Qual é a diferença entre o Brasil e os países ricos em nº de horas na escola?

Novo relatório da OCDE mostra nações cujos alunos ficam 50% mais tempo na escola do que os brasileiros

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Foto do author Renata Cafardo
Foto do author Paula Ferreira
Por Renata Cafardo e Paula Ferreira
Atualização:

Alguns países desenvolvidos, como Austrália e Dinamarca, chegam a ter 50% mais tempo de aula no ensino fundamental do que é oferecido no Brasil, segundo o relatório Education at a Glance, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O documento, divulgado nesta terça-feira, 12, reúne dados dos 9 anos do ensino fundamental. No Brasil, são 7,2 mil horas - o que equivale a 4 horas por dia.

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Após melhorar no acesso à escola nas últimas três décadas, especialistas dizem que o ensino integral é a chave para impulsionar a aprendizagem no País. Pesquisas mostram que o modelo reduz o abandono escolar, aumenta a empregabilidade e a conexão do professor e do aluno com a escola. O investimento inicial, no entanto, por estudante é o dobro.

No relatório, o Brasil não aparece tão distante das nações desenvolvidas: por dia, são 12 minutos a menos do que a média da OCDE. Há países, como Finlândia e Estônia, que aparecem no relatório com 6.385 e 6.432 horas de aulas, respectivamente, em todo o ensino fundamental. Mas esse dado não mostra toda a realidade.

Isso porque a OCDE informa que não são computadas aulas não obrigatórias, mesmo se oferecidas em toda a rede pública. Cursos extraclasse são comuns fora do Brasil, com aulas de esportes, religião, tecnologia e projetos específicos, feitos pela maioria dos alunos gratuitamente. Ou seja, na prática, o jovem passa mais de cinco ou seis horas no colégio.

No Brasil, esse formato praticamente só ocorre nas escolas públicas de tempo integral, onde todas as classes são obrigatórias. Nas outras, há dificuldades na oferta de atividades no contraturno, seja por falta de estrutura ou de professores.

Ambiente Municipal de Educação Integral (AMEI) Rei Pelé, inaugurado em janeiro na cidade de São Vicente, litoral paulista Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Hoje, 24% das escolas de ensino médio do País são de tempo integral e o Ministério da Educação (MEC) lançou em julho um programa para incentivar o aumento no número de vagas em 1 milhão. A intenção é a de que o período de aula seja de pelo menos 7 horas diárias.

Nenhum país que se industrializou tem quatro horas de aula por dia como o Brasil”, disse ao Estadão Claudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, voltado para a formação docente, e ex-diretora de Educação do Banco Mundial. Na ocasião, ela já menciona a jornada escolar brasileira ao comentar um artigo sobre neoindustrialização publicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) no Estadão.

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Nesta terca, Claudia afirmou ainda que o período menor que a crianças ficam na escola no Brasil também é uma das razões pelas quais o país gasta menos com educação, como mostra o relatório da OCDE. “Quatro horas são insuficientes para aulas mais dialogadas, mais mão na massa, necessárias em tempos de inteligência artificial e Chat GPT”, completa.

O estudo é publicado anualmente pela OCDE para analisar parâmetros como financiamento, acesso à educação, formação de professores, entre outros pontos. A pesquisa fornece dados não só dos países integrantes da organização, que são nações desenvolvidas, mas também de países parceiros, caso do Brasil. A edição de 2023 traz como abordagem principal o acesso à educação profissional nos países analisados.

Na Austrália, por exemplo, há o equivalente a 5 horas e 48 minutos por dia nas séries iniciais do fundamental e 6 horas e 36 minutos nas séries finais. É o país em que os alunos ficam mais tempo na escola em aulas obrigatórias, com 11 mil horas no total.

Partindo de uma conta aproximada de 200 dias letivos, como ocorre no Brasil, na Dinamarca há uma média de 5 horas e 48 minutos por dia (10,6 mil horas em todo o fundamental). E nos Estados Unidos, são cerca de 5 horas diárias obrigatórias (8.909 horas no total).

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Os cálculos para o tempo diário de aula também precisam considerar o tempo de férias que cada país oferece aos estudantes. Segundo o relatório da OCDE, a média é de 14 semanas sem aulas em um ano. Diferentemente do Brasil, os outros países costumam ter os chamados “breaks” de uma ou mais semanas ao longo do ano, fora aquelas férias maiores quando termina o ano letivo.

Na Grécia, por exemplo, são 17 semanas de férias, um dos maiores entre os dados registados. Já a Suíça tem o menor tempo, com apenas 8 semanas e meia sem aulas. No Brasil, cujos dados desse item não foram computados no relatório, são pelo menos 12 semanas de férias - 40 dias em dezembro e janeiro e 20 dias em julho.

O texto do relatório diz que “a adequação dos recursos às necessidades dos alunos e a utilização otimizada do tempo são fundamentais para a política educacional”. “O tempo durante o qual os recursos são disponibilizados aos alunos é um fator importante, que determina como os fundos para a educação são alocados e que influencia nos salários dos professores”, completa. O Brasil é um dos países que investe menos por aluno por ano no ensino básico, também segundo a OCDE.

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Entre as nações com mais tempo de aula estão algumas das que têm melhor desempenho em avaliações internacionais, como Dinamarca, Holanda e Canadá. Mas a Colômbia também aparece com o terceiro maior tempo de aula.

Além disso, nações como Finlândia, Estônia e Coreia do Sul - consideradas exemplos de educação de qualidade - têm menos tempo de aulas obrigatórias que o Brasil, segundo o documento. No caso da Coreia do Sul, é comum as crianças serem matriculadas em cursinhos fora do período regular escolar, que se estendem até a noite e passaram a ser questionados recentemente, mas que não são computados no relatório da OCDE.

“Há uma consciência crescente da importância do tempo passado fora da sala de aula durante o dia em outras atividades além da instrução, incluindo recreios e férias”, diz o relatório, enfatizando a importância do equilíbrio.

Teoria da consipiração

O relatório também menciona a relação entre a participação cívica dos cidadãos e o tempo de escolaridade. “Quanto maior a escolaridade mais as pessoas se envolvem em voluntariado, manifestações e outras formas de participação da sociedade e menos acreditam em teorias da conspiração”, explicou a analista de educação da OCDE Manuela Fitzpatrick em webnário da entidade para jornalistas brasileiros realizado nesta terça-feira, com apoio da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

O estudo menciona “teorias da conspiração” como a que diz que o coronavírus teria sido inventado por um país e mostra a porcentagem menor de adultos que têm ensino superior que acreditam nelas ou em outras notícias falsas.

A habilidade crítica dos alunos e como eles entendem textos jornalísticos é uma das preocupações recentes da OCDE e tem sido cobrada também no Pisa, o exame internacional feito pela entidade com mais de 70 países.


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