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Como alunos do 5º ano convenceram uma prefeitura no interior de SP a fazer um parque

Gestão municipal de Jundiaí não só revitalizou completamente o local como, dois anos depois, inaugurou o Parque Urbano do Mato Dentro, motivo de orgulho para escola

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Foto do author Ítalo Lo Re
Atualização:

Quando foi escolhido para ser um dos alunos do 5º ano a falar com o prefeito da cidade onde mora, o estudante Kaique Araújo admite que se sentiu um pouco nervoso. “Nunca tinha chegado a fazer algo assim”, diz ele, morador de Jundiaí, na Grande São Paulo. Aos poucos, porém, foi se soltando. E conseguiu se concentrar no que tinha de apresentar. “Percebi que não só o prefeito, mas outras pessoas que estavam lá se interessaram.”

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O encontro de Kaique com representantes da prefeitura de Jundiaí, que contou com a presença de outros alunos da Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Irmã Flórida Mestag, tinha o objetivo de pedir para a gestão municipal recuperar uma área degradada às margens da Lagoa Espelho D’Água, na região de Mato Dentro. A ideia era combater o assoreamento, a erosão e a falta de mata ciliar no espaço próximo ao colégio, que fica na zona rural.

Os estudantes conseguiram mais: após a apresentação, feita em 2018, a prefeitura não só revitalizou completamente o local como, dois anos depois, inaugurou o Parque Urbano do Mato Dentro, hoje motivo de orgulho para a escola. Recentemente, a iniciativa ainda ganhou a etapa nacional do Prêmio Escolas Sustentáveis, promovido pela Santillana, Fundação Santillana e Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI).

Estudantes no Parque Urbano do Mato Dentro; escola municipal venceu prêmio após sugerir recuperação do espaço Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

“É incrível ver o projeto que foi criado, com discussões interessantes, chegar a um nível tão alto”, diz Kaique, agora com 16 anos. Segundo ele, o resultado superou em muito as expectativas dos alunos envolvidos na época. “Hoje, pessoas de vários lugares vêm até o parque para brincar, para passear com a família, para pescar. É um lugar de lazer, que costuma ser bem movimentado, principalmente no fim de semana. Amo ir lá.”

Iniciativa se expandiu para além dos muros do colégio

Diretora da Emeb Irmã Flórida Mestag, Tânia Villela afirma que a situação da Lagoa Espelho D’Água começou a ser abordada com mais frequência a partir de 2017, com a criação, pela escola, de um projeto para discutir os biomas da cidade: o “Água e Solo - Tamo Junto”. No ano seguinte, a iniciativa se expandiu para além dos muros do colégio. “As crianças passaram a sair a campo para estudar o bairro”, diz.

Nessa época, chamou a atenção dos alunos a degradação da lagoa, que fica localizada em uma área de nascente do Rio Capivari. “Existia essa situação terrível, e eles pensaram: ‘a gente tem que fazer alguma coisa para mudar isso’”, afirma Tânia. Ainda em 2018, os estudantes levaram a ideia de recuperar o espaço para a prefeitura, com direito até a uma maquete da lagoa. A apresentação foi um sucesso, e a gestão viu que poderia, mais do que revitalizar a área, construir um parque.

Apresentação ao prefeito ocorreu em 2018 e culminou com projeto do parque urbano Foto: Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Irmã Flórida Mestag

“A partir daí, a gente começou a ‘projetar’ (o parque) junto com eles, com os engenheiros da prefeitura, com o departamento de água da cidade”, diz a diretora. Durante as obras, surgiram quatro lagoas no Parque Urbano do Mato Dentro, também conhecido como Espelho D’Água. O espaço, que possui 23 mil m², também contou com a construção de pistas de corrida, ciclofaixa, quiosques, mesas e bancos, além de parquinho e academia ao ar livre.

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Os porta-vozes da escola geralmente eram estudantes mais velhos, mas o projeto envolveu todos os 180 alunos da escola. “As crianças de 5 anos que a gente atendia na época, por exemplo, catalogaram os animais que havia nessa lagoa. Já as crianças do 5º ano estavam estudando o solo”, diz Tânia. O projeto continua entre as novas gerações do colégio, que atende alunos da educação infantil até o 5º ano do ensino fundamental. “Os alunos têm a plena consciência que eles mudaram um ambiente, transformaram uma comunidade.”

Obras de revitalização custaram cerca de R$ 3 milhões

Quando os estudantes apresentaram o projeto de revitalização da lagoa em 2018, do “outro lado do balcão” estava o prefeito Luiz Fernando Machado, que segue à frente do Executivo de Jundiaí. Ele lembra com detalhes das tratativas: “Quando nós percebemos o tamanho que o projeto do Espelho D’Água poderia se transformar, nós não só fizemos a revitalização da lagoa, como um investimento em infraestrutura.”

Machado gosta de lembrar do asfaltamento do entorno do parque, que partiu de problemas enfrentados pelos próprios estudantes. “O ônibus que subia com alguns alunos da escola para a região de cima do bairro era problemático. Em época de chuva, por não ser asfaltado, tinha um problema de tração e o carro não conseguia subir”, afirma. Ao todo, as obras de revitalização e construção do parque custaram cerca de R$ 3 milhões.

O prefeito afirma que o próximo passo é criar uma forma mais fácil de as crianças da Emeb Irmã Flórida Mestag chegarem até o parque. Isso porque, apesar de os locais serem bastante próximos, uma rodovia corta o caminho feito pelas crianças até lá. A prefeitura, em meio a isso, estuda a construção de uma passarela, desta vez com a colaboração de uma nova geração de alunos da escola.

Inaugurado em 2020, parque virou motivo de orgulho para alunos da Emeb Irmã Flórida Mestag Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

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“A gente faz com que seja uma conquista da criança da cidade, porque, a partir dessa conquista, ela gera um senso de pertencimento”, diz. Machado afirma que a criação do parque se deu na esteira de outras iniciativas feitas pela cidade para dar protagonismo às crianças: como a adesão à “Rede Latino-Americana – Cidade das Crianças” e a criação de um comitê, que conta com a participação de 24 alunos de diferentes regiões, para pensar melhorias para a cidade.

Prêmio contou com inscrição de 1,3 mil projetos

No fim de outubro, os alunos da Emeb Irmã Flórida Mestag venceram, a nível nacional, a primeira edição do Prêmio Escolas Sustentáveis, criado com o objetivo de reconhecer projetos socioambientais de escolas de três países: Brasil, Colômbia e México. A iniciativa contou com a inscrição de cerca de 1,3 mil projetos.

“A temática da sustentabilidade na educação não é nova. Sempre esteve muito presente na perspectiva da cidadania, por exemplo. Mas, na configuração dessa agenda mais contemporânea de sustentabilidade, estamos vendo as escolas se articularem mais agora”, diz Luciano Monteiro, diretor global de Comunicação e Sustentabilidade da Santillana.

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Parque, que possui 23 mil m², contou com a construção de pistas de corrida, ciclofaixa, quiosques, mesas e bancos Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

A ideia é não só reconhecer projetos inovadores, como também criar uma espécie de banco de dados, com pelo menos 30 novos projetos a cada edição do prêmio, para inspirar outros colégios. “A gente busca projetos que abordem não só a questão ambiental, mas que tenham impactos na comunidade, além de também ter um endereçamento para pautas sociais”, diz Monteiro.

O projeto dos alunos da escola de Jundiaí, afirma ele, reúne muitos desses atributos. Ele destaca, como exemplo, a integração entre alunos de diferentes faixas etárias e a forma como a iniciativa rompeu os muros da escola para impactar toda a região de Mato Dentro, onde vivem muitos dos alunos. “É um projeto que tem um resultado muito sólido, que no final é a recuperação da área degradada.”

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