. Enquanto as famílias continuarem destinando parcela insuportável de sua renda para o aluguel, restrições a construções deveriam ser exceção. O efeito nas periferias do bom mocismo das associações de moradores dos bairros ricos é devastador.
Clara representa uma elite que na prática é conservadora e mesquinha. Ricos que, no melhor dos casos, colocam considerações estéticas acima das sociais para a cidade. Defendem um certo urbanismo misantropo. Gostam de gente, desde que longe. Não se engane: Clara é a vilã.
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