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Reflexões sobre desenvolvimento econômico e meio ambiente na Amazônia

Opinião | Bioeconomia não recebe a atenção que merece

Promoção da bioeconomia precisa fortalecer negócios existentes, para que ganhem produtividade, capacidade gerencial e fôlego para expansão

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Foto do author Salo Coslovsky
Atualização:

A bioeconomia está em evidência nos principais fóruns de discussão. É um tema atraente, relativamente incontroverso e versátil o suficiente para cativar públicos distintos, desde antropólogos de esquerda até investidores profissionais. No Brasil, sua vertente mais visível atende pelo nome de sociobio. Como o nome sugere, essa variante privilegia os aspectos social e ambiental da produção. Na prática, a sociobio enfatiza pequenos negócios de base comunitária, frequentemente estabelecidos em regiões próximas à floresta e portanto distante dos grandes centros comerciais.

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A ênfase na sociobioeconomia baseia-se na visão de uma economia inclusiva e solidária, onde o ser humano produz em harmonia com a natureza tropical. Estas iniciativas têm contribuições importantes: além de garantir a subsistência de seus integrantes, elas capacitam uma nova geração de empreendedores locais. Além disso, os negócios mais bem estruturados ocupam nichos de mercado específicos e lucrativos e ajudam a educar consumidores sobre o valor dos atributos socioambientais.

O problema da sociobio é que o capitalismo é cruel. Pequenos negócios em localidades isoladas enfrentam enormes obstáculos para prosperar. Os custos operacionais são altos em todas as frentes. Esses negócios carecem de economia de escala ou escopo, seus insumos e maquinário precisam ser trazidos de longe, e o frete para levar seus produtos até o mercado também é elevado. Ainda mais: os gestores do negócio enfrentam enorme dificuldade para recrutar, capacitar e reter bons profissionais. Distantes dos consumidores, não conseguem antecipar ou mesmo acompanhar as tendências do mercado.

Mudas de cacau em propriedade ao sul de Ilhéus, na Bahia Foto: Ana Paula Boni/Estadão

Nesse cenário, muitos desses empreendimentos acabam vendendo parte importante de sua produção nos mercados locais, inevitavelmente pequenos. Outros buscam clientes dispostos a pagar sobrepreço, mas esse nicho é restrito e as quantidades limitadas.

Na busca por alternativas mais rentáveis, algumas pessoas defendem a prospecção por compostos orgânicos que podem gerar royalties aos detentores do conhecimento tradicional. Talvez, um dia, alguém ganhe dinheiro com isso, mas as chances são limitadas. Outra alternativa envolve o mercado voluntário de créditos de carbono. Há bons motivos para acreditarmos que esse mercado vai crescer e esperamos que recupere sua estabilidade. Ainda assim, seus principais beneficiários serão os intermediários que facilitarão um número elevado de transações, e possivelmente os governos que administram extensas áreas preservadas. Os ganhos para pequenos proprietários e comunidades, embora importantes, dificilmente serão suficientes para transformar a economia regional.

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O clima de euforia em torno dessas alternativas, porém, ofusca aquilo que o governador do Pará, Helder Barbalho, denominou “bioeconomia pé-no-chão”: a produção de bens tangíveis comercializados em mercados consolidados. Essa modalidade abrange alimentos como cacau, café conilon, açaí, pimenta-do-reino e frutas tropicais. Inclui produtos extrativos como a castanha, e pode incluir insumos para indústrias mais pesadas, como o dendê, a macaúba e outros produtos utilizados na fabricação de biocombustíveis, amido e fibras naturais. Dependendo das circunstâncias, pode incluir a madeira de áreas bem manejadas e até mesmo produtos agropecuários mais convencionais.

A Amazônia já conta com diversos empreendedores atuando nesses segmentos mas seu número é insuficiente, e a maioria está estagnada, sem conseguir expandir sua atuação. Ao mesmo tempo, investidores no Brasil e no exterior estão buscando oportunidades para multiplicar seu capital, mas uma parte ínfima desse dinheiro aporta na Amazônia. E o Brasil possui também um sem número de empreendedores experientes, talentosos e arrojados que, em sua maioria, têm optado por buscar oportunidades em outros setores ou regiões.

A bioeconomia pé-no-chão não está conseguindo atrair esses fatores de produção. Em muitos casos, ela nem consta das discussões sobre desenvolvimento econômico regional. Enquanto debatemos intensamente a exploração de petróleo na foz do Amazonas, deixamos de enxergar uma riqueza inexplorada bem diante de nós, representada pelas extensas áreas que foram desmatadas e posteriormente abandonadas ou severamente subutilizadas.

Um plano de promoção da bioeconomia deve ter três vertentes principais: primeiro, precisamos fortalecer os negócios existentes, para que ganhem maior produtividade, capacidade gerencial e fôlego para expandir sua atuação.

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Segundo, precisamos aceitar que o governo, muitas vezes sem intenção, cria obstáculos que sufocam esses negócios. Nem sempre esses obstáculos são grandes. Para quem é de fora, muitos podem parecer pequenos, quase como uma pedrinha. Mas, quando essa pedrinha está dentro do nosso sapato, ela ganha outra proporção. Precisamos de bons instrumentos para encontrar essas pedrinhas e removê-las de forma sistemática e com determinação.

Por fim, nossos diplomatas precisam atuar com criatividade e vigor para abrir mais espaço para nossos produtos da bioeconomia nos mercados internacionais. Há uma demanda crescente por produtos livres de desmatamento. O Brasil está excepcionalmente bem colocado para ser seu principal fornecedor.

Juntas, essas atividades podem posicionar o Brasil como líder da bioeconomia global.

Opinião por Salo Coslovsky

Professor da Universidade de Nova York e pesquisador do Amazônia 2030

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