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Edu Gaspar exalta vida ‘sem política’ na Europa: ‘Se você sobrevive no Brasil, sobrevive no mundo’

Ex-diretor e jogador do Corinthians falou ao Estadão sobre o Arsenal, onde foi eleito o melhor dirigente do mundo, coordena 220 pessoas e bate de frente com o poderoso Manchester City

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Por Thiago Rabelo, especial para o Estadão

Foi de R$ 1,1 bilhão o orçamento de Edu Gaspar para contratações na última temporada pelo Arsenal. O alto poder aquisitivo chama a atenção, mas essa está bem longe de ser a principal vantagem em comandar um clube inglês. Eleito o melhor diretor esportivo do futebol europeu em 2023, Edu Gaspar falou com exclusividade ao Estadão em Londres e fez uma comparação com os trabalhos em Corinthians e Seleção Brasileira e vê a política como um dos grandes entraves para o sucesso do futebol brasileiro.

“Aqui não existe política. Eu entendo e respeito o processo no Brasil. Eu me dei bem com todos os presidentes no Corinthians, mas aqui é diferente. Eu tenho a sensação de que vivo em uma empresa. Uma empresa de futebol. Eu participo e discuto todas as questões. Orçamento, investimentos, equilíbrio financeiro. Tudo. Pode ser que no Brasil por eu ser novo e em início de carreira, as pessoas não me passavam toda essa parte administrativa. Mas aqui não. Aqui eu tenho bem mais autonomia”, explicou o diretor esportivo do Arsenal.

Edu Gaspar, coordenador de seleções da CBF Foto: Lucas Figueiredo|CBF

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Edu Gaspar pendurou as chuteiras em 2011, mesmo ano em que deu início ao trabalho de diretor de futebol no Corinthians. Em cinco anos, conquistou a Libertadores da América, Mundial de Clubes e foi bicampeão brasileiro. Na sequência, em 2016, foi para a Seleção Brasileira com o técnico Tite e foi campeão da Copa América de 2019, quando aceitou a proposta do Arsenal.

As realidades dos trabalhos anteriores são diferentes da atual, mas Edu Gaspar não ignora a experiência adquirida no país natal.

Se você sobrevive no Brasil, você sobrevive aqui na Europa e em qualquer lugar do mundo. Além da política, o Brasil existe uma pressão muito grande da torcida. E ela é bem exagerada, ainda mais no Corinthians”, avaliou.

A exemplo das SAFs no Brasil, o Arsenal pertence ao bilionário norte-americano Stanley Kroenke desde 2018. O empresário também é dono do Denver Nuggets, da NBA, liga de basquete, e do Colorado Avalanche, da NHL, liga de hóquei da América do Norte.

Além de ter um orçamento bem superior e de não ter se preocupar com a política de conselheiros e eleições presidenciais, Edu Gaspar também tem uma estrutura de trabalho bem mais profissional. Sob o seu comando, ele coordena o trabalho de 220 pessoas ligadas ao futebol masculino, feminino e de base do Arsenal.

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Só de analistas de desempenho e observadores são 40 profissionais que estão espalhados pelo mundo e apresentam relatórios semanalmente de adversários e potenciais contratações para o futuro. No Brasil, Paulinho Xavier e Pedro Venâncio são os dois responsáveis pelo setor e ajudam na definição das contratações do time profissional.

“Você não pode contratar por contratar. Isso tem de ser um processo que leva semanas e semanas. Ali na minha mesa, eu tenho relatórios com mais de 180 páginas de um jogador. É coisa detalhada mesmo. Perfil físico, técnico, mental, se tem experiência de Premier League, se vai conseguir se adaptar. Tem tudo. Nós analisamos as nossas deficiências, onde podemos melhorar, onde podemos investir e aí vamos em busca desse novo nome. O que vou fazer agora, nós estamos discutindo desde janeiro. Não é uma decisão minha ou do Mikel (Arteta, técnico do Arsenal). É de todo um grupo”.

Eleito o melhor dirigente esportivo da Europa em 2023 pelo jornal Tuttosport, da Itália, Edu se tornou um dos homens mais fortes do futebol europeu. Após cinco anos no Arsenal, ele não vê o futebol brasileiro atrasado em relação à elite mundial, mas tem críticas sobre as administrações e a influência da política nos clubes.

“Os clubes que estão bem estruturados politicamente estão no topo. Isso eu não falo de Brasil. É do mundo. Olha os clubes que estão em dificuldades. E olha os times que ganham e ganharam os campeonatos nacionais e internacionais nos últimos anos. Essa estrutura sólida reflete lá embaixo. O Brasil precisa escolher as pessoas certas”.

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Sem conquistar a Premier League desde a temporada 2003/2004, ano do título invicto em que Edu fazia parte como atleta, o Arsenal por pouco não quebrou o incômodo jejum. Apesar de ter o melhor ataque, defesa e vitória no confronto direto contra o campeão Manchester City, o time de Londres ficou com a segunda colocação, resultado que gera um sentimento de frustração no brasileiro.

“É um sentimento estranho, bem estranho, porque acabamos a temporada com uma sensação de que fizemos tudo muito bem feito. Desde as contratações e os objetivos, as renovações. O Mikel fez um grande trabalho e atingiu os objetivos. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, mas não foi o suficiente. Tem uma frustração, mas também tem um sentimento positivo de que o processo foi bem feito. O trabalho foi de excelência”, definiu.

Com 89 pontos, o Arsenal teve um aproveitamento de 78%, rendimento que seria suficiente para vencer 20 das 32 edições da Premier League de toda a história. Mas, desde a chegada de Pep Guardiola ao Manchester City e ao futebol inglês, esse número, mesmo elevado, passou a não ser suficiente.

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“Tem coisas que infelizmente não posso dizer o que eu sinto. Mas todo mérito do mundo pro Pep pelo treinamento e trabalho que ele vem fazendo desde que iniciou a carreira. Eu até brinco com o meu filho que quero ver se ele é bom mesmo no rúgbi. É uma brincadeira que faço porque ele já ganhou tudo no futebol. Ganhar em todos os países que ele passou e vem ganhando, ele tem muito mérito”.

A derrota por 2 a 1 para a Bélgica também gera um sentimento negativo em Edu. Coordenador da Seleção Brasileira entre 2016 e 2019, a eliminação nas quartas de final da Copa do Mundo de 2018 interrompeu o sonho do hexacampeonato, título mundial que foi conquistado pela última vez em 2002.

“Esse jogo machuca. Machuca porque, com todo o respeito à Bélgica, o nosso time era muito superior. O nosso segundo tempo foi brincadeira. Fomos bem superiores. Mas eles tiveram uma estratégia que funcionou. O Roberto Martinez (técnico da Bélgica no Mundial) fez uma estratégia interessante que nos surpreendeu e demoramos até ajustar. Mas nós tínhamos time para passar. Mas eu não me arrependo de nada. Fizemos tudo, tudo, tudo que podíamos. Mais do que as pessoas imaginam. Não é que não podíamos perder para a Bélgica, mas perdemos sendo melhores que eles”, lamentou.

Sobre a Seleção atual, Edu Gaspar garante que não tem saudade do período, mas que segue atento ao time canarinho. “Saudade não, mas tenho carinho, principalmente sobre minha época de jogador. Eu fiz parte de um time que eu olhava para o lado e só via estrela mundial. Uma pena que machuquei o joelho e não pude disputar a Copa do Mundo de 2006″, relembrou a ruptura dos ligamentos do joelho em 2006.

Em sua gestão na Seleção, Neymar era a grande estrela da equipe, situação que não é a mesma de hoje com a ascensão de Vinicius Junior, do Real Madrid.

Sem jogar desde outubro, quando se lesionou em uma partida contra o Uruguai, o atacante vive em meio a polêmicas na Arábia Saudita e vive um período de incertezas sobre o futuro. Mas, para Edu, o ex-camisa 10 ainda tem condições de voltar a brilhar se conseguir se recuperar e voltar em boa forma.

“Ele faz toda a diferença quando está bem. Goste ou não, ele é diferente. Mas a gente precisa ver como ele vai voltar. Se voltar, ele tem espaço fácil em qualquer lugar do mundo. Ninguém tem dúvida da capacidade dele. Bom jogador joga em qualquer liga do mundo. Craque tem espaço em qualquer time”.

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MENTALIDADE EUROPEIA

Primeiro brasileiro a ganhar a Premier League, Edu foi campeão com o Arsenal em 2001/2002 e 2003/2004. Após mais de duas décadas da conquista, ele vê o futebol inglês bem diferente atualmente, principalmente em relação aos brasileiros.

“Aquela história dos jogadores que vinham pra cá e não se adaptavam ou não se comportavam bem, isso acabou. Posso te garantir que acabou. Eu te asseguro completamente que os brasileiros estão com muita credibilidade na Europa. Todos eles. Eu sinto muito orgulho disso porque eu fui o primeiro brasileiro a ganhar uma Premier League. Isso abriu porta. Hoje temos uma geração aqui extremamente profissional”, disse o dirigente, que complementou.

“Acabou aquele negócio de contratar jogador com aquela história de que ele é problema, mas faz gol e ganha jogo. Ainda tem muita gente que defende isso, mas acabou. Eu não tenho essa filosofia e não contrato jogador que se comporta assim. Isso não tem mais espaço no futebol. Para esse tipo de jogador, aqui não tem espaço mais”.

Mesmo com uma forte identificação com o Corinthians, onde começou a carreira como atleta e dirigente, e relacionamento com pessoas do clube, Edu Gaspar não tem projetos para retornar ao Brasil. Aos 46 anos de idade e consolidado no Arsenal, o dirigente tem como foco permanecer na Europa e colocar um fim no jejum de 21 anos sem título da Premier League

“Essa é uma coisa que eu me pergunto bastante (sobre o futuro). Eu estou vivendo um momento que sempre sonhei. Hoje eu não penso em voltar ao Brasil. Não posso dizer nunca, mas hoje eu não penso. Quero seguir por aqui e talvez me aposentar. Não tem como eu pensar diferente disso. Como dirigente, eu ganhei todos os títulos que ganhei como jogador. Falta só o da Premier League”, finalizou.

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