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Cris Berguer indica bons lugares para conhecer com seu melhor amigo: o cachorro

Opinião|A realidade dos abrigos dos cães da enchente

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Por Cris Berger

Você sabe como um abrigo de animais é montado? Quantas pessoas são necessárias para cuidar dele? Qual é a triagem certa a ser feita quando chega um resgatado? E como está a situação dos animais salvos das enchentes?  E o mais importante: já parou para pensar no futuro destes cães?

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Conversei com o presidente da Associação Nacional dos Médicos Veterinários, Márcio Mota, responsável técnico do AmarVet's Hospital Veterinário, que retornou recentemente do sul do Brasil e relatou: "Ninguém estava preparado para lidar com este desastre. É uma guerra sem precedentes. A cidade de Eldorado do Sul sumiu, nada é mais habitável. Haviam muitos animais presos dentro das casas e em correntes. Vários foram deixados para trás e saíram nadando até encontrar um local para subir". 

Os abrigos: salvação ou prisões?

Há 138 abrigos em Porto Alegre e região metropolitana e a estimativa é de que 50% são insalubres. Diversas publicações nas redes sociais mostram imagens de tendas e galpões improvisados lotados de cães latindo e chorando. "Eles estão apavorados e com medo", comenta a adestradora Manu Moraes, que voltou em choque depois de 48 horas no abrigo de Mathias Velho.

Qualquer pessoa pode abrir um abrigo de animais, que obrigatoriamente precisa ter um responsável técnico, o qual será o ponto de ligação com o Conselho de Medicina, que por sua vez dá a diretriz e determina as regras a serem seguidas em procedimentos ou cirurgias. 

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No caso de tragédias como essa, a resolução 1511, criada depois do desastre em Brumadinho, prevê como um médico veterinário deve atuar. 

As fases da crise

Uma crise é dividida em três partes: aguda, intermediária e crônica. Na primeira acontece o resgate das vítimas, onde a meta é salvar o maior número de vidas possível. Em um abrigo bem estruturado estes animais passam por uma triagem, onde recebem antiparasitários e vermífugo,  realizam  exame de sangue e teste para doenças como cinomose, parvovirose e  leptospirose. Porém na metade deles, os animais são apenas retirados das águas e colocados em baias improvisadas. 

Na fase crônica, em que nos encontramos agora, o objetivo é evitar que os animais adoeçam. No momento em que estão estáveis, iniciam as castrações. Inclusive, o Conselho não recomenda que nenhum tipo de cirurgia seja feita antes dessa fase, a não ser por um motivo extremo.

Como explica Mota: "Todos os abrigos receberam as recomendações e estão cadastrados no conselho. Há uma regra para seguir, mas infelizmente nem todos cumprem. Daqui para frente, passada a fase aguda, o conselho irá fiscalizar".

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O passado manda a conta 

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Boa parte dos animais resgatados eram cachorros comunitários, ou seja, sem um tutor. Eles chegaram com tumores e sarnas e sabemos que isso não brotou nos dias da enchente. "O sistema de controle populacional foi péssimo no passado, pois 80% dos cães dos abrigos não estão castrados. Os cachorros não vieram com a inundação, eles já estavam na cidade. O controle falhou", sentencia Mota.

Abrigo Palmira Gobbi 

O abrigo Palmira Gobbi, no bairro de São José, em Canoas, está longe de ser o mundo ideal, mas é muito melhor do que os demais, que podem ser considerados uma Faixa de Gaza em solo gaúcho. O espaço, que antes era um lixão a céu aberto, foi oferecido pela Prefeitura de Canoas através da secretaria do Bem-Estar Animal para alojar os 2 mil cães resgatados das águas. "Começamos no sábado com 60 animais e na segunda já tínhamos 1.500 até alcançar a super lotação de 2 mil cães. Neste momento, pararam de chegar novos animais das águas, mas vêm cães de outros abrigos ou que estão perdidos pela cidade", revela a voluntária e fundadora do abrigo Mariana Bagatini Guerra. 

A estrutura possui oito galpões, feitos de lonas, além do administrativo e do hospital de campanha, doado pela Prefeitura de São Paulo. Há áreas separadas por necessidades em cada galpão. Os animais saudáveis ficam distantes dos Infectos, com suspeita de leptospirose ou outras doenças contagiosas. Também há a ala da maternidade e dos filhotes, além da geriatria. E dos cães, já identificados por seus tutores, que igualmente estão em abrigos, e portanto, esperam o momento de unirem-se.

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A ONG Ampara Animal, também em parceria com a Cidade de São Paulo, prometeu castrar os animais, fazer a microchipagem e a vacinação.  

Miséria humana

No meio de tanta tristeza, ainda houve a tentativa de roubo de cães de raça, por isso, se uma pessoa chegar alegando determinado cão ser seu, é necessário mostrar uma foto do cachorro salva no celular e publicada no Instagram. As doações eram igualmente alvos de furtos. Até a Prefeitura de Canoas mandar a Guarda Civil, o abrigo contratou um segurança noturnos, pagando R$1.500,00 por noite, para garantir a segurança das veterinárias presentes.  

O que falta

Quase um mês depois da invasão das águas, o que mais falta são voluntários, mão de obra, e lares definitivos para os cães. Afinal, para cuidar de um abrigo com dois mil animais são necessários 60 médicos veterinários e 200 pessoas exercendo funções organizacionais.

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O médico veterinário e a criadora do abrigo compartilham o mesmo temor: "Para onde vai essa quantidade de cães? Os voluntários vão se retirar dos abrigos e o que vai acontecer com os animais? Vão ficar de qualquer jeito? Teremos um holocausto de cinomose e leptospirose porque ninguém cuidou devidamente?"

Esta é uma das facetas do quadro de guerra que assola o sul do Brasil e atinge indiretamente todo o país, que está atônito diante da dor que uma enchente pode causar.

Opinião por Cris Berger
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