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Como Kobe Bryant criou seu próprio Dream Team olímpico

Jerry Colangelo, dono do Phoenix Suns na época em que o ex-astro da NBA tinha apenas 17 anos, fala da ambição e do comportamento do ex-jogador de basquete

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Por Redação
Atualização:

Kobe Bryant tinha 17 anos e estava treinando no Phoenix Suns para o draft da NBA de 1996. Jerry Colangelo, que era o dono da equipe na época, já sabia muitas coisas sobre Bryant, que surgira na Lower Merion High School, no subúrbio da Filadélfia, como o maior fenômeno da sua geração.

Colangelo sabia, por exemplo, que Bryant, morto em um acidente de helicóptero em janeiro deste ano, passara parte da infância na Itália. Com certeza, tinha alguma coisa no comportamento de Bryant - a maneira como ele se portava, a maneira como falava - que parecia diferente aos olhos de Colangelo. Bryant não era um adolescente típico e Colangelo suspeitava que isso tinha muito a ver com sua infância.

Como Kobe Bryant criou seu próprio Dream Team olímpico Foto: Christian Peterson/AFP

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“Ele estava se tornando um cidadão do mundo”, disse Colangelo em uma recente entrevista por telefone de sua casa em Phoenix. “E a maturidade veio junto. Quando você viaja e conhece outras culturas, você meio que cresce de maneira diferente e mais rápida - e, provavelmente, com um pouco mais de profundidade”.

O treino em si foi espetacular, disse Colangelo - tão espetacular que logo se firmou como o melhor treino para o draft que Colangelo já havia visto. “Ele tinha autoconfiança”, disse Colangelo. “Sabia que era especial. Sabia que era bom - muito bom. E, além disso, tinha uma vontade incrível de ser o melhor. Era uma combinação de coisas. Uma coisa é ter confiança. Outra coisa é embasar essa confiança com talento”.

A má notícia para Colangelo foi que o Suns tinha apenas a 15ª escolha no draft e não conseguiu subir na posição. Bryant saiu em 13º, para o Charlotte Hornets, que concordara em trocá-lo pelo veterano Vlade Divac com o Los Angeles Lakers. Bryant passou a maior parte da carreira arrasando o Suns e o resto da liga.

Sabia que era especial. Sabia que era muito bom. E, além disso, tinha uma vontade incrível de ser o melhor

Jerry Colangelo, ex-dono do Phoenix Suns e diretor-executivo da seleção norte-americana

Colangelo viu tudo - e até encontrou uma oportunidade de cultivar uma amizade com Bryant por meio da seleção dos Estados Unidos, chegando a conquistar a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.

Outra cesta de três pontos, por assim dizer, será marcada no final deste ano, quando Colangelo, na posição de presidente do Hall da Fama do Naismith Memorial Basketball, irá presidir a homenagem póstuma a Bryant. O jogador, que morreu em um acidente de helicóptero perto de Los Angeles em 26 de janeiro, faz parte de um seleto grupo que também conta com Tim Duncan, Kevin Garnett e Tamika Catchings.

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Bryant se aposentou em 2016, com cinco campeonatos e todas as vorazes estatísticas compatíveis com um jogador que chegou dezoito vezes ao All-Star da NBA. Mas, muito além de sua longevidade e dos números que acumulou em vinte anos de carreira, Bryant será lembrado pelos grandes momentos que criou. Ele era um dos poucos jogadores da história capazes de transformar basquete em teatro.

Sua ponte aérea com Shaquille O’Neal durante as finais da Conferência Oeste de 2000. Sua comemoração ao vencer o Suns em 2006. Os 61 pontos que marcou contra o New York Knicks em 2009. Os dois lances livres que converteu depois de romper o tendão de Aquiles em 2013.

Ele foi o adversário mais feroz que já enfrentei

Michael Redd, ex-ala armador na NBA

“Ele foi o adversário mais feroz que já enfrentei”, disse Michael Redd, ala-armador aposentado, em entrevista por telefone. “Ele me fez um jogador de basquete melhor”.

Na primeira metade da carreira de Bryant, Colangelo teve que assistir à sua obra à distância e para um time rival. Eles trocavam gentilezas - “um aceno de olá, um aperto de mãos”, disse Colangelo - mas a relação entre os dois ficava por aí.

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Tudo mudou em 2006. Alguns dias antes de Bryant marcar 81 pontos contra o Toronto Raptors, Colangelo o convidou para visitar seu escritório em Phoenix. Os Lakers estavam na cidade para enfrentar o Suns, mas Colangelo tinha outra coisa em mente: ele queria que Bryant representasse os Estados Unidos nas Olimpíadas de 2008.

“Eu já sabia que ele realmente queria fazer parte da equipe americana”, disse Colangelo, que assumiu o cargo de diretor-executivo da seleção masculina depois de seu desastroso terceiro lugar nas Olimpíadas de 2004, em Atenas - a anos-luz do padrão de excelência estabelecido por Michael Jordan e o chamado Dream Team, que ganhou ouro em 1992. “Estava na lista de coisas que ele queria realizar, porque nunca havia jogado pelos Estados Unidos. Nem por equipes juniores ou algo assim. Por isso, era tão importante para ele - e ele se entregou completamente”.

Estava na lista de coisas que ele queria realizar, porque nunca havia jogado pelos Estados Unidos. Nem por equipes juniores ou algo assim.

Jerry Colangelo, ex-dono do Phoenix Suns e diretor-executivo da seleção norte-americana

Sua vontade de ser a força motriz da equipe ficou clara para Colangelo na Copa América de Basquete Masculino da FIBA de 2007, em Las Vegas, onde ele assistiu a alguns jogos com Bryant das arquibancadas. “Ele tinha muita visão”, disse Colangelo.

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No verão seguinte, Bryant foi o primeiro jogador a chegar ao campo de treinamento pré-olímpico. Na verdade, chegou antes que a maioria dos membros da comissão técnica - e começava a treinar às 5h30 da manhã. O resto da equipe, que também contava com jogadores como LeBron James, Carmelo Anthony e Dwyane Wade, logo seguiu sua liderança.

“Acho que Kobe desafiava todo mundo”, disse Jim Boeheim, um dos assistentes da equipe e técnico de basquete masculino do Syracuse. “Ele dizia: ‘Vou pegar o cara mais difícil de todos os times, vou empurrar todo mundo, então venha comigo’. E ele fez isso mesmo, desde o primeiro dia”.

Para Colangelo, era como ver a própria grandeza. O fundamento para os feitos de Bryant - o jogo de 81 pontos, os recordes de pontuação, os arremessos decisivos, os três campeonatos que ele já havia vencido com o Lakers - era sua ética e sua vontade de trabalhar. O espetacular estava enraizado no mundano, na monotonia do trabalho duro.

Na Olimpíada, Bryant liderou a equipe até a final contra a Espanha - e o fez com brilhantismo. Faltando cerca de três minutos para o fim daquele jogo apertado, Bryant efetivamente selou a vitória com uma jogada de quatro pontos. E levou o dedo indicador aos lábios para silenciar a torcida espanhola.

Minutos depois, quando os americanos já comemoravam na quadra, Colangelo abraçou o jogador com que sonhava desde os tempos de draft. A espera, de certa forma, valeu a pena.

“Quantas vezes alguém tem um objetivo, uma meta, e consegue executá-la com perfeição?”, Colangelo se perguntou. “Foi muito especial”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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