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O que o dinheiro do PSG comprou? Clube chega ao fim da era Mbappé sem a tão sonhada Champions

Próxima temporada vai marcar nova fase do time francês, que não conseguiu seu maior objetivo mesmo com elencos estrelados nos últimos anos

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Por Rory Smith (The New York Times)
Atualização:

Como cena final, foi tão apropriada que, por um segundo, fiquei me perguntando se Kylian Mbappé não tinha feito aquilo de propósito. Eram os últimos momentos da campanha do Paris Saint-Germain na Champions League. O sonho da glória europeia – que vinha impulsionando o clube por mais de uma década – chegava ao fim, mais uma vez.

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De repente, lá estava ele, de frente para o gol: o melhor jogador do mundo, o ícone parisiense que passou a simbolizar a ambição, a destreza, o excesso e a arrogância do PSG, com seu momento de brilho na ponta dos dedos. E, então, enquanto a desafiadora linha defensiva do Dortmund se arrastava impotente no seu encalço, Mbappé tropeçou.

Não foi desarme, nem falta, nem qualquer tipo de intervenção. Ele simplesmente caiu. Mbappé não fez seu gol. Não foi herói. Mas pelo menos proporcionou a alegoria perfeita, não apenas para os sete anos que passou no clube de sua cidade natal, mas também para o projeto luxuoso, transformador e profundamente falho que ele passou a representar.

Mbappé deixou o Mbappé sem conquistar a Champions League. Foto: Christophe Ena/AP

Ainda não se sabe se essa será a última atuação de Mbappé como jogador do PSG: ele não é titular em partidas da Ligue 1 há mais de um mês e anunciou na sexta-feira que deixaria o clube no meio do ano. Mesmo que faça uma última participação especial, a noite de terça-feira certamente será sua última aparição significativa.

Apesar de todo o trabalho de reconstrução e da atmosfera de “desculpe o transtorno”, a equipe de Luis Enrique já garantiu o título da Ligue 1 um tempo atrás. As próximas semanas são mera formalidade, um breve período de quietude antes das transações internacionais. Em algum momento, no meio de tudo isso, Mbappé anunciará seu novo clube, provavelmente o Real Madrid, e o PSG vai ficar só com as lembranças.

O que vai entrar para a história do clube? Isso já é outra questão. Mbappé certamente marcou muitos gols em seu tempo em Paris: 255 em 306 jogos, segundo a última contagem. Ele acumulou troféus: seis títulos franceses, três Copas da França, duas Copas da Liga Francesa, inúmeros prêmios individuais. E ficou rico além da imaginação. Sua proeminência também lhe proporcionou uma espécie de poder político: ele vai a jantares com o presidente da França no Palácio do Eliseu com mais frequência do que, por exemplo, Layvin Kurzawa.

Mas é difícil evitar a suspeita de que as sete temporadas de Mbappé em Paris vão ser definidas mais pela ausência do que pela presença. Ele foi – como Neymar antes dele e Lionel Messi depois – trazido para a primavera em Paris. Seu legado deveria ser forjado nas rodadas de mata-mata da Champions League, os jogos que o PSG mais valoriza.

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Seu desempenho nesses jogos foi, à primeira vista, impressionante: vinte gols no maior palco do futebol. Mas esse número requer um pouco de contexto.

Mbappé marcou seis gols numa grande fase rumo às semifinais em 2021, e mais cinco na jornada deste ano. Mas, na maioria das vezes, provou ser uma figura periférica. (O contraste com o futebol internacional é, ao mesmo tempo, preciso e gritante: aos 24 anos, Mbappé foi personagem dominante em duas Copas do Mundo).

O mesmo se pode dizer sobre sua equipe. Em defesa do PSG, o clube se estabeleceu como uma força genuína na Champions League. Chegou às semifinais em três das últimas cinco edições. Em 2020, nas circunstâncias incomuns impostas pela pandemia, o clube finalmente chegou à final.

No entanto, o fato de nunca ter conseguido ultrapassar a linha de chegada e tocar o troféu é – ou pelo menos deveria ser – uma fonte não apenas de constrangimento, mas também de verdadeira tensão existencial para o clube mais rico do mundo. O PSG, como projeto, foi adquirido por um braço do estado do Catar com o objetivo de vencer a Champions League.

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Para tanto, o Catar investiu quantias incalculáveis na aquisição de jogadores, desde Edinson Cavani, David Luiz, Thiago Silva e Javier Pastore até Messi e Randal Kolo Muani, passando por Mauro Icardi e Ángel Di María. O custo total chega tranquilamente aos bilhões.

A estrela mais importante desse elenco foi Neymar, claro, atraído do Barcelona por cerca de US$ 240 milhões em 2017. Essa quantia não representava apenas o talento do brasileiro, nem mesmo seu valor para o novo empregador.

O preço recorde mundial tinha, acima de tudo, a intenção de quebrar o futebol europeu. O PSG pagou esse valor, pelo menos em parte, na esperança de inflacionar o mercado de transferências a tal ponto que somente os dois clubes de Manchester pudessem competir. O restante da velha guarda – Real Madrid, Barcelona e todos os outros – correria o risco de falir se tentasse acompanhar o ritmo. Foi uma transferência projetada para mudar o mundo.

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Em retrospectiva, sabemos que não deu certo. Neymar foi, na melhor das hipóteses, um turista no time principal do PSG. Alguns anos depois, Messi chegou do Barcelona, com o coração partido e desinteressado. Mbappé, o produto local mais caro da história, aos poucos se tornou um problema extravagante: infenso a jogar em determinadas posições, ineficaz em outras, sua influência era tal que se estendeu para além da equipe e adentrou a política de recrutamento.

Em algum momento do ano passado, a direção do clube – muito depois de todo mundo – admitiu o erro. Baixou-se o decreto de que a era galáctica do clube tinha terminado. De agora em diante, o PSG se reinventaria como um paraíso para os jovens talentos franceses, sobretudo os parisienses. “Não podemos jogar tudo fora só porque fomos eliminados”, disse Marquinhos, o capitão do time, depois da derrota para o Dortmund. “É um novo projeto, com um novo técnico”.

É uma postura sensata e admirável – postura que o clube teria feito bem em adotar uma década atrás – mas deixa uma pergunta gritante sem resposta.

O Catar investiu bilhões na versão anterior do PSG e é provável que tenha de gastar ainda mais para desmanchá-la, para começar de novo, sem Neymar, sem Messi, sem Mbappé.

Ao fazê-lo, não só transformou o futebol francês em terra arrasada – uma liga sem competição – como também distorceu o cenário do futebol europeu, tudo na esperança de alcançar um título que não conseguiu conquistar. Não valeu a pena. Não provou ser o tipo de investimento que alguém descreveria como inteligente. Então, no final das contas, para que serviu tudo isso?

/ TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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