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Clubes começam a estudar viabilidade para entrar na Bolsa de Valores e tornar torcedores acionistas

Comissão de Valores Imobiliários faz parecer favorável para IPO; autarquia começa a informar donos de times, como Cruzeiro, Coritiba, Bahia, Vasco, Botafogo e Atlético, sobre a possibilidade de SAFs entrarem no mercado de capitais

Por João Coelho

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) lançou um parecer com orientações para os clubes de futebol que aderiram ao modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) entrarem no mercado de capitais. Isso permitiria, por exemplo, que as SAFs de Cruzeiro, Atlético-MG, Vasco, Botafogo, Coritiba e as demais vendessem suas ações na Bolsa de Valores. Trata-se de uma iniciativa inédita no futebol brasileiro. Alguns especialistas entendem que é um caminho natural das SAFs, uma nova fonte de renda.

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A possibilidade de os clubes entrarem no mercado de ações existe por causa da aprovação da Lei da SAF de 2021. O comunicado emitido pela CVM, que recebeu o nome de Parecer 41, ajuda a “reforçar para o mercado que as SAFs são um subtipo de Sociedade Anônima”, explica Rodrigo Monteiro de Castro, advogado e coautor da Lei do clube empresa. Para ele, o parecer é algo “sem precedentes” e traz uma “confiabilidade monumental” para o mercado. “Nunca, em nenhum país, o regulador do mercado de capitais havia se preocupado com uma atividade específica de entretenimento ou de esporte. Nem mesmo orientado o mercado em como investir nessa atividade”, diz.

A SAF foi bem aceita pelas equipes que disputam a elite do futebol do País. Há seis clubes que aderiram ao modelo entre os 20 times que disputam a primeira divisão do Campeonato Brasileiro nesta temporada: Bahia, Botafogo, Coritiba, Cruzeiro, Cuiabá e Vasco. O Atlético Mineiro aprovou em conselho a transformação em SAF em julho deste ano, mas ainda não se tornou uma empresa do ponto de vista jurídico. Há ainda o caso do Red Bull Bragantino, que é um clube empresa, mas não funciona como Sociedade Anônima e sim como Limitada.

O parecer emitido pelo CVM semana passada teve como objetivo fornecer informações para os investidores sobre os instrumentos pelos quais as SAFs poderiam acessar o mercado de capitais. Portanto, os clubes que decidirem entrar no mercado teriam que atender aos critérios expostos pelo documento e estabelecidos pela Lei das Sociedades por Ações (Lei 6404/76).

“É benéfico que a CVM tenha se pronunciado sobre o assunto. A emissão de títulos mobiliários por clubes de futebol representa uma oportunidade valiosa de captação de recursos sem comprometer a sua participação majoritária”, analisa a advogada Mariana Chamelette, procuradora do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol Paulista e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.

Uma das possibilidades dos clubes que aderiram ao modelo de SAF é realizar um IPO, sigla em inglês para Oferta Pública Inicial. Esse é o primeiro passo para qualquer empresa que deseja entrar no mercado de ações. Por meio do IPO, elas vendem uma porcentagem de si mesmas por meio de ações, com valores pré-fixados. Os recursos financeiros levantados com essa venda inicial são uma forma de financiar novos negócios e aumentar o seu próprio crescimento. Trata-se de uma receita que os clubes de futebol não tem ainda. A mais nova fonte de renda dos times é o programa de sócio torcedor, que já funciona há alguns anos no Brasil. Tem ainda a venda de jogador, os direitos de transmissão dos jogos, as bilheterias e os patrocinadores. Vender ações na Bolsa de Valores seria uma tacada para aumentar essas receitas.

O que as SAFs pensam sobre o tema?

Segundo apurou o Estadão, não há movimentações mais concretas nesse fim de temporada entre as SAFs para abertura de capital na Bolsa de Valores. O Cuiabá — Sociedade Anônima mais antiga do futebol brasileiro — e o Bahia, que pertence ao grupo City, por exemplo, afirmam não pensar nessa possibilidade por ora. Querem se debruçar mais sobre o assunto. A própria SAF ainda é uma condição nova para o Bahia.

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O Atlético-MG está a ponto de se transformar em uma empresa ligada a Rubens Menin. As duas principais companhias do empresário, Banco Inter e MRV Engenharia, têm ações listadas na Bolsa. O clube, porém, desconversa sobre a possibilidade de abrir capital antes de fazer funcionar o novo sistema de gestão do clube e afirma que ainda está no processo de se tornar empresa do ponto de vista jurídico. Vai precisar de mais tempo.

O Coritiba enxerga a opção de IPO como algo importante. “O mercado de capitais tem um papel muito importante no desenvolvimento das empresas. Esses mecanismos podem atrair novos investidores para o Brasil e fomentar o setor”, analisa Bruno D’ Ancona, sócio-diretor da Treecorp Investimentos, empresa que administra a SAF do Coritiba.

O Vasco está na mesma condição: acompanha a movimentação do mercado e a possibilidade com entusiasmo, mas ainda com os pés no chão. “A publicação da portaria não produz impacto direto na nossa atividade”, diz Gisele Cabrera, diretora jurídica da SAF do clube carioca. Ela porém analisa que “a abertura de capital pode gerar a captação de recursos para pagamento de dívidas e investimento em outros projetos” e afirma que haverá uma avaliação sobre a viabilidade de adesão ao mercado de renda variável posteriormente.

Apesar disso, Rodrigo Monteiro de Castro avalia que “é muito improvável que, até o fim do ano que vem, não haja algum tipo de operação no mercado de capitais”. Quem conseguirá acessar esse mercado, entretanto, serão as SAFs que “tenham um projeto e consigam convencer investidores — ou as pessoas que vão colocar recursos naquela oferta — que o dinheiro vai ser bem empregado. A partir do momento em que o mercado entender que faz sentido correr risco e colocar dinheiro em uma SAF, será uma tendência natural o fluxo se intensificar”, complementa o especialista.

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Para ele, o clube brasileiro mais próximo disso atualmente é o Athletico-PR. “Quem está realmente organizado, fez a lição de casa, se estruturou, tem uma boa governança, com todos os seus sistemas internos de controle, com estádio próprio e dívida controlada é o Athletico Paranense”, afirma o advogado. Ainda que o Conselho Deliberativo e os sócios do clube já tenham aprovado a mudança para SAF, o Athletico não é uma empresa estabelecida juridicamente. Procurado pelo Estadão, o clube não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Como é o processo para entrar na Bolsa

Caso alguma SAF brasileira deseje passar por esse processo, ela teria de se submeter às mesmas regras impostas a empresas que vendem papéis na Bolsa. “Para você conseguir realizar um IPO é preciso ter um nível de gerência corporativa e de compliance muito organizados, então isso acaba profissionalizando a empresa”, explica Guilherme Ishigami, broker de renda variável da RJ Investimentos. “Geralmente esse processo leva de seis a 12 meses, mas pode demorar mais. Isso depende muito da complexidade da empresa e da análise regulatória das condições do mercado”, diz.

É importante ressaltar, porém, que ao fazer a Oferta Pública Inicial, as SAFs atuais não mudariam de dono. Seus donos apenas venderiam percentuais da propriedade em forma de ações. Ao mesmo tempo, ao abrirem seu capital, os clubes brasileiros permitiriam, por exemplo, que seus próprios torcedores se tornassem investidores, caso comprem participações minoritárias nas SAFs, exatamente como acontece com empresas de diversos segmentos na Bolsa de Valores.

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Esse processo de entrada no mercado de capitais pode ser benéfico para o futebol brasileiro do ponto de vista da gestão. Para entrar na Bolsa, as empresas são obrigadas a seguir uma série de regras da CVM ligadas à transparência, como dar publicidade a seus demonstrativos financeiros, ter suas contas auditadas por terceiros e obedecer a normas relacionadas à composição do conselho, por exemplo.

Vitórias e conquistas valorizariam as ações

Por outro lado, ao entrar no mercado de renda variável, as ações dos clubes estariam sujeitas às mesmas variações sofridas pelos papéis de outras empresas, o que poderia fazer com o que o valor de um clube de futebol oscile de acordo com a sua fase dentro de campo. “Um clube de futebol com ações negociadas na Bolsa será um assunto desafiador para as atividades regulatórias da CVM”, explica o advogado Eduardo Carlezzo, especialista em direito desportivo. “Esse debate será acentuado durante os períodos de contratação de jogadores, quando as expectativas de compra ou venda de um grande jogador podem impactar no preço das ações”, complementa.

Um IPO, porém, não é a única forma de captação de recursos a que as SAFs podem recorrer. Entre as possibilidades expostas no Parecer 41 estão a emissão de debêntures — uma espécie de título de dívida que gera a garantia de remuneração ao investidor, geralmente na forma de juros — crowdfunding ou Fundos de Investimento.

A Lei da SAF, inclusive, prevê uma debênture exclusiva para essa modalidade de empresa, chamada de “debênture-fut”. “Diferentemente de um IPO, no caso das debêntures não há diluição acionária. Ela funciona como uma emissão de dívida e há um efeito contábil no caixa da empresa”, afirma Ishigami.

Como é no exterior?

Enquanto no Brasil nunca houve um clube listado na Bolsa de Valores, no exterior as coisas caminharam de maneira mais rápida nesse quesito. O Tottenham Hotspur, da Inglaterra, se tornou o primeiro time de futebol a realizar seu IPO, em 1983. Depois dele, outros clubes europeus seguiram o caminho, como Manchester United, Juventus, Borussia Dortmund e Benfica.

Na América Latina, há os casos dos chilenos Colo-Colo, Universidad de Chile e Universidad Católica, que abriram o capital em 2005, 2008 e 2009, respectivamente. As três equipes têm ações negociadas na Bolsa de Santiago.

Apesar de serem todos clubes com ações na Bolsa de Valores, os modelos de gestão de cada um deles varia. É o que mostra um levantamento feito pela KPMG, que se debruçou sobre as divisões acionárias dos times de capital aberto da Europa. Enquanto há equipes, como a Lazio, com 66% das ações nas mãos de seu dono e outros 33% em livre circulação para quem quiser comprar, há também clubes como o Celtic, com mais de 65% de suas ações em livre circulação.

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Não é apenas no futebol que os clubes possuem ações na Bolsa. Nos Estados Unidos, franquias de futebol americano, beisebol, hóquei e basquete também têm capital aberto. Uma das principais ações no mundo do esporte nos EUA é a MSGS (Madison Square Garden Sports Corp.), ligada ao New York Rangers, time de hóquei de Nova York, e ao New York Knicks, equipe de basquete da cidade.

No Brasil, embora ainda não haja nenhum modelo parecido ao observado na Europa e nos Estados Unidos — de participação no mercado de renda variável, ou Equity Capital Market (ECM) — houve casos de clubes de futebol que já entraram no mercado de títulos de dívida, o Debt Capital Market (DCM).

Um exemplo disso é o São Paulo, que montou um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) em 2019 para reorganizar o fluxo de caixa. O clube tomou um empréstimo com investidores e os remunerava por meio de juros. A garantia utilizada pelo São Paulo, na ocasião, foram os valores que seriam recebidos pelos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro.