O ‘quem indica’ já não tem tanto espaço para vagas de CEOs, afirma dupla de headhunters

Bernardo Cavour e Igor Schultz, sócios de consultoria que atua na seleção de executivos C-Level, compartilham as principais tendências do mercado de recrutamento do alto escalão

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Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:
Foto: Alex Silva/Estadão
Entrevista comBernardo Cavour e Igor SchultzSócios da Flow Executive Finders

Ter um nome de peso já não é suficiente para conquistar uma vaga de CEO. A seleção para o alto escalão vai além do networking e exige uma análise estratégica alinhada ao momento da empresa e suas metas. Para o candidato, é fundamental combinar experiências e ter um equilíbrio entre competências técnicas e emocionais. Quem afirma é a dupla de headhunters Bernardo Cavour e Igor Schultz, sócios da Flow Executive Finders, consultoria que atua na seleção de executivos C-Level. Há quase duas décadas, eles conectam talentos a posições em corporações como Banco BS2, Localiza e Americanas.

“Ao preencher uma posição de CEO, o foco não está mais em conhecer nomes tradicionais ou executivos historicamente associados a essas posições. O objetivo agora é identificar líderes que tenham promovido transformações de sucesso em suas organizações”, diz Igor Schultz.

A dupla avalia que a expansão do mercado e a abertura de setores, além do avanço da tecnologia, criaram oportunidades para a atuação de novos executivos.

Na hora de selecionar o perfil ideal de executivo ou executiva para atender às necessidades da empresa, eles avaliam estrategicamente fatores como nível de motivação, inteligência emocional e outros atributos. A formação acadêmica, a exemplo do MBA, tem peso reduzido no processo de contratação, varia entre 5% e, no máximo, 20% em alguns casos.

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Confira trechos da entrevista:

Como você avalia o perfil do executivo e o que a empresa busca?

Bernardo Cavour : Nossas avaliações são direcionadas a um objetivo específico. Ao avaliar um candidato, analisamos o perfil do executivo com a necessidade da organização no momento. Essa análise parte do entendimento do que a empresa precisa, quais desafios enfrenta, o ambiente em que está inserida e como essas questões se conectam ao perfil ideal para ela.

Essa visão abrange requisitos como experiência, formação, histórico, características pessoais e motivações. Geralmente somos chamados (pelas organizações) a atuar em momentos críticos da empresa. Por isso, não avaliamos o potencial geral de um candidato, mas sim sua capacidade de performar em determinada situação, com aquele objetivo, recursos disponíveis e prazos estipulados.

Pode dar um exemplo?

B: Um candidato para a posição de CFO (Chief Financial Officer) em uma empresa que está se preparando para um processo de IPO. Digamos que essa empresa é controlada por um fundador, tem um fundo de private equity como sócio, e atua no segmento de varejo.

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Nesse contexto, a posição de CFO terá características muito específicas. Estamos falando de uma empresa de varejo, com alto volume de transações, margens baixas e em meio a transformações. Além disso, a empresa pode não ter uma área financeira bem estruturada nem sistemas de gestão devidamente implantados. Embora a posição de CFO seja comum em grandes empresas, o que importa aqui é o mandato, o objetivo e o contexto específico.

Aproveitando esse gancho, em uma entrevista, o outro sócio da Flow, Luiz Gustavo Mariano, comentou que o mercado de CEOs antes era como um “clube seleto”, mas hoje mudou, e a história e o nome do executivo já não têm o mesmo peso de antes. Como vocês avaliam essa mudança no cenário de recrutamento de CEOs?

Igor Schultz: Depende do contexto. Se olharmos para 20 anos atrás, o cenário era diferente. Naquela época, multinacionais dominavam os setores químico, consumo, óleo e gás. Os CEOs circulavam entre essas grandes corporações, passando de uma empresa para outra dentro de um grupo relativamente pequeno e conhecido de executivos. Isso era especialmente comum em indústrias como a farmacêutica.

Com as transformações do mercado nos últimos 15 anos, o cenário mudou significativamente. Houve a entrada de fundos de private equity, que adquiriram empresas multinacionais e transformaram negócios menores em grandes players.

Além disso, setores como o agronegócio cresceram exponencialmente, com empresas nacionais que, muitas vezes, superam o tamanho de antigas multinacionais. Essas mudanças ampliaram o leque de oportunidades para outros executivos alcançarem posições de CEO. A transformação digital também teve um papel importante.

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Igor Schultz, sócio da Flow Executive Finders. Foto: Alex Silva/Estadão

Hoje, ao preencher uma posição de CEO em um segmento específico, o foco não está mais em conhecer nomes tradicionais ou executivos historicamente associados a essas posições. O objetivo agora é identificar líderes que tenham promovido transformações de sucesso em suas organizações.

Igor Schultz, sócio da Flow Executive Finders

Essa mudança também se reflete no trabalho do headhunter. Antigamente, o valor das empresas de recrutamento estava ligado à sua base de dados exclusiva, já que não existiam plataformas como o LinkedIn. Com o acesso democratizado a informações, o diferencial está na capacidade de avaliar executivos de forma precisa e entender o contexto em que vão atuar.

Nosso trabalho atual envolve compreender profundamente a governança, a estratégia, a cultura organizacional e as condições de execução do executivo dentro do ambiente em que ele será inserido. Também analisamos a agenda dos próximos dois anos da empresa. Por exemplo, se a empresa planeja uma abertura de capital, um programa de eficiência operacional, uma reestruturação de dívida ou a entrada em novos mercados, buscamos o executivo mais adequado para cumprir essa missão.

O perigo de uma contratação mora nos detalhes que não são fáceis de perceber a priori.

Bernardo Cavour, sócio da Flow Executive Finders

Como identificam o potencial de liderança nos executivos e executivas que selecionam durante o processo de contratação?

I: Realizamos uma avaliação baseada nos projetos que o profissional conduziu ao longo da carreira, que geralmente são executados em conjunto com sua equipe. Nessa análise, buscamos entender atuação, bem como os atributos que utiliza no desempenho das atividades.

É aqui que entra os cinco elementos essenciais para avaliar um gestor ou líder. São eles: inteligência cognitiva, inteligência emocional e inteligência operacional.

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  • Energia: não a energia percebida em uma entrevista, como falar rápido ou parecer animado, mas a capacidade de atuar com alta intensidade em projetos que demandam grande volume de atividades e complexidade.
  • Maturidade: a capacidade de lidar com situações desafiadoras de forma equilibrada e eficaz.

Analisamos outros aspectos, como a maneira que o profissional influencia, engaja e lidera sua equipe.

Bernardo Cavour, sócio da Flow Executive Finders. Foto: Alex Silva/Estadão

B: Outra coisa. Essa liderança é a de um time de jovens de alto potencial em um ambiente, por exemplo, de uma startup? Esse é um desafio de lideranças de equipe.

Talvez um extremo oposto seja a liderança em uma empresa super tradicional que ficou estagnada no tempo, com pessoas com muitos anos de casa, e que, por algum motivo, está tentando realizar uma grande transformação de inovação.

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O desafio de liderança, nesse caso, é lidar com pessoas com perfil distante do que, idealmente, a empresa precisa naquele momento. Essas pessoas podem estar receosas em relação ao processo de mudança, reativas e resistentes. Portanto, o desafio é liderar esse processo de transformação.

Esses são dois desafios absolutamente diferentes, e saber lidar com um não credencia automaticamente para lidar com o outro.

Como vocês identificam esses atributos?

B: Nas contratações que realizamos, somos exigidos a apresentar candidatos que já possuem a experiência necessária, não são situações onde podemos fazer apostas em pessoas que vão aprender a fazer algo pela primeira vez. Esse é o nosso posicionamento. Existem empresas que adotam a prática de contratar alguém que acabou de voltar de um MBA e colocá-lo, por exemplo, como presidente de uma área. Essa não é a nossa abordagem.

A nossa abordagem é identificar qual é a situação e a complexidade do que é exigido e buscar pessoas que tenham vivências muito próximas disso.

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Bernardo, sobre o que acabou de comentar, qual é o peso de experiências internacionais, cursos de educação continuada na hora de selecionar um executivo?

B: Nosso modelo utiliza critérios em um sistema de pontuação.

Os projetos, em geral, têm entre 18 e 20 quesitos principais, divididos em algumas categorias, como: formação acadêmica, histórico, idiomas, o perfil das empresas em que trabalhou e a correlação com o que necessitamos, atributos e comportamentos esperados e motivação.

Sobre motivação, pense o seguinte: você pode ter um candidato perfeito para aquela posição, mas é importante entender como esse candidato vê a posição e o quanto ele está motivado a ocupá-la. O interesse dele pelo projeto, pelo ambiente, pelo perfil das pessoas com quem irá trabalhar e pela perspectiva que aquilo pode oferecer, incluindo o impacto em sua vida pessoal. Isso é super importante.

Entre os requisitos principais, a formação acadêmica é um deles. O peso da formação acadêmica pode variar de 5%, em alguns casos, até 20%.

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Em geral, nas vagas executivas, a formação acadêmica tende a ser menos determinante, especialmente se a pessoa já tem entre 20 e 25 anos de experiência. Ela teve um papel mais importante na fase inicial da carreira do que na fase executiva, quando o profissional está mais maduro.

Bernardo Cavour

Dificilmente, o presidente de uma grande empresa será contratado basicamente por ter uma boa formação acadêmica. Isso acaba perdendo relevância após 30 anos de carreira.

Porém, se uma empresa está buscando um jovem para liderar uma área de planejamento estratégico, com 8 a 10 anos de experiência, a formação acadêmica ainda terá um peso considerável, principalmente em ambientes internacionais. Para algumas vagas, em outras áreas, a formação acadêmica será mais relevante, como em contabilidade e no mercado financeiro, onde são necessárias certificações específicas que são obrigatórias.

Como o nível de motivação da pessoa candidata é monitorado?

B: Por meio das interações em sala de entrevista, onde conseguimos identificar no executivo todos os quesitos esperados em seu histórico e comportamento. Nesse ponto, abrimos uma segunda parte da conversa, para entender o que é realmente importante para ele.

A segunda parte da conversa tem o objetivo de entender o ponto de vista do candidato em relação à sua motivação e à perspectiva do novo projeto. Ele vê a oportunidade de forma interessante ou não, comparado ao que tem atualmente? O novo ambiente será mais competitivo ou menos competitivo? A governança será diferente? Haverá mais ou menos autonomia?

Igor Schultz

B: Por isso, entender o que motiva a pessoa é fundamental, pois ela precisa comprar o projeto sabendo não apenas as oportunidades envolvidas, mas também os riscos e desafios associados, e abraçar o projeto como um todo. Um processo de contratação raramente demora menos do que seis semanas. Idealmente, deve acontecer entre seis e, no máximo, 12 semanas.

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Qual é o erro mais comum cometido por executivos durante essas etapas de recrutamento?

B: O erro do candidato é não levar o projeto tão a sério a ponto de não se preparar. Se ele se interessou pelo projeto, deveria começar as entrevistas estudando a empresa, o perfil das pessoas com quem vai falar e buscar informações, seja na internet, no site da empresa, nas relações com investidores, notícias ou procurando pessoas da rede de conexões para entender melhor o contexto. É um ponto importante na avaliação, se conecta com o quesito de motivação.

Muitas vezes as pessoas não percebem que isso faz diferença. É preciso lembrar que o processo de avaliação está em andamento. Às vezes, o candidato começa a entrevista sem muito preparo, mas no final está super animado. O cliente pode pensar: ‘Até foi bom, mas não se preparou para a entrevista’.

I: Uma coisa que vejo no nível executivo é que, muitas vezes, as pessoas não se aprofundam e têm muitas ideias pré-concebidas. Vejo candidatos que chegam na empresa e falam: ‘Ah, já ouvi falar da cultura de vocês. É assim...’ e não fazem isso como uma pergunta.

Criam conceitos pré-concebidos sem se aprofundar na empresa e fazem perguntas baseadas nesses conceitos, que muitas vezes não refletem a realidade dentro da organização. Isso pode gerar uma má impressão durante a entrevista.

Quais são as principais tendências do mercado que têm influenciado o perfil dos executivos e executivas que as empresas buscam?

I: A tecnologia tem impactado diversas áreas, especialmente no setor de serviços. Hoje, a forma de se comunicar com os clientes, principalmente em serviços baseados em tecnologia, é por meio de plataformas digitais, com atendimento sustentado por chatbots e inteligência artificial.

O tipo de interação com o cliente passou a ser digital, especialmente as que atuam diretamente com o consumidor final. Isso afeta todas as áreas, desde o comercial até marketing e atendimento.

Cavour, à esquerda, e Schultz, à direita, lideram a Flow Executive Finders há quase duas décadas. Foto: Alex Silva/Estadão

Outra grande tendência nos mercados que utilizam tecnologia é a gestão organizacional. Muitas empresas estão adotando squads e metodologias ágeis de gestão. Algumas procuram executivos que já tenham experiência com esses modelos. É um aspecto que vejo com bastante frequência em várias empresas atualmente.

B: Uma coisa muito comum em quase qualquer vaga recente é a expectativa de que o executivo tenha uma dualidade de agendas. Ou seja, uma agenda muito orientada para a operação, com os melhores resultados de curto prazo, em paralelo, algum tipo de agenda de inovação ou de estruturação, com o objetivo de criar um diferencial novo.

Lidar com a dualidade de agendas, uma voltada para o dia a dia e a outra para projetos estratégicos, é algo muito exigido e não é trivial para um executivo. Às vezes, é fácil encontrar alguém muito bom em execução, ou alguém focado em inovação, mas a pessoa que consegue fazer as duas coisas ao mesmo tempo não é tão simples.

Bernardo Cavour

Os ‘Mad Skills’, que são habilidades relacionadas aos hobbies, são considerados no processo de seleção? Isso tem ocorrido de fato ou ainda é um conceito que, no Brasil, vocês não observam com tanta frequência?

I: Já ouvi clientes dizerem: ‘Gosto de contratar pessoas que são esportistas, que têm atividades fora do trabalho’, mas isso não é um critério que utilizamos para determinar ou avaliar a performance do executivo, ou para fazer uma previsão de desempenho futuro.

O hobby, por si só, não é um determinante, não está ligado ao desempenho ou às capacidades que esse profissional demonstra no ambiente de trabalho.

Igor Schultz

Talvez seja algo que o cliente consiga aprofundar numa conversa, mas, para nós, pode até atrapalhar às vezes, pois há muito vieses. Às vezes, o cliente diz: ‘Nossa, gostei daquele candidato porque eu também pratico vela aos fins de semana, então a gente ficou falando sobre vela e barco’. Mas, no final, isso não tem nenhuma conexão direta com a performance.

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