Com dados não confirmados e desatualizados, post engana sobre efeitos colaterais de vacina da Pfizer

Monitoramento do Centro de Controle de Doença dos EUA não tem registro de nenhuma morte relacionada ao imunizante

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Por Giovana Frioli
Atualização:

O que estão compartilhando: que um relatório “escondido” pela farmacêutica Pfizer e pela agência sanitária dos Estados Unidos, Food and Drug Administration (FDA), revelaria que a vacina contra covid teria causado a morte de 1,2 mil pessoas e mais de mil efeitos colaterais.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O documento usado como fonte das alegações não é sigiloso, nem recente, e leva em conta dados não confirmados sobre efeitos colaterais. Trata-se de uma análise de mais de 42 mil relatos pós-imunização nos Estados Unidos e outros países entre 10 de dezembro de 2020 e 28 de fevereiro de 2021. O relatório registra 1,2 mil óbitos, mas não há relação comprovada de causa e efeito com a vacina.

O Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, que monitora dados sobre reações adversas às vacinas contra covid-19, informa que foram confirmadas 9 mortes com causa atribuída aos imunizantes entre 14 de dezembro de 2020 e 1º de março de 2023. Nenhuma delas foi relacionada à vacina da Pfizer. Ao todo, mais de 672 milhões de doses de vacinas foram aplicadas nos EUA — ou seja, a taxa de incidência de mortes é de 0,00000001%.

O relatório não comprova mortes decorrentes da vacinação ou mais de mil efeitos colaterais. Foto: Foto

Saiba mais: Uma postagem no Instagram distorce dados do relatório da Pfizer e incentiva a não-vacinação. O documento é intitulado “BNT162b2 - Análise acumulativa de relatórios de eventos adversos pós-autorização” — o início é o código de identificação da vacina da Pfizer. A análise expõe dados relacionados ao monitoramento da segurança do imunizante após autorização do uso emergencial nos Estados Unidos, em 2020.

O relatório foi divulgado por sites não-oficiais em 2021 e não foi reconhecido na época pela farmacêutica. No entanto, a FDA confirmou que “faz parte de um documento maior enviado pela Pfizer-BioNTech”. Em 2022, a agência sanitária norte-americana passou a publicar milhares de páginas relacionadas à avaliação de segurança da vacina contra a covid-19, por determinação da Justiça.

Mortes não tem relação com vacinação

Como publicou o Comprova em 2021, o relatório foi usado em um pedido de licença biológica (BDA) do imunizante. O documento analisou 42.086 casos de pessoas vacinadas nos Estados Unidos e em outros países. Houve relato de 1.223 mortes entre em 10 de dezembro de 2020 e 28 de fevereiro de 2021. No documento, fica claro que não há relação confirmada de causa e efeito entre os óbitos e a vacina.

De 14 de dezembro de 2020 a 1º de março de 2023, o CDC registrou 19.476 relatos de mortes após a aplicação das vacinas contra covid-19, mas em apenas 9 desses casos a vacina foi confirmada como a causa do óbito. Nenhum deles está relacionado à vacina da Pfizer; as mortes foram causadas após aplicação do imunizante J&J/Janssen. Os relatos de morte pós-vacinação são revisados por médicos do órgão de saúde americano, que analisam certidões de óbito, autópsias e registros médicos. A FDA exige que os profissionais de saúde relatem qualquer morte ocorrida depois da vacinação, mesmo que não esteja claro se a vacina foi a causa, a fim de que isso seja investigado.

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Até 26 de abril de 2023, os Estados Unidos já havia aplicado 367 milhões de doses da vacina Pfizer-BioNTech.

Contatada pelo Estadão Verifica, a farmacêutica Pfizer respondeu que “com base nas análises contínuas destes e de outros dados de segurança realizadas pela Pfizer, BioNTech e Autoridades de Saúde em todo o mundo, nossa vacina contra a covid-19 comprova se manter com um perfil risco-benefício altamente positivo”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) defendem a vacinação e apontam que os benefícios são muitíssimo superiores aos riscos do uso do imunizante.

Enfermeira segura vacina da Pfizer contra a covid-19. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Efeitos colaterais da Pfizer

A alegação sobre os “mais de mil efeitos colaterais da vacina” também é uma distorção. Nas últimas páginas, o relatório informa uma lista de problemas que devem ser monitorados, o que são chamados de “eventos adversos de interesse especial”.

As doenças, que ocupam nove páginas da análise, apontam eventos que poderiam vir ou não a ser relacionados com a vacina e que precisariam ser monitorados e estudados para confirmar ou descartar a ligação. Assim, a lista não confirma que as doenças citadas são consequências da vacinação ou que o imunizante tenha induzido os efeitos colaterais. O monitoramento dos efeitos é indicado para uma “cuidadosa investigação, visando o diagnóstico e o possível tratamento”, diz a página 47 do documento.

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O manual de vigilância do Ministério da Saúde explica que um evento adverso pós-vacinação é “qualquer ocorrência médica indesejada após a vacinação, não possuindo necessariamente uma relação causal com o uso de uma vacina ou outro imunobiológico”. A bula da Pifzer destinada aos pacientes aponta as reações adversas em estudos clínicos com a vacina Comirnaty em pessoas com 5 anos de idade ou mais:

- Reações muito comuns (que ocorrem em 10% dos pacientes): dor de cabeça, diarreia, dor nas articulações, dor muscular, dor e inchaço no local de injeção, cansaço, calafrios e febre.

- Reações comuns, (entre 1% e 10% dos pacientes): náusea, vômito e vermelhidão no local de injeção.

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- Reações incomuns (entre 0,01% e 1% dos pacientes): aumento dos gânglios linfáticos (ou ínguas), reações de hipersensibilidade [por exemplo, erupção cutânea (lesão na pele), prurido (coceira), urticária (alergia da pele com forte coceira), angioedema (inchaço das partes mais profundas da pele ou da mucosa)], diminuição de apetite, insônia, letargia (cansaço e lentidão de reações e reflexos), hiperidrose (suor excessivo), suor noturno, dor nos membros (braço), astenia (fraqueza, cansaço físico intenso), sensação de mal-estar e prurido no local de injeção.

- Reações raras (entre 0,01% e 0,1% dos pacientes): paralisia facial aguda.

- Reações muito raras (menos de 0,01% dos pacientes): miocardite (infecção das fibras do coração) e pericardite (inflamação do revestimento externo do coração).

- Desconhecidas (não podem ser estimadas a partir dos dados disponíveis): reação alérgica grave (anafilaxia), parestesia (aparecimento, sem estimulação, de sensações espontâneas e mal definidas (“formigamento”), hipoestesia (diminuição da sensibilidade), eritema multiforme (reação na pele que causa manchas ou placas vermelhas, que se parecem com um alvo ou “olho de búfalo” e apresenta um centro vermelho escuro rodeado por halos vermelhos e pálidos), inchaço extenso do membro vacinado, inchaço da face (pode ocorrer inchaço da face em pacientes que receberam preenchedores dermatológicos faciais).

Documentos não foram “escondidos”

Ao contrário do que diz a publicação no Instagram, os documentos do imunizante da Pfizer não estavam sendo “escondidos” pela farmacêutica e pela agência americana. Em 2021, o grupo Médicos Profissionais de Saúde Pública pela Transparência solicitou a liberação de toda documentação analisada pela FDA para autorizar o uso da vacina.

Em resposta ao pedido, o órgão regulatório informou que seriam necessários 55 anos até que todas as informações fossem disponibilizadas. De acordo com a agência, não há pessoal e/ou recursos suficientes para atender o pedido no prazo estipulado. A FDA afirmou que se trata de um pedido com mais de 329 mil páginas de documentos e que seria preciso processar 80 mil páginas por mês.

O órgão regulatório norte-americano pediu para entregar 500 páginas da documentação mensalmente, a fim de analisar partes que poderiam haver informações comerciais confidenciais da Pfizer-BioNTech e dados pessoais de envolvidos nos testes clínicos. Os médicos solicitantes, no entanto, alegaram que as informações sobre a Pfizer são de interesse público e pediram o cumprimento até março de 2022.

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Em janeiro do ano passado, o juiz Mark T. Pittman aceitou o argumento do grupo e determinou que a agência sanitária entregasse 55 mil páginas a cada mês, a partir de março. Os documentos deveriam ser tarjados para ocultar informações confidenciais. O grupo disponibiliza os relatórios da Pfizer no site da organização, com respaldo na Lei da Liberdade de Informação (FOIA).

Fachada do escritório da Pfizer em Puurs, Bélgica Foto: REUTERS/Johanna Geron

A Pfizer informou que não comenta documentos publicados nas redes sociais e que há um portal da empresa destinado para comunicação de informações relacionadas a relatos de eventos adversos após a vacina contra a covid-19.

O Estadão Verifica procurou Ricardo Junqueira pelas redes sociais, que não respondeu a solicitação.

Como lidar com postagens do tipo: O uso fora de contexto de relatórios e testes de imunizantes é uma tática comum para desinformar sobre a segurança das vacinas. Para fugir das alegações falsas, é importante ficar atento aos pronunciamentos oficiais feitos por órgãos de vigilância e do Ministério da Saúde sobre estudos ligados à vacinação.

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