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Colômbia: em casa onde falta pão, alguns gritam com razão; leia a análise

Os protestos que ganharam força nos últimos dias não tiveram origem agora. Trata-se de um país historicamente dividido, com distribuição de renda socialmente injusta

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Por Anapaula Iacovino Davila

Grã-Colômbia, Estado de Nova Granada, Confederação Granadina, Estados Unidos da Colômbia e finalmente República da Colômbia. Entre 1819 e 1886, o país sobre o qual agora lança-se um olhar apresentou todos estes nomes, diferentes extensões, fronteiras, lideranças e variadas razões para conflitos internos e externos.

Ao longo do século XIX e até início do XX, a Colômbia encontrou seu papel na economia mundial como fornecedora de matéria-prima para os países industrializados e importadora de bens manufaturados. Foi o que coube a esta simpática nação na divisão internacional do trabalho, assim como às outras nações latino-americanas exportadoras de bens tropicais. O café já começava aí a se desenhar como uma importante cultura para o país, bem como a banana. Tratava-se, portanto, de uma nação agrária, com trabalhadores rurais, organizada em grandes unidades produtoras.

Manifestantes e policiais entram em confronto na Praça Bolivar, em Bogotá. Foto: Juan Barreto/ AFP (05/05/2021)

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Foi a crise econômica de 1929 que deu o impulso para a industrialização, uma vez que o mercado internacional se mostrava menos interessante do que o mercado interno. Era necessário fomentar o consumo nacional e um caminho possível era via geração de empregos na indústria. O governo liberal que governou o país entre 1930 e 1946 colheu expressivos resultados econômicos, especialmente na década de 1930, quando registrou crescimento médio do PIB acima de 10% ao ano, via incentivo às importações de máquinas, levando a novas formas de pensar a produção e de reavaliar a produtividade. Assim, como formas de lidar com conflitos, particularmente no campo, com a aplicação de ações violentas que ao longo de cerca de duas décadas, resultaram em alguns milhares de mortos, especialmente camponeses. O cenário político dividido ficava mais uma vez à mostra, desta vez com lideranças camponesas se opondo aos liberais conservadores.

As exportações retomam com a pacificação decorrente do fim da Segunda Guerra, e o país volta a ter condições de ampliar suas importações, adquirindo mais máquinas e ampliando sua base industrial. Uma ditadura militar se instala entre 1953 e 1957 e “forçosamente” acalma as lideranças políticas rivais, surgindo um pleno cenário mundial de Guerra-Fria, logo após a Revolução Cubana de 1959, quando surgem as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia(Farc), sob a liderança de Manuel Marulanda Vélez, antigo líder camponês.

Ao longo dos últimos 60 anos a Colômbia sofre com conflitos armados e este quadro de insegurança abre espaço para governos ditatoriais que se apresentam com soluções “à força” mais fáceis de serem implementadas do que diálogos diplomáticos de paz entre as partes. Concentração de renda, miséria no campo - a maioria dos produtores rurais da Colômbia são pequenos produtores, em sítios familiares, sem acesso à tecnologia ou formação adequada -, com baixa produtividade e sobrevivência em um modelo econômico de subsistência, sem grandes perspectivas de ascensão social. Desta forma, não raro, jovens migram do campo para as cidades em busca de novas oportunidades. Infelizmente, inclui-se aqui a sedução que o mercado de drogas exerce sobre os jovens, oferecendo ganhos maiores do que eles teriam nas atividades oferecidas pelo mercado formal.

Faixa com dizeres 'SOS Colômbia' é estendida em Bogotá durante ato contra o presidente Iván Duque. Foto: Juan Barreto/ AFP

Os protestos que ganharam força nos últimos dias não tiveram origem agora, portanto. Trata-se de um país historicamente dividido, com distribuição de renda socialmente injusta e, como consequência disso, com acessos e ofertas de oportunidades desigualmente distribuídos entre a população. Quando há períodos de melhora econômica, ou de uso da força, estes movimentos tendem a sofrer redução. Mas, em governos com perfis menos autoritários, mas que apresentam resultados econômicos negativos, movimentos de revolta tendem a renascer. Assim foi ao final de 2019, quando manifestantes tomaram as ruas de Bogotá.

O presidente Iván Duque, no final daquele ano, já falava em “diálogo de união social” enquanto preparava um conjunto de medidas que prometia mexer com as aposentadorias. Haviam também por parte dos manifestantes exigências em relação à educação, desde investimentos até o tratamento violento por parte dos policiais. Centenas de lideranças sociais e do meio ambiente haviam sido assassinadas nos quatro anos anteriores. E, finalmente, havia o questionamento em relação à oferta de atividades formais e rentáveis, alternativas ao cultivo de drogas nas áreas mais pobres do país, item combinado no acordo de paz firmado em 2016 com as Farc.

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As manifestações (que na América Latina não foram exclusivas na Colômbia, pois Chile, Bolívia e Equador também foram palco de manifestações violentas), recrudesceram com a pandemia de covid-19. Mas a essência das reivindicações de 2019 (melhores oportunidades econômicas, cumprimento do acordo de paz e reforma policial) persiste e ganhou mais força com a piora econômica que o país registrou ao longo de 2020: o PIB sofreu redução de 6,8%; o desemprego atingiu 16,8% de trabalhadores (em março de 2021); 42,5% da população colombiana vive em extrema pobreza (21 milhões de colombianos de um total de 50 milhões).

Manifestante atira pedra contra veículo da polícia durante protesto em Bogotá. Foto: Juan Barreto/ AFP

O presidente Iván Duque, que recebe apoio de uma minoria da população - 33%, anunciou há alguns dias uma proposta de reforma tributária que foi entendida como mais uma ferramenta de achatamento das condições de vida das classes média e baixa. A crise fiscal que o país atravessava sofreu piora com o aumento dos gastos públicos empregados no enfrentamento da pandemia. E o governo entendeu que uma reforma tributária levaria a uma melhora dessas contas, na ordem de 2% do PIB. 

Protestos surgiram e uma greve geral foi marcada. Assim como em 2019, novamente o governo culpou organizações criminosas como responsáveis pelos conflitos e, de novo, a ação policial orquestrada foi violenta. E contestada. E observada por instituições internacionais que repudiaram os atos. O governo tentou acalmar os ânimos retirando da pauta os pontos mais polêmicos enquanto o Ministro da Fazenda pedia renúncia do cargo. Mas estas ações não foram suficientes. Novas manifestações organizadas por sindicatos têm acontecido, acompanhadas de mais violência que já resultou em mortes e centenas de feridos.

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Um ditado popular já nos alerta que em casa onde falta pão, todo mundo grita e ninguém tem razão. No entanto, espera-se que as lideranças sejam sérias e identifiquem o real foco das indagações das ruas - e que sejam ouvidos e atendidos; que se sensibilizem com a vida precária que a maioria da população está submetida; e que localizem possíveis grupos criminosos que se aproveitam da delicada situação para agravar o já preocupante quadro.

*Professora da Faap (Faculdade Armando Alvares Penteado) e Fatec. Especialista em América Latina, autora do livro "O pequeno produtor de café no Brasil e na Colômbia: necessidade do mercado ou necessidade social?"; e "O café na América Latina"

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