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Enem já vai mudar em 2024, diz novo presidente do Inep; entenda como será

Reforma do ensino médio deixou currículo mais flexível, com opções de itinerários formativos para o aluno, o que exige mudanças na avaliação

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Por Renata Cafardo
Atualização:

BRASÍLIA - O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano deve ser o último no atual formato, em que todos os estudantes fazem uma mesma avaliação. Nos próximos meses, segundo o novo presidente do Instituto Nacional de Pesquisas e Estudos Educacionais (Inep), Manuel Palácios, o órgão vai trabalhar para ter uma prova que avalie não só o conteúdo comum, mas também as áreas específicas que agora fazem parte do ensino médio após a reforma dessa etapa de ensino. “No início de 2024, as escolas já precisam ter acesso às referências curriculares dessa nova parte”, disse ele, em entrevista ao Estadão, em seu gabinete, em Brasília.

As notas do Enem 2022 foram divulgadas nesta quinta-feira, 9, e podem ser usadas para mais de 200 mil vagas em universidades públicas e também em vestibulares de instituições particulares Foto: Estadão

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As notas do Enem 2022 foram divulgadas nesta quinta-feira, 9, e podem ser usadas para mais de 200 mil vagas em universidades públicas e também em vestibulares de instituições particulares. Cerca de 2 milhões de estudantes fizeram o exame, número muito abaixo do que era registrado há alguns anos, quando os inscritos chegaram a 8 milhões. O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), tem dito que quer recuperar o prestígio do Enem e trazer mais jovens para a prova, que cresceu e se tornou um grande vestibular em 2009, no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Desde então, a prova tem 180 questões, divididas em quatro áreas do conhecimento, e mais uma redação. Com a lei que mudou o currículo do ensino médio no País, escolas públicas e particulares oferecem desde 2022, além das 1,8 mil horas de disciplinas obrigatórias, os chamados itinerários formativos (conteúdos optativos, parte de uma carga horária flexível dessa etapa de ensino).

Entenda os principais pontos

  • O Enem tem 180 questões, divididas em quatro áreas (Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas), além da Redação.
  • Em Ciências Humanas, entram questões de História, Geografia, Sociologia e Filosofia. Já em Ciências da Natureza, Química, Biologia e Física. O exame tem várias questões interdisciplinares.
  • O exame adaptado vai contemplar também a carga horária flexível criada com a reforma do ensino médio, em que o aluno pode escolher um itinerário formativo (aprofundamento de estudos em Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais e formação técnica e profissional). Essa avaliação, considerando a carga flexível, será uma 2ª etapa do exame.
  • A ideia é que a escolha do itinerário não seja um definidor da carreira pretendida na universidade (criar um formato que não impeça, por exemplo, que um aluno que optou pelo itinerário formativo em Linguagens tente vaga em Engenharia, caso perceba afinidade com a outra área).
  • Discussões sobre o novo formato da prova feitas no ano passado apontavam para a possibilidade de incluir questões dissertativas na prova (hoje, com exceção da Redação, todos os itens são de múltipla escolha). Isso ainda será definido, em diálogo com as secretarias estaduais da Educação.
  • Hoje, o Enem é o mesmo para todos os candidatos, independentemente do tipo de ensino médio cursado ou do curso pretendido na faculdade. Com a mudança, haveria opções diferentes de provas, conforme o itinerário formativo cursado
  • Há atualmente as versões impressa e digital, mas as questões são as mesmas. A ideia do Inep é que, no futuro, haja outras possibilidades, como uso de vídeos, áudios ou a resolução de questões usando o mouse para relacionar colunas ou colocar na ordem correta determinadas informações (mas isso ainda não seria possível para 2024).
Manuel Palácios já foi secretário de Educação Básica do MEC Foto: Stefânia Sangi/UFJF/Divulgação

Nesse formato, o aluno escolhe a trilha que quer percorrer entre as cinco áreas oferecidas (aprofundamento de estudos em Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Sociais e Formação técnica e profissional). Cada rede estadual ou escola particular, no entanto, pode pensar o currículo e as aulas que são oferecidas dentro dessas grandes áreas. Há opções atualmente, por exemplo, de alunos que estudam ambiente, mídia, programação.

Lidar com essa flexibilidade, segundo Palácios, é o grande desafio do novo Enem. Por isso, ele acredita que o formato da 2ª etapa do Enem (que considera essa parte flexível do currículo) precisa ser elaborado em conjunto com as secretarias estaduais de educação, que são responsáveis pelas escolas de ensino médio, e com as universidades.

Para ele, o exame não pode determinar e direcionar o que as escolas vão ensinar nos itinerários formativos, criados justamente para deixar o ensino mais flexível, contemporâneo e interessante para o estudante. “Não cabe a avaliação dizer qual é o currículo, tem de ser o contrário”, disse o presidente do Inep.

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Além disso, Palácios quer que a prova seja capaz de avaliar o estudante independentemente do curso superior que ele vai escolher, que não precisa necessariamente estar ligado ao itinerário formativo cursado no ensino médio. “As universidades podem atribuir pesos aos testes, mas fazer um um itinerário de Linguagens não pode ser um obstáculo intransponível para quem quer cursar Engenharia, por exemplo”, afirmou.

“Quem elabora os instrumentos de avaliação tem de olhar a trajetória de estudante e não os desejos futuros em termos de formação superior”, acrescentou. Caso contrário, a escolha da profissão teria de se dar ainda mais cedo para o adolescente.

Palácios acredita que uma forma de ajudar nessa questão é que os exames avaliem habilidades como criatividade e pensamento crítico, que devem estar presentes em qualquer itinerário. “Não é um tema simples, mas nos próximos meses vamos construir uma referência curricular que servirá de base para o Enem, ainda que venha ser reformada mais à frente”.

Desde a vitória nas eleições de Lula, havia a dúvida entre educadores sobre como a reforma do ensino médio seria tratada, já que ela foi aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB), inicialmente proposta como medida provisória.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Há alas do PT que são críticas à reforma e, por isso, não estava claro se o MEC atual manteria as mudanças para o Enem 2024. O novo presidente do Inep agora deixa claro que o Enem vai seguir o novo ensino médio no ano que vem, mas que quer discutir seu formato.

A ex-presidente do Inep durante a gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e uma das referências em avaliação no País, Maria Helena Guimarães de Castro, diz que é “importante abrir essa discussão com os Estados sobre a 2ª etapa do Enem porque é um assunto que ainda não há consenso”. Ela esteve com Palácios esta semana e elogiou a determinação do presidente de reformular o Enem para 2024.

Como presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) até o ano passado, Maria Helena participou das elaboração das diretrizes para esta mudança, sugerindo uma divisão da segunda etapa mais voltada às áreas do ensino superior que seriam pleiteadas pelos estudantes. Previa também questões dissertativas. No ano passado, porém, o MEC aprovou outra ideia, que agrupava as áreas do itinerários formativos em provas da segunda etapa.

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Palácios também pensa em, no futuro, trazer inovações às provas do Enem digital, que um dia podem deixar de ser exatamente como as feitas em papel. “Pelo computador, é possível propor interações que vão muito além de apenas marcar uma opção correta, o grande atrativo da avaliação digital é avaliar habilidades mais complexas”, diz.

Como exemplo, há o uso de vídeos, áudios ou a resolução de questões usando o mouse para relacionar colunas ou colocar na ordem correta determinadas informações. O presidente do Inep acredita, no entanto, que ainda não é possível fazer testes em grande escala somente desta forma.

Avaliação de professores

O Inep deve divulgar em breve os resultados das avaliações de cursos superiores de formação docente, o que, segundo Palácios, pode ajudar o ministério a pensar em novas formas de avaliar o professor. Os dados devem mostrar um crescimento de cursos a distância. “Formar um professor demanda desenvolvimento de habilidades associadas à interação, com crianças, adolescentes, colegas, uma série de experiências de formação que depende de contatos”, diz. “Podemos ter uma discussão mais cuidadosa de quais seriam os melhores instrumentos para avaliar a formação docente. Essa é uma atribuição da União, ela precisa cumprir esse papel.”

Palácios foi secretário de Educação Básica no MEC durante o governo de Dilma Rousseff (PT), durante a elaboração de uma das primeiras versões da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que define os objetivos de aprendizagem para cada série escolar para todos os alunos do País. É professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde também coordenava o Centro de Avaliação e Políticas Públicas Educacionais, que faz parcerias com Estados e municípios para avaliar suas redes.

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