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Eles saíram de SP para trabalhar em Recife com tecnologia, menos trânsito e mais tempo de lazer

Depois da pandemia, trabalhadores repensaram estilo de vida, invertendo fluxo migratório, indo de grandes cidades para localidades menores, mesmo com redução de salário

Foto do author Bruna Klingspiegel
Foto do author Jayanne Rodrigues

Na pandemia, o desenvolvedor web Rodrigo Siqueira, 39, trocou a correria de São Paulo pela vida desacelerada no litoral, em Praia Grande. De volta à capital, se sentiu mais estressado. Foi somente após surgir uma vaga de emprego em outro estado que decidiu se mudar de vez. Ele está entre os trabalhadores da área de tecnologia que agora decidem onde querem trabalhar. Para essas pessoas, São Paulo não é mais uma opção. Um dos destinos é o parque tecnológico localizado em Recife.

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O motivo que levou Rodrigo a buscar oportunidades fora dos centros urbanos mais tradicionais é visto como uma consequência da pandemia, avalia Maria José Tonelli, professora titular da FGV-Eaesp e coordenadora do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas.

Segundo a especialista, o período trouxe uma mudança sobre o que os funcionários esperam do trabalho. “As pessoas viram que dá para fazer as coisas de uma maneira diferente e unir a flexibilidade que o setor da tecnologia oferece com a qualidade de vida”, explica.

Segundo o desenvolvedor web Rodrigo Siqueira, o poder de compra em Recife é superior ao que tinha em São Paulo. Foto: Carlos Ezequiel Vannoni/Estadão

Cultura, lazer e qualidade de vida fora de SP

Foi justamente essa busca que impulsionou a decisão de Rodrigo de deixar o bairro de Interlagos, na zona sul de São Paulo, e se estabelecer em Recife. Cansado do aluguel alto e do estresse do dia a dia, encontrou na capital pernambucana exatamente o que ele precisava.

Se por um lado, em São Paulo ele ia ao trabalho de transporte público ou carro e gastava cerca de duas horas, em Recife o trajeto é mais curto, cerca de oito minutos, e feito de bicicleta. O custo de vida também é mais baixo, e o profissional atualmente pode viver próximo ao centro da cidade.

“Sempre digo aos meus amigos que não sei o que eles veem em São Paulo, já que aqui tem tudo: cultura, lazer e qualidade de vida”, conta.

Um dos hobbies do desenvolvedor é visitar cachoeiras com fácil acesso, a uma hora de distância, tempo menor se comparado ao deslocamento dele até o local de trabalho na capital paulista. Aproveitar as brechas após o trabalho também virou algo habitual na rotina. “Sou uma pessoa mais da vida noturna, e encontrei isso aqui.”

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Rodrigo atua há pouco mais de dois anos na Mesa Mobile Thinking, startup que integra o Porto Digital, distrito de inovação localizado no centro histórico da capital pernambucana.

O parque tecnológico, criado há 22 anos, reúne 6 incubadoras, uma faculdade própria e mais de 17 mil colaboradores distribuídos em 360 empresas.

Rodrigo Siqueira no escritório da startup Mesa Mobile Thinking, localizado na região central do Recife.  Foto: Carlos Ezequiel Vannoni/Estadão

Média salarial no Recife é menor

Segundo Pierre Lucena, presidente do ambiente de inovação, o Porto surgiu devido à crescente evasão de trabalhadores. “Nos anos 2000, a galera ia embora de Recife”, relembra. Duas décadas depois, o cenário é diferente. A maioria dos funcionários que integram o Porto Digital são de Recife e de estados vizinhos.

No entanto, profissionais de outras regiões também foram atraídos com maior aderência nos últimos anos. Os fatores envolvem percepção de custo de vida menor, vantagem comparativa em relação a outras startups e o diferencial de vivenciar um ecossistema de tecnologia dentro da cidade, ressalta Lucena.

Porto Digital é um arranjo produtivo, um movimento popular e cultural da capital (Recife).

Pierre Lucena, presidente do Porto Digital

Embora o parque tecnológico siga em expansão nacional e internacional, com abertura de hubs em Goiânia, Aracaju e Portugal, o diretor reconhece dois desafios: pagar salários mais altos e atrair mais talentos para competir globalmente.

Levantamento do próprio Porto Digital, com base em dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e do painel de informações da Rais, mostra que a média dos salários são menores.

O panorama, de 2023, apresenta uma comparação da média salarial de algumas profissões de TI nas cidades do Recife, Florianópolis, São Paulo, além do nível nacional.

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Em São Paulo, o cargo de gerente de projetos, por exemplo, alcança cerca de R$ 13,5 mil mensais, enquanto na capital pernambucana, o valor médio é de R$ 10,8 mil (20% menor). Confira o gráfico com a remuneração de outras profissões do setor de tecnologia:

Mas ter uma remuneração inferior à média salarial de São Paulo não é regra. Rodrigo estava com o salário defasado e teve um upgrade logo quando ingressou na startup em que atua. Ele recebe 20% a mais em relação ao período que trabalhava na empresa paulista.

Salário não é único fator de escolha

Segundo a professora Maria José Tonelli, o salário, apesar de muito importante na hora de buscar um emprego, não é o único aspecto de escolha.

Fatores como o ambiente de trabalho e as oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional também são decisivos.

Outra vantagem está na dinâmica que as cidades menores oferecem. “Não é sobre trabalhar mais ou menos”, ressalta Tonelli.

Como o modo de organizar da cidade é diferente, isso faz com que a organização do trabalho também siga esse movimento.

“Poucas pessoas moram perto do trabalho, então ir para casa almoçar no horário de almoço é impossível em São Paulo”, afirma.

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Mais cultura e menos estresse

Para a consultora de gestão educacional Catarina Ferreira, 34, a cultural local atrelada a um estilo de vida mais desacelerado estão entre os principais motivos para migrar de São Paulo para Recife.

Na capital paulista, a profissional passou por algumas multinacionais, como Johnson & Johnson. Hoje, atua em uma startup de educação que faz parte do núcleo do Porto Digital.

“Sou apaixonada por cultura popular. Então, a vivência e a experiência da cidade me chamaram muito a atenção”, relata. No seu cotidiano, Catarina não abre mão de estar próxima de movimentos populares na cidade, como maracatu, coco, cavalo-marinho e ciranda.

Catarina Ferreira, de 34 anos, escolheu Pernambuco como destino movida, principalmente por aspectos culturais. Foto: Arquivo pessoal

Antes, a consultora trabalhava no modelo presencial. Com a mudança de cidade, veio também uma alteração no formato, que atualmente é 100% remoto.

A nova modalidade de trabalho permite que ela atue de qualquer lugar. Mesmo assim ela permanece entre Recife e Olinda.

Segundo Catarina, essa flexibilidade a possibilita ter mais tempo para se dedicar à vida pessoal.

“Não perco mais tempo no deslocamento para o trabalho. Consigo me organizar melhor, e isso é uma prioridade enorme: ter tempo para me cuidar, fazer um esporte, aprender um instrumento. É tempo de qualidade para mim.”

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Ela não quis revelar se houve aumento ou redução de salário em relação ao que ganhava em São Paulo.

Propósito e desenvolvimento de carreira

Em Recife, as empresas notaram que precisavam de um esforço especial para reter os talentos da própria região e atrair outros profissionais de localidades mais distantes.

“Antes nós formávamos gente de nível mundial para exportar”, diz Giordano Cabral, presidente do César, instituto de inovação com base na capital pernambucana, e professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Com mais de mil colaboradores e escritórios espalhados por Brasil e Europa, Cabral reforça que hoje o instituto foca na progressão de carreira e na missão de impacto.

Segundo ele, isso proporciona uma experiência aos funcionários e os estimula a não migrarem para empresas de outras regiões do Brasil e do exterior.

“As pessoas podem ir para outros lugares, mas nós temos condições para reter. Criamos um sentimento de propósito aqui. Incentivamos uma progressão na remuneração, que vale mais do que a remuneração direta. Claro, se o valor for baixo, isso vai contar. Mas é muito importante ter a noção de que o funcionário vai crescendo, vai galgando postos.”

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