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Ele voava escondido da mãe, virou piloto de avião e alcançou o cargo de diretor da Azul Conecta

O diretor da Azul Conecta José Ramos é o entrevistado desta edição da série ‘DNA da Liderança’, com histórias de executivos e dicas de carreiras

Foto do author Jayanne Rodrigues
Por Jayanne Rodrigues
Atualização:
Foto: FELIPE RAU
Entrevista comJosé RamosDiretor da Azul Conecta

Desde a infância, o executivo José Ramos, 38, estava decidido a se tornar piloto de avião. Só não sabia muito bem como iria traçar a rota profissional. Determinado, aos 14 anos, ele começou oferecendo ajuda a mecânicos de aeronaves no aeroporto de Pirapora, no interior de Minas Gerais. Não demorou para ficar conhecido entre profissionais da aviação que pousavam naquela cidade. Ajudava no trabalho e passeava com os pilotos de carona em voos curtos. Tudo isso sem a mãe saber. O resto é história. Conseguiu ingressar no curso dos sonhos com financiamento estudantil, passou por maus bocados, mas também encontrou pessoas certas ao longo da jornada.

Agora, entre a responsabilidade do cargo de diretor da Azul Conecta, empresa da Azul focada na aviação regional, a atuação como presidente do conselho da Safe (escola de formação de pilotos com mais de 300 alunos formados, da qual é sócio-fundador), ele ainda arruma tempo para pilotar voos comerciais às sextas-feiras.

“Voo para cada canto desse Brasil como piloto para ver o dia a dia. Porque acho que, só entendendo o que o funcionário passa, a gente consegue ver a dor dele para poder ajudar”, conta.

O Estadão acompanhou por algumas horas a rotina do executivo na sede da Azul Conecta, em Jundiaí (SP). Para uma pessoa que voava tão alto a ponto de ver a curvatura da terra, também é preciso manter os dois pés no chão na hora de liderar. Do auxiliar de pista ao comandante: Ramos se interessa em saber o nome de cada funcionário para tentar criar uma relação mais próxima na empresa.

O executivo tem aversão ao WhatsApp, mas usa por necessidade. Na rotina, jogar beach tennis é uma das prioridades. Para desacelerar, desconecta-se de tudo pelo menos cinco dias a cada ano em um spa com mentor espiritual.

Confira trechos da entrevista:

Como foi o início da sua carreira?

Sou de Pirapora, cidade no norte de Minas Gerais, de 50 mil habitantes, e foi ali que conheci a aviação. Morava próximo do aeroporto e via as aeronaves pousando e decolando. Isso me fascinou desde criança.

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Pensava: ‘ali dentro tem uma pessoa voando igual a um pássaro’. Eu vivia no aeroporto, lavava avião, trocava óleo para ajudar os mecânicos. Isso aos 14 anos. Minha mãe nem sabia.

Eu ia até o aeroporto no nascer do sol, acordava às 5h da manhã, quando os pilotos chegavam e pediam orientação - não tinha GPS na época -, e a gente conhecia a região. Lembro como se fosse hoje, um dia ajudei um piloto e ele deu umas voltas de avião comigo. Foi meu primeiro voo e depois virou recorrente. Fiquei querido no aeroporto, e o pessoal me levava quando precisava fazer manutenção e realizar um voo de experiência.

E quando chegou à vida adulta?

Vim de uma origem muito humilde, foram vários desvios, mas sabia onde queria chegar.

Mas como é muito caro se formar piloto, quase R$ 150 mil, não tinha grana. Falei: ‘poxa, o que vou fazer? Cursar ciências aeronáuticas.’ Escolhi uma universidade - Universidade de Uberaba (Uniube) -, que tinha bolsa para os três primeiros colocados. Passei em terceiro lugar. Em teoria, era para ter a bolsa, só que tinha o asterisco que falava ser uma bolsa para cada 10 matriculados, e foram 27 matriculados. Perdi a bolsa. Como era baixa renda, consegui o Fies (programa de financiamento estudantil do governo federal) para fazer a parte teórica.

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Já a parte prática, basicamente todas as horas de voo que precisa pagar no curso, consegui gratuitamente com o reitor da faculdade (Marcelo Palmério). Ele tinha um avião pequeno e fez um concurso em que o melhor aluno da turma iria voar com ele.

Também trabalhava carregando retroprojetor. Era muito pesado, levava nas costas de uma sala para outra quando os professores pediam. Precisava trabalhar para me manter. Por exemplo, não saia de férias porque não tinha grana e precisava voar. Para você ter ideia, fiz amizade com os controladores da torre e passei um Natal com eles controlando os aviões, em 2005.

Quando me formei, eram necessárias 500 horas de voo para ser contratado. Fui voar em Teixeira de Freitas (BA) em uma campanha política para eleição de governador em 2006. Consegui bater as 500 horas. E aí a Líder me chamou para ser piloto. Foi meu primeiro emprego formal, no qual passei três anos.

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Voava com bandas: Skank, Jota Quest, Roupa Nova, e também com Jô Soares.

Na Líder, comecei a trabalhar com treinamento e segurança de voo. Nunca fui só piloto, sempre gostava de fazer algo a mais. Depois fui para a MRV Construtora, depois fiz UTI aérea, voava tão alto que dava para ver a curvatura da terra (51 mil pés, cerca de 15,5 quilômetros).

José Ramos, diretor da Azul Conecta, empresa de aviação regional da Azul.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Quando entrou na Azul?

Entrei para implantar o ATR (aeronave turboélice comercial bimotor de médio porte com capacidade para 70 passageiros), fui da primeira turma. Desde então, são 13 anos e meio na Azul. Depois trabalhei na área de qualidade, também fiz cursos de auditoria, treinamento (instruções de simulador). Sempre gostei de unir voo e as áreas administrativas. Fui crescendo, e em 2019 estava como gerente de todas as frotas da Azul.

Já estava me sentindo super-realizado. Em 2018, nasceu a minha empresa, a Safe, escola de aviação. Foi uma promessa que fiz lá atrás. Porque a maior dificuldade é a formação básica. Falei: ‘cara, quero que a aviação seja mais acessível’. Temos um programa de bolsa. Eu consegui, então quero que outras pessoas consigam também. Hoje são mais de 300 alunos formados.

Um deles é o Lito (Sousa, influenciador digital da área de aviação, com o canal do YouTube Aviões e Músicas)?

Foi meu aluno, aprendeu a voar lá na escola (Safe).

O que a aviação te ensinou sobre liderar?

O voo por si só é um desafio. Tirar um avião do chão e liderar pessoas são desafios. No dia a dia, sempre se conectar, entender os diversos estilos de pessoas, saber que uma equipe diversa funciona melhor, mas precisa ter um bom líder para conseguir resolver os atritos.

Se todo mundo pensa igual, vai sair a mesma coisa. Quando você põe pessoas de diversos perfis, sai um resultado incrível, mas o líder tem que estar ali forte para conseguir acalmar os conflitos e pacificar.

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A aviação é a mesma coisa, você tem um comissário que é do Nordeste, um é do Amazonas, o outro é de Porto Alegre, culturas completamente diferentes. E você tem que liderar aquela equipe para servir o cliente da melhor maneira possível. A aviação ajuda muito a trabalhar em equipe.

Assumindo tantas funções, é difícil dizer não para um desafio?

Eu já disse alguns porque, quando você chega próximo de um burnout, tem que segurar um pouco. Quando meu filho nasceu em 2020, no meio da pandemia, percebi que precisava reduzir um pouco. Sempre fui muito acelerado.

Então, você passou por um um episódio de esgotamento mental?

Não chegou lá, mas estudando vi que, se não tivesse reconhecido, poderia chegar lá. É muito trabalho, passar por uma pandemia, como responsável por ter tudo nos seus ombros, todos aqueles empregados, foi um aprendizado incrível, mas fazendo um pouso forçado.

Como você faz para desafiar as pessoas que estão ao seu redor?

Muito pelo exemplo. É o lema: voa, navega e comunica. Onde eu quero chegar? Ou seja, para onde a gente vai? Quando todo mundo sabe qual é o compromisso da empresa, é muito mais fácil.

Ali você consegue dar metas, e todo mundo está unido em cima daqueles objetivos. Em todas as empresas em que trabalhei em cargo de gestão, foi focado assim: ‘olha, a gente quer chegar ali’. Você dá um propósito para todo mundo.

Encontrar um sentido no que fazem?

É o que faço. Quando vemos uma caixa de Azul Cargo chegando em uma aldeia indígena, sabemos que só chegou porque a gente opera lá. Não é porque uma pessoa está trabalhando na manutenção do avião ali embaixo que ela não sente o propósito da Conecta como um todo.

Toda segunda-feira temos uma reunião com as lideranças para falar quais são os objetivos da semana e como nós estamos com nossos objetivos globais, buscando que todos estejam na mesma página. Agora, com o clube do livro, estamos lendo um livro que é “Humano + máquina: reinventando o trabalho na era da IA”.

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As lideranças da Azul Conecta têm um clube do livro?

Sim, semanal, com metas e entregas. A gente discute e traz opiniões.

Qual é o próximo livro do clube?

Ainda não temos, porque esse livro está gerando muitos temas. Estamos lendo há dois meses.

Você tem um perfil técnico, mas também um jeito mais estratégico, que é o perfil de liderança. O que faz para manter esses dois estilos andando lado a lado?

É o dia a dia. Voo para cada canto desse Brasil como piloto para ver o dia a dia. Porque acho que só entendendo o que o funcionário passa é que a gente consegue ver a dor dele para poder ajudar.

Sou muito daquele líder que vai na ponta, sei sobre manutenção porque estou com eles, passo em todas as áreas. Gosto muito de fazer isso para tomar as melhores decisões e entender a dor deles.

Sempre conciliei essa liderança servidora, se pudesse dar o nome seria servidora. O que posso fazer para ajudá-los a fazer melhor o trabalho deles?

Recentemente (há seis meses), assumiu o cargo de diretor da Azul Conecta. Qual é o principal desafio na gestão de pessoas?

É o crescimento e conseguir servir o próximo mais próximo. Você vai ficando grande demais, não consegue estar tão próximo, começa a se afastar um pouco do dia a dia.

O maior desafio é o crescimento, por isso estamos muito focados em tecnologia para que não aumente tanto o número de pessoas, para que eu possa conhecer cada um pelo nome, conheço todos pelo nome.

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Por que gosto de chamar pelo nome? Para criar proximidade, para que num cafezinho a gente possa ter uma ideia sensacional que pode resolver algum problema. Então, não queremos perder isso.

Simulador de voos na sede da Azul Conecta, em Jundiaí.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Vi esse livro aqui na sua mesa (Winston Churchill, de Martin Gilbert). Você gosta de ler esse gênero de livro?

Um pouco, mas esse não é meu, nem sei de quem é. Não li esse livro. Mas gosto muito de ter referências de lideranças, bíblicas, por exemplo. Também adoro escutar podcast com histórias de empreendedores.

Quais podcasts escuta?

Do Zero ao Topo (do InfoMoney) é do que mais gosto. Inclusive, tem o fundador da Azul, o David Neeleman. Então, você vê o que cada um passou. Todo mundo só vê flores, mas lá não. Eles falam qual foi a dificuldade que aconteceu, qual foi o pior momento…

De onde surgiu essa facilidade em se comunicar?

Acho que por ser do interior. Não tem muita formalidade, todo mundo conhece a família de todo mundo. Essa simplicidade do interior me deu facilidade para me conectar com as pessoas. Posso estar com o John (CEO da Azul), o presidente da República, ou com você, dou a mesma atenção.

Hoje, como faz para equilibrar a vida pessoal e profissional?

É doutrina. Fui jogar beach tennis com os amigos antes de vir para cá, ou academia no outro dia para manter a saúde. Uma das coisas boas de ser executivo é que estou muito em casa. Como, piloto ficava muito fora, então traz a família mais próximo. Sempre falo em hora de qualidade.

O que é hora de qualidade para você?

Aos finais de semana, falo com o time inteiro: ‘só me ligue em emergência’. Porque no final de semana estou com a minha família, é a hora que tenho com eles. Uma coisa que até recebi feedback (de uma funcionária). Durante uma conversa, ela mandou uma mensagem no WhatsApp, meu WhatsApp nem notifica. Ela disse: ‘Ramos, você tem que ficar de olho’. Acho que vou ter que olhar mais vezes o WhatsApp porque hoje tudo é no aplicativo.

Mas é uma coisa que sempre deu certo pra mim, sou focado nas pessoas. Então, pode olhar: meu celular ficou o tempo inteiro aqui (durante a entrevista) e não tem nenhuma notificação, porque não deixo. Só olho nos intervalos.

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Uma pessoa que te inspira.

Seu Dieter (Dieter Brepohlé) é um mentor muito antigo que tenho. Ele é CEO da Lapinha, um espaço no Paraná focado em saúde e bem estar, vou todos os anos. Passo normalmente uma semana. Não tem televisão, gosto de ler um bom livro, dar uma desconectada.

Todo ano tenho uma mentoria com ele, desde tudo que fiz, troco ideia com ele de espiritualidade, saúde, bem-estar, empreendedorismo, de tudo.

Você se desconecta de tudo?

Nunca fui o dono dos processos, sempre fui um líder que dá liberdade para o time trabalhar, sei que o time trabalha sem mim 100%. Lá (Lapinha) tem um 0800 que aviso que podem acionar se acontecer algo. Me desconecto pelo menos cinco dias sem ver o celular. Faço isso todos os anos, é focar na saúde, bem-estar e equilíbrio.

Você ainda voa mensalmente?

Tento voar um dia na semana, que é a sexta-feira, brinco que é a happy friday. Na Azul, voava no A320 (100-200 passageiros) enquanto comandante. Aqui (Azul Conecta) voo menos porque o cargo exige mais.

Em uma sexta qualquer, um cliente da Azul Conecta pode voar com você?

Tento uma vez na semana, nem sempre consigo, mas a minha agenda está bloqueada de sexta-feira para reunião. Eventualmente surge algo de última hora. É voo comercial, faz uma ponte aérea Congonhas/Rio.

Qual o conselho para pessoas que, assim como você, têm o espírito de empreendedor e também gostam de liderar?

Foco nas pessoas. Não vejo nenhuma outra maneira a não ser focar nas pessoas. E não dá para fazer as coisas sozinho. Os líderes que gostam de gente são focados em pessoas. A aviação ajuda muito nisso. Um comandante lidera uma equipe de oito pessoas em um voo internacional. Se tiver algum problema, tem que resolver em equipe.

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