Ex-secretário de Trump não disse que funcionários dos EUA trabalhavam no TSE; não há provas disso

Mike Benz acusou USAID de financiar ações de censura, mas não apresentou documentos que comprovassem isso

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Foto do author Luciana Marschall
Atualização:

Checagem atualizada em 27/02/2025 para acréscimo de nota da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.

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O que estão compartilhando: que o americano Mike Benz, ex-secretário do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que “teve gente da administração dos Estados Unidos da América trabalhando no TSE”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Benz não afirmou que havia funcionários do governo americano no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na realidade, ele declarou que a atuação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) no combate à desinformação teria resultado na censura de figuras populistas de direita ao redor do mundo. Benz não apresentou provas ao fazer essa afirmação. Vale lembrar que é possível conferir a lista de funcionários do TSE no site da Corte; os investimentos públicos da USAID no Brasil estão neste link.

A assessoria de imprensa da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil negou que funcionários da USAID trabalham ou trabalharam no tribunal. O órgão informou que organizações internacionais, com apoio da agência norte-americana, participaram de um número limitado de atividades junto ao TSE.

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Benz falou em entrevista sobre a atuação da USAID no combate à desinformação no Brasil, mas não disse que havia pessoas do governo dos EUA atuando no TSE. Foto: Reprodução/Facebook

Saiba mais: A alegação de que haveria funcionários do governo americano no TSE foi feita por Allan dos Santos durante o programa Conversa Timeline de 5 de fevereiro deste ano. Isso foi um dia depois de Mike Benz conceder uma entrevista ao podcast War Room, de Steve Bannon, que serviu como estrategista-chefe da Casa Branca no primeiro mandato de Trump.

Benz criticou, na ocasião, a atuação da USAID, mas não disse que havia pessoas do governo dos EUA atuando no TSE.

Posts que viralizaram nas redes sociais compartilhando o vídeo de Allan dos Santos adicionaram um texto sobreposto à imagem afirmando que agora há “documentos oficiais do governo dos EUA” para comprovar a alegação. Contudo, não foram compartilhados esses documentos.

O Verifica tentou contato com o programa Conversa Timeline para solicitar acesso aos documentos citados, mas não teve resposta.

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O que é USAID?

Criada na década de 60 pelo presidente John F. Kennedy, a USAID tem como atribuição fornecer assistência humanitária e para o desenvolvimento a outros países, principalmente por meio de repasses de fundos para organizações não governamentais, governos estrangeiros, organismos internacionais ou outras agências dos EUA.

As principais áreas de atuação da agência são a saúde e a assistência humanitária. A USAID financia, por exemplo, programas de combate ao HIV no continente africano e de educação para crianças na Ucrânia.

Após assumir a presidência, em janeiro, Trump ordenou a suspensão de 90 dias na ajuda externa realizada pela USAID. Em seguida, o governo removeu dois altos funcionários de segurança do órgão após eles se recusarem a conceder acesso a áreas restritas da agência para representantes do Departamento de Eficiência Governamental, comandado por Elon Musk. Outros funcionários também foram colocados em licença administrativa.

O órgão entrou na mira da administração com a meta declarada de reduzir gastos governamentais. Aliados de Trump têm atacado a agência e defendido que ela é alinhada à esquerda. Musk, por exemplo, utilizou a plataforma de sua propriedade, o X, para chamar a USAID de “organização criminosa” e defender o fim da agência.

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Qual a relação entre a USAID e o TSE?

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As primeiras notícias sobre uma parceria entre o TSE e a USAID são de 2021. Em maio, o TSE lançou o Guia de Combate à Desinformação, elaborado pelo Consórcio para Eleições e Fortalecimento do Processo Político (CEPPS). O Tribunal divulgou a ação e explicou que o CEPPS era um “acordo cooperativo supervisionado pela USAID”, que incluía o Instituto Republicano Internacional (IRI), a Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (IFES) e o Instituto Nacional Democrático para Assuntos Internacionais.

Depois, em dezembro, o TSE participou do encontro “Eleições e a transformação digital”, promovido pelo CEPPS e pela USAID. O encontro virtual,ocorreu no dia 7 de dezembro daquele ano e contou com a participação do então presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. O encontro foi noticiado pelo Tribunal, que ainda o mencionou em um balanço de ações contra a desinformação organizadas ao longo do ano de 2021.

O TSE foi procurado pela reportagem, que questionou se funcionários do governo norte-americano trabalharam no tribunal, mas não houve resposta. A relação de funcionários da Corte pode ser consultada na página de transparência do órgão.

O site da USAID foi tirado do ar no início de fevereiro. Em versões arquivadas do site, não foi possível identificar a relação de funcionários da agência.

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De qualquer forma, o TSE não aparece entre os órgãos que receberam assistência estrangeira da USAID no ano de 2022, quando ocorreram as eleições presidenciais no Brasil. A lista pode ser consultada aqui. Os programas listados incluem iniciativas para desenvolvimento sustentável e combate ao HIV.

O que Mike Benz disse?

Allan dos Santos atribuiu a Mike Benz a alegação de que havia pessoas da administração dos Estados Unidos trabalhando na corte eleitoral brasileira, mas não foi isso que o ex-secretário de Trump falou.

Na entrevista ao podcast War Room, Benz afirmou que a USAID financiou programas de combate à desinformação a fim de controlar a mídia e censurar discursos de direita. Ele afirma que, sem a USAID, Jair Bolsonaro (PL) ainda seria presidente do Brasil. O americano também diz que a agência teria financiado a aprovação de projetos de lei contra a desinformação no Congresso brasileiro.

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Vale reforçar que Benz não apresentou nenhuma prova do que disse; o governo americano também não divulgou documentos que embasassem essas acusações. As informações de financiamento da USAID ao Brasil são as já citadas, disponíveis neste link.

Após o governo norte-americano começar a atacar a USAID e a entrevista de Benz viralizar, uma campanha de desinformação ganhou força nas redes sociais. No Brasil, os boatos alegam, sem provas, que a USAID teria interferido no resultado eleitoral de 2022.

O Verifica desmentiu, por exemplo, que a USAID tenha financiado Smartmatic para atuar nas eleições brasileiras de 2022. Na verdade, a agência americana apoiou o teste de novas tecnologias na Bósnia e a Smartmatic não atuou no último pleito presidencial no Brasil. A reportagem também já demonstrou que uma imagem de Alexandre de Moraes com um boné da USAID foi gerada por IA. Confira a aqui a lista com todas as checagens feitas até agora.