PUBLICIDADE

Publicidade

Suécia testa jornada de seis horas

Carga horária menor sem redução de salário é adotada por empresas que buscam produtividade, mas também é alvo de críticas

Por Liz Alderman

Arturo Perez chegava esgotado de seu trabalho como cuidador na casa de repouso Svartedalens. Oito horas atendendo residentes com senilidade ou Alzheimer lhe deixavam pouco tempo para passar com os três filhos. Mas a vida de Perez mudou quando a casa de repouso foi selecionada para uma experiência sueca sobre o futuro do trabalho, que tem o objetivo de melhorar o bem-estar dos empregados. Desde o ano passado, os funcionários fazem jornadas de seis horas, sem redução de pagamento.

Em apenas uma semana, Perez estava cheio de energia – e os residentes dizendo que o padrão de atendimento havia melhorado. “O melhor é que estamos felizes”, diz Perez, um pai solteiro. “E um trabalhador feliz produz mais.”

Desde que passou a trabalhar 6 horas por dia, a enfermeira Gabrielle Tikman ganhou mais tempo com o filho Foto: MAGNUS LAUPA | NYT

PUBLICIDADE

Há muito a Suécia vem sendo laboratório de iniciativas para um melhor equilíbrio entre vida e trabalho, dentro do ideal coletivo de que tratar bem os trabalhadores é bom também para os lucros. Muitos escritórios suecos adotam um sistema flexível de horas de trabalho. Também as folgas para pais e políticas de atendimento a filhos do país estão entre as mais generosas do mundo.

A experiência de Svartedalens vai mais longe ao reduzir a carga semanal para 30 horas. Uma avaliação divulgada em abril concluiu que o programa, em seu primeiro ano, reduziu fortemente as faltas ao trabalho e melhorou a produtividade e saúde dos trabalhadores. “Há 40 anos temos uma carga de 40 horas e o que vemos é uma sociedade que falta mais ao emprego por doença e se aposenta mais cedo”, diz Daniel Bernmar, líder do Partido Esquerda na Câmara de vereadores de Gotemburgo.

O partido é o responsável pelo projeto de redução e espera torná-lo um padrão nacional. “Queremos uma nova discussão na Suécia sobre como deve ser o trabalho com vistas a manter um bom estado de bem-estar pelos próximos 40 anos”, afirma Bernmar.

Mas um recuo está se armando em alguns pontos dessa cidade fervilhante, com opositores denunciando a ideia como loucura utópica. Se Gotemburgo (sem falar na Suécia) adotar uma jornada de seis horas, dizem eles, a economia sofrerá com perda de competitividade e sobrecarga financeira. “É o tipo de pensamento econômico que deixou outros países da Europa em dificuldades”, diz Maria Ryden, vice-prefeita de Gotemburgo e membro do oposicionista Partido Moderados.

Ela lidera uma campanha para enterrar o projeto, citando aumento de impostos e o argumento de que o governo não deveria se meter em locais de trabalho. “Não podemos pagar as pessoas para não trabalhar”, acrescenta ela.

Publicidade

França. Um modelo semelhante há muito provoca controvérsias na França, desde que um governo socialista oficializou a carga horária semanal de 35 horas em 2000. Empresas se queixam de redução da competitividade e de custos extras de bilhões em mão de obra adicional e encargos sociais. Já os sindicatos defendem a lei como proteção dos trabalhadores contra patrões que, de outro modo, poderiam voltar a uma carga de horas de trabalho excessivamente longa. A prática vem apresentando tantos furos que muitos trabalhadores fazem hoje em torno de 40 horas semanais, seguindo a média da União Europeia. Mas o presidente François Hollande enfrenta ameaças de greves gerais ao tentar abrandar partes da lei.

Tais preocupações não impediram que um número cada vez maior de pequenas empresas da Suécia testasse o conceito. Muitas consideraram que uma jornada de trabalho mais curta poderia reduzir a rotatividade, aprimorar a criatividade do funcionário e elevar a produtividade o suficiente para compensar o custo da contratação de mão de obra adicional.

O Hospital da Universidade Sahlgrenska de Gotemburgo, um dos maiores da Europa, decidiu adotar a nova carga horária para combater o estresse dos funcionários e o elevado absenteísmo. No ano passado, a unidade de ortopedia passou 89 enfermeiros e médicos para um expediente de seis horas diárias. Contratou 15 novos funcionários para compensar o tempo perdido e ampliou o número de horas nas salas de operação.

Ao custo de 1 milhão de coroas (cerca de US$ 123 mil) por mês, a experiência ficou cara, diz Anders Hyltander, o diretor executivo. Mas desde então, praticamente ninguém ficou doente, e enfermeiras e médicos têm se mostrado mais eficientes. “Eu tinha chegado a um ponto em que só conseguia trabalhar com 80% da minha capacidade”, diz Gabrielle Tikman, enfermeira cirúrgica. “Agora, é mais fácil descansar e tenho tempo em casa para sentar e conversar com meus filhos. Minha energia voltou.”

PUBLICIDADE

A unidade registrou 20% mais cirurgias, realizando outras operações, como substituição de quadril, que iriam para outros hospitais. O tempo de espera no caso de cirurgias foi reduzido de meses para semanas, permitindo aos pacientes retornarem ao trabalho mais rapidamente e reduzindo as licenças médicas em toda a esfera da economia, diz Hyltander. “Durante anos nos disseram que a jornada de trabalho de oito horas era o ideal. Mas devemos nos permitir contestar essa opinião e afirmar que “é assim agora, mas quem deseja aumentar a produtividade precisa estar aberto a novas ideias”.

Em Svartedalens, Arturo Perez espera que o projeto tenha vida longa. “Nunca sonhamos com uma jornada de seis horas. Você sente alegria quando vem trabalhar aqui.” Ingrid Karlson, de 90 anos, em sua cadeira de rodas, diz: “Os empregados estão totalmente diferentes. Estão mais felizes e nós estamos mais felizes”.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.