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Legislação brasileira prevê fiscalização de uso de agrotóxicos em arroz importado

Postagens alegam que cereal produzido com defensivos agrícolas proibidos no Brasil poderia ser adquirido em editais da Conab; no entanto, Ministério da Agricultura e Pecuária deve fazer análise toxicológica de amostras do alimento comprado

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Foto do author Gabriel Belic
Por Gabriel Belic e Bernardo Costa
Atualização:

Diferentes postagens nas redes sociais alegam que o governo federal irá importar arroz da Ásia produzido com agrotóxicos proibidos no Brasil, o que colocaria em risco a saúde da população. As peças começaram a repercutir após uma declaração do economista Antônio da Luz, da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), em entrevista à CNN Brasil.

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Durante o programa, que debateu os efeitos da decisão do governo federal de importar arroz, o economista ressaltou que o cereal asiático é diferente do que o brasileiro está acostumado a comer; ele afirma que o grão tem qualidade bem inferior e que é produzido em condições ambientais que não são legais no Brasil. O especialista afirmou que, na Ásia, são utilizados defensivos que são proibidos no nosso País — o que é fato. A fala do economista se insere numa discussão sobre a eventual importação de arroz de produtores do continente.

Diversos conteúdos virais utilizaram a declaração do economista sem contexto, para afirmar que o arroz importado estará contaminado com agrotóxicos proibidos em solo nacional. Os editais da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no entanto, indicam que a compra deve atender à legislação vigente no País, que prevê a fiscalização de produtos vegetais importados, como o arroz, inclusive em relação à utilização de agrotóxicos na produção.

Supermercado atacadista na região do grande ABC, em São Paulo, limita a quantidade de arroz comercializado por cliente devido as enchentes no Rio Grande do Sul. Foto: TABA BENEDICTO/ ESTADAO

Em nota à reportagem, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) garantiu realizar o monitoramento e inspeções nas cargas de produtos importados, inclusive do arroz, por meio de coleta de amostras para verificação da presença de resíduos e contaminantes. A ação ocorre mesmo em casos da importação do produto já embalado, como consta na Instrução Normativa 06/2009 (Artigo 28), citada no Anexo II dos editais que foram lançados pela Conab.

A pasta explicou que tem autonomia para fazer a coleta das amostras para análise de resíduos de agrotóxicos no momento de ingresso do produto no Brasil. Ela pode ocorrer em estabelecimentos embaladores, centrais de abastecimento, atacadistas e comércio varejista. As amostras são encaminhadas para as unidades da Rede de Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária (LFDA). Segundo o Mapa, a norma será aplicada na importação de arroz em andamento pela Conab.

Procurado pelo Estadão Verifica, o economista Antônio da Luz encaminhou um parecer que lista 39 produtos defensivos utilizados na Ásia, mas que são proibidos ou não autorizados no Brasil. A lista inclui inseticidas, fungicidas, herbicidas e outros. O documento, elaborado pelo agrônomo Claud Goellner, aponta preocupação para o cumprimento de critérios quanto ao uso de produtos fitossanitários para o arroz importado.

Após a viralização de conteúdos nas redes sociais sobre o tema, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) afirmou que “é mentira que arroz importado terá agrotóxicos proibidos no Brasil”. A Secom afirma que o edital do leilão estabelece que o produto será analisado por lote de produção, sendo recusado aquele que não se enquadrar nos padrões e especificações de qualidade da Conab e demais legislações vigentes.

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Em nota, a Farsul manifestou “preocupação com a forma truculenta e mentirosa que o governo brasileiro tem encaminhado certos temas”. A instituição afirmou que “caso os leilões da Conab trouxessem arroz produzido na Ásia — não havia nenhum impedimento a isso nos editais —, este poderia ter sido cultivado com defensivos não permitidos no Brasil, o que é uma obviedade”.

O que consta nos editais

Foram lançados três editais para importação de arroz pela Conab. A medida, segundo o governo federal, tem objetivo de conter a especulação de preços diante da tragédia climática no Rio Grande do Sul, que responde por cerca de 70% da produção nacional do cereal. No entanto, todos os editais foram cancelados após suspeitas de irregularidades no primeiro leilão. As compras ainda não foram efetuadas.

Nos editais lançados, constavam dispositivos que determinavam que a legislação brasileira deveria ser cumprida pelas empresas importadoras, embora sem especificar todas as normas, o que gerou margem para especulações sobre a possibilidade de importação de arroz produzidos com agrotóxicos proibidos no Brasil.

Os dispositivos legais citados nos editais aparecem, por exemplo, nos seguintes itens:

  • Serão exigidos os documentos legais que comprovem a qualidade estabelecida neste Aviso e na legislação vigente (cláusula 9.6.1. )
  • Deve ser observada a Instrução Normativa Mapa n. 6, de 16 de fevereiro de 2009, que aprova o Regulamento Técnico do Arroz (Anexo II)
  • Atender toda a legislação vigente no momento da aquisição, bem como a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências (Anexo II)

Os editais determinam que o produto importado deverá ter aspecto, cor, odor e sabor característico de arroz beneficiado polido longo fino Tipo 1, ou seja, o de melhor qualidade.

Legislação prevê que produto importado seja fiscalizado

Ao Estadão Verifica, o Mapa detalhou a legislação brasileira sobre utilização de agrotóxicos que deve ser observada na importação do arroz. A Lei nº 9.972/2000, por exemplo, prevê que a classificação de produtos vegetais, como o arroz, é obrigatória quando destinados diretamente à alimentação humana, nas operações de compra e venda do Poder Público, e na importação. No caso, a classificação do arroz é estabelecida pela Instrução Normativa Mapa nº 06/2009, alterada pela Instrução Normativa Mapa nº 02/2012.

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De acordo com o artigo 13 da normativa, o Mapa poderá realizar “análises de substâncias nocivas à saúde, matérias macroscópicas, microscópicas e microbiológicas relacionadas ao risco à saúde humana”. A desclassificação do produto faz com que a carga seja considerada imprópria e seja destruída ou rechaçada.

À reportagem, o Mapa afirmou que os produtos importados deverão utilizar os critérios para reconhecimento de limite máximo de resíduos (LMR) em produtos vegetais estabelecidos pela Instrução Normativa Conjunta (INC) n° 1, de 28 de junho de 2017. De acordo com a Anvisa, o LMR é a “quantidade máxima de resíduos de agrotóxicos ou afins – oficialmente permitida no alimento – em decorrência da aplicação em uma cultura agrícola, expresso em miligramas do agrotóxico por quilo do alimento (mg/Kg)”.

Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, participou de debate sobre importação de arroz na Câmara dos Deputados em 22 de maio de 2024. Foto: Renato Araujo/Câmara dos Deputados Foto: Renato Araujo/Câmara dos Deputados

Segundo a farmacêutica Flávia Custódio, professora de Toxicologia de Alimentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), todo alimento comercializado no Brasil, sendo produzido aqui ou importado, deve seguir as normas sanitárias estabelecidas pela Anvisa e pelos demais órgãos envolvidos. A especialista explica que a legislação brasileira de resíduos de agrotóxicos define uma lista de LMR para cada substância em cada alimento.

O Mapa ressaltou ainda a existência do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em Produtos de Origem Vegetal (PNCRC/Vegetal). De acordo com o ministério, o programa tem como objetivo principal monitorar a qualidade e a segurança dos produtos de origem vegetal consumidos em território nacional, relacionado ao controle oficial de resíduos de agrotóxicos e contaminantes químicos, físicos e biológicos.

No Artigo 10, § 1º, a portaria que instituiu o programa cita o caso de produtos de origem vegetal importados, cuja coleta de amostras para análise deve ser feita pela unidades de vigilância agropecuária.

Já no Artigo 15 (da avaliação e comunicação dos resultados) consta, no § 2º: “Para produtos importados serão considerados os limites máximos estabelecidos pelo órgão competente para o Território Nacional, as diretrizes recomendadas pelo Codex Alimentarius e as disposições previstas em Acordos e Convenções celebrados com outros países ou blocos econômicos”.

O Verifica procurou a Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTOx). A entidade confirmou que há normas e procedimentos existentes na legislação nacional que visam proteger o consumidor brasileiro em casos de uma eventual importação de alimentos produzidos com agrotóxicos não autorizados no País.

Além da Instrução Normativa Nº 06/2009 do Mapa e da Lei n° 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) – citados nos editais da Conab – a SBTOx cita os seguintes ordenamentos:

Também consultada, a professora Angelita Batista, do departamento de Engenharia de Agronegócios da Universidade Federal Fluminense (VEA/UFF), chamou atenção para o fato de que, “no comércio internacional, é posto que quem produz e objetiva atingir um determinado mercado, deve observar as exigências, inclusive quanto ao uso de agrotóxicos que o país importador admite”.

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