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Monumento sobre democracia e totalitarismo no Colégio Humboldt é produzido pelo artista Ricardo Ramalho, arquiteto Luiz Biasi, alunos e professores

Memorial "DenkMalNach" sobre a dicotomia entre a repressão e a liberdade representados por um "buraco de minhoca", uma analogia para uma passagem entre passado e presente, é uma criação de um coletivo formado por estudantes, professores, artista curador e arquiteto que venceu o concurso "Erinnern für die Gegenwart" ("Lembrar para o presente") do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha

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Por Colégio Humboldt
Atualização:
 Foto: Estadão

O artista Ricardo Ramalho e o arquiteto Luiz Biasi foram escolhidos como curador e arquiteto do monumento de memória que foi construído junto aos alunos e professores no Colégio Humboldt, instituição bilíngue e multicultural (português-alemão) localizada em Interlagos, São Paulo, um dos vencedores do concurso "Erinnern für die Gegenwart" ("Lembrar para o presente"), promovido pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha para todas as 140 escolas alemãs no exterior. O projeto foi eleito pelos jurados como "projeto extraordinário" e recebeu um prêmio no valor de 15 mil euros. A escultura é interativa e tem a forma de uma ampulheta deitada com dez metros de comprimento, simbolizando o tempo e uma passagem entre um "passado escuro e sombrio" (totalitarismo e repressão) e o "presente" (liberdade e democracia). A inauguração acontece em 9 de novembro, data que marca os 32 anos da queda do muro de Berlim na Alemanha.

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O envolvimento de Ricardo Ramalho na obra, artista que tem mais de 20 anos de experiência no universo das artes plásticas e com diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e mundo afora, foi de formatação artística para finalização de um monumento concebido inicialmente por um grupo de alunos e que depois foi sendo aprimorado por todos os envolvidos. Mas logo, ele percebeu que sua função de artista não traduzia totalmente as responsabilidades que apareciam num projeto tão atípico. "Eu precisava assumir a função de curador, que ajuda a legitimar o projeto. Mas por outro lado, não fui um curador clássico, já que participei ativamente do processo criativo junto à equipe, mas sim, artista curador".

Para traduzir a ideia dos alunos do Colégio e edificar o monumento, o artista mergulhou na linguagem da arte contemporânea para conceber um objeto sólido, de forma orgânica, com o conceito da arte industrial minimalista, feito com argamassa armada, uma técnica pouco utilizada na construção civil, mas muito usada na construção naval, como eram os navios de ferrocimento da Segunda Guerra ou os barcos de pesca usados até hoje na Europa. "Esse projeto foi muito bonito, tivemos o privilégio de criar coletivamente uma obra monumental. É um exemplo de investimento cultural do governo alemão e do Colégio Humboldt em valorizar a arte e a cultura da comunidade", salienta.

 Foto: Estadão

 

A arquitetura por trás do projeto

Com a função de transformar o conceito em projeto e obra, o arquiteto Luiz Biasi foi o profissional que materializou o monumento do Colégio Humboldt, traduzindo os esboços de desenhos feitos a mãos na obra de grande complexidade estrutural, além de melhorar o que foi proposto, criando junto e administrando toda a obra com a equipe de funcionários contratados e a equipe de manutenção da escola.

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Formado pela Universidade Belas Artes em 2000 com ampla atuação na Fundação Bienal de São Paulo, coordenando projetos e montagem da expografia das Bienais de Artes e de Arquitetura, Biasi hoje comanda a Biasi Estúdio Arquitetura, empresa com foco para projetos de arquitetura residencial, comercial, corporativo, cenográficos entre outros. Sua motivação para projetar o memorial foi baseada na obra "Der moderne Denkmalkultus" de 1903 do historiador Alois Riegl, que define o termo monumento como "uma obra criada pela mão do homem com o intuito de conservar para sempre presente e viva na consciência das gerações futuras a lembrança de uma ação ou destino" e no livro "A Revolução Urbana" de 1970 de Henri Lefebvre, filósofo e sociólogo francês, em que descreve o monumento como "elemento que reúne e privilegia a coletividade e que de algum modo remete ao espaço público e se torna marco onde a sociedade pode reconhecer-se e pertencer".

"O monumento trata de discussões a respeito do totalitarismo e da democracia ao longo dos tempos, além de destacar uma "viagem no tempo", pois tem uma forma que se assemelha a uma ampulheta enterrada, e a passagem estreita que tem a ver com a teoria do buraco de minhoca, como um portal que é fruto desse dualismo: entre liberdade e a repressão", afirma.

 Foto: Estadão

Confira trechos da entrevista do artista e curador Ricardo Ramalho:

- Qual o conceito artístico do monumento, como foi concebido?O conceito é da arte industrial minimalista, um objeto sólido, de forma orgânica, seguindo a linguagem da arte contemporânea. Foi concebido pelos alunos, eles tinham apresentado algumas propostas e essa foi a escolhida pelo coletivo. Houve muitos encontros com os alunos, os professores e eu, antes e depois da decisão para discutir quais os elementos do monumento, estudamos vários monumentos do mundo. Um dos desejos dos alunos era de uma certa imersão em um ambiente de convívio. A proposta apresentada por um dos grupos atendia muito bem esse critério. A obra é um túnel, com duas entradas opostas, com dez metros de comprimento: uma entrada é opressiva e fechada com obstáculos de barras de ferro, a outra entrada é uma sala de estar, um lounge com clarabóia, elas se conectam por uma passagem estreita. Formando aquilo que os alunos chamam de "wormhole", buraco de minhoca, o portal entre duas dimensões, ou uma ampulheta. O monumento trata da questão do totalitarismo, conforme tema do programa do governo alemão.

 

- Em quanto tempo ficou pronto?

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Praticamente, em dois meses.

 

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- Quais as técnicas utilizadas?A técnica é inspirada em um método construtivo de embarcações chamado ferro-cimento. Consiste em fazer uma casca de vergalhão de aço coberto com tela de arame e recoberto de cimento, sem forma. Na arquitetura o método é chamado de argamassa armada, uma técnica incomum na construção civil, mas muito usada na construção naval, como eram os navios de ferrocimento da Segunda Guerra ou os barcos de pesca usados até hoje na Europa. Permite uma estrutura de concreto fina, resistente e com leveza, de formato orgânico.

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- Qual a sua inspiração para a criação da obra?A inspiração é coletiva. Todos ajudaram a compor a obra, alunos, professores, arquiteto, e eu, como artista e curador. O tema do totalitarismo é um ponto de partida para as reflexões que a obra suscita. Por um lado eu me coloco neste projeto como artista, no sentido de ajudar a definir a forma e polir a concepção para uma linguagem de arte contemporânea. Tenho uma contribuição como artista, levanto a bandeira da arte e do circuito de arte. Por outro lado me coloco como curador, na medida em que faço uma mediação do processo criativo com os diversos atores do projeto, sou um representante do grupo de autores. A técnica do ferro-cimento (argamassa armada) foi uma sugestão minha de solução para o formato complexo, faz parte do conceito da obra, tenho muito interesse por essa técnica tradicional de construção naval, porque eu construo barcos, é uma técnica importante e que também é empregada na construção civil, permite formas incríveis com muita resistência e plasticidade. O desafio técnico é uma inspiração em si.

 

- Qual a importância da simbologia do monumento?

O marco de memória acerca do totalitarismo é um alerta para a posteridade, sobre a transição da opressão para a liberdade, sobre as dificuldades dessa passagem, como é importante aprender a conviver e lidar com as adversidades. Um significado particularmente importante para mim é a realização em si, de uma peça escultórica monumental dentro da escola, uma grande obra de arte que sinaliza o valor da cultura dentro da comunidade.

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- O que representa para você ser convidado a participar da elaboração do monumento?

Fiquei muito feliz com o convite da professora de arte Patrícia Naka para acompanhar o projeto, e tem sido um prazer trabalhar com a equipe do colégio, em particular com quem tenho trabalhado mais intensamente, os professores Ronny Moeller e Mathias Rempel e os alunos. O arquiteto Luiz Biasi para formatar o projeto executivo foi uma sugestão minha e fiquei contente que a escola tenha optado pela sua contratação. Estamos trabalhando bem juntos como de costume. Ele fez um desenho técnico muito bonito. Só tínhamos os esboços feitos à mão e ele fez uma boa tradução da peça. Não é sempre que podemos participar de uma obra de arte dessas proporções e num contexto tão interessante.

 

- Gostaria de acrescentar alguma informação?O Colégio Humboldt está de parabéns por encampar esse projeto de arte dentro do campus e o Governo da Alemanha dá um exemplo fantástico de apoio à cultura. A experiência vai marcar os alunos, visitantes e colaboradores para sempre. Sou grato a todos que estão nessa realização. Meu objetivo é incluir a obra no roteiro de arte da cidade por meio de um tratamento de arte contemporânea.

 Foto: Estadão

 

Confira trechos da entrevista do arquiteto Luiz Biasi:

1- Como será a obra (design, tamanho, forma, função, etc.)?

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O monumento do Colégio Humboldt é uma peça de arte que foi executada sob a metodologia construtiva denominada de argamassa armada. Ela é um túnel em formato cilíndrico, de forma simétrica, de modo a cada lado ter uma representação a respeito do Totalitarismo X Democracia e Liberdade.

A ligação entre os dois lados se dá por meio de uma passagem estreita, e faz alusão conforme o conceito estabelecido pelos alunos ao "buraco de minhoca" que traz referência a relação espaço e tempo.

A sua função, como elemento de arte contemporânea, é provocar a reflexão através da experiência a respeito dos períodos obscuros que o mundo passou sob regimes totalitaristas, bem como a sua antítese à Democracia e Liberdade.

O monumento tem as dimensões de 10,00 m (comprimento) x 4,65 m (largura) e 3,35 m (altura).

 

2- Qual foi a técnica utilizada?

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A técnica utilizada para a execução do monumento é denominada argamassa armada ou ferro cimento. A técnica foi muito utilizada pelo Arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, em projetos e pesquisas ao longo de sua carreira e também foi a escolhida neste caso, para que pudéssemos construir este elemento autoportante, com a maior leveza e menor espessura possível. Essa técnica assemelha-se à "taipa de mão", onde, através de uma grelha estrutural, se faz o preenchimento com a argamassa e, nesse caso, em decorrência a necessidade de resistência e durabilidade, optamos em utilizar a argamassa com pedrisco, o que lhe conferiu as características de concreto.

 

3- O que foi levado em conta para projetá-la?

O conceito do monumento foi estabelecido pelos alunos em conjunto com o Corpo Docente, por meio dos professores Ronny, Mathias e Patricia, com a curadoria do artista Ricardo Ramalho. Quando iniciamos o processo de trabalho, auxiliamos na definição do projeto e em conjunto com a equipe, definimos o os aspectos técnicos, conceituais e construtivos, a respeito da forma final, suas dimensões e aspectos artísticos com relação às instalações internas, sempre com a preocupação em detalhes e representações que se integrassem aos conceitos de arte contemporânea.

A partir do conceito formal estabelecido, partimos para as questões técnicas, que balizaram as definições da metodologia construtiva.

 

4- Qual a sua inspiração para a criação da obra?

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Como nós trabalhamos em conjunto, a partir de um conceito inicial definido, apenas lapidando a forma e o discurso conceitual, a inspiração maior foi garantirmos que todos os conceitos aplicados fossem condizentes técnica e academicamente a obra.

 

5- Quanto tempo levou a produção?

Em torno de 75 dias.

 

 Foto: Estadão

 

6- Qual foi o maior desafio durante a elaboração do projeto?

Um dos desafios, foi com relação a parte técnica estrutural, pois a metodologia que adotamos, que é a argamassa armada, é um processo construtivo pouco utilizado, a qual não dispõem de Normatização Técnica. Fizemos a definição das formas, e pensamos a maneira de se construir (empiricamente) e em conjunto com os Engenheiros de Estrutura, fazendo as definições e dimensionamento, de curvatura, espessura das paredes, materiais e formas de se construir, para que a obra cumpra e tenha a maior durabilidade e resistência possíveis.

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7- Qual a importância da simbologia do monumento?

No momentos, o monumento traz uma reflexão e discussão muito oportuna, não só pelo fato histórico a qual ele se refere, mas também, à necessidade de não deixar esses fatos se apagarem da história, de modo a não deixar que se repita. O distanciamento histórico de grandes acontecimentos nos traz a luz a real importância de preservação da Liberdade e da Democracia, sobretudo nos tempos atuais, a qual já passadas algumas gerações, que vivenciaram o período da II Grande Guerra, estão perdendo a compreensão a respeito da necessidade de manutenção das democracias e liberdades sociais e indenitárias, o que nos traz na atualidade novas manifestações de grupos e pessoas apoiadoras de regimes e ideais totalitaristas.

 

8- Como foi a experiência?

A experiência construtiva está sendo fantástica, pois estamos executando uma obra que foge aos rigores estéticos e construtivos que estamos habituados a fazer, não só pelo seu conceito, mas também pela metodologia construtiva. As etapas de execução foram cumpridas tecnicamente bem e sem intercorrências, dados alguns desafios técnicos que esperávamos, em detrimento a limitações de alguns materiais, bem como a maneira de execução, que para este caso muitas vezes é pensada para executar de uma maneira, mas na prática adaptamos de forma a trazer melhor resultados técnicos, econômicos ou de tempo de execução.

 

O exemplo disso é a execução da armação das ferragens que compõem a estrutura, cujo raio de curvatura inicial de 2,40 m, que oferece dificuldades técnicas para deixa-la em formato curvo. Após pesquisas extensas chegamos a uma empresa que executa ferragens de Engenharia pesada, que com adaptações a metodologia e aos cálculos, conseguimos realizar, para união e montagem dos arcos que compõem as costelas da estrutura. Outro desafio foi a execução da argamassa que em detrimento a questões de resistência, tem na sua composição baixo consumo de água, que pode gerar na massa seca o que chamamos de retração. Para evitar esse processo fizemos pesquisas junto ao escritório de engenharia que projetou as estruturas para buscar soluções e produtos que adicionados a argamassa retardam o seu processo de "cura", evitando a elevação da temperatura da argamassa, fazendo com que a água se evapore mais lentamente, evitando com isso o surgimento de trincas. Para complementar ainda este processo, estamos adicionando microfibras de polipropileno, para em conjunto com o retardador de cura, possibilite maior trabalhabilidade da massa, sem que ela trinque.

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9- Gostaria de acrescentar alguma informação?

Queremos agradecer o empenho e eficiência da Escola que vai desde o Corpo Docente, Diretoria Executiva e Financeira, e o Setor de Facilitties, que não está medindo esforços para a melhor realização da obra, com total senso de parceria.

 Foto: Estadão
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