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Crise na Ucrânia: O que são os acordos de Minsk e como eles podem neutralizar uma guerra?

Diplomatas europeus estão analisando se um canal de negociação aberto há sete anos, projetado inicialmente para resolver um conflito no leste da Ucrânia, pode receber um novo propósito, para acalmar a crise maior

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Por Andrew E. Kramer

KIEV, Ucrânia - A crise ucraniana entra numa fase crítica esta semana.

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Analistas militares afirmam que os elementos finais de uma potencial força de invasão russa, tais como cozinhas e hospitais de campanha, estão chegando a acampamentos e bases do Exército russo nas proximidades da fronteira da Ucrânia. Ao mesmo tempo, o presidente francês, Emmanuel Macron, descreveu o panorama, enevoado neste momento, para uma resolução diplomática.

Macron partirá de Moscou para Kiev e depois para Berlim testando se um canal de negociação entre Rússia e Ucrânia intermediado pela França - e pela Alemanha - estabelecido inicialmente sete anos atrás para resolver o conflito regional no leste ucraniano poderia receber um novo propósito, para dissipar a crise maior.

Soldado ucraniano no front de combate contra separatistas pró-Rússia em Donetsk Oblast. Foto: Tyler Hicks/The New York Times

Macron tem o foco, pelo menos em parte, nesse processo de negociação, conhecido como Formato Normandia - um grupo de contato que inclui Rússia, Ucrânia, França e Alemanha. Essas negociações movimentaram-se em torno de uma série de acordos de cessar-fogo notoriamente ambíguos, estabelecidos em 2014 e 2015, conhecidos como acordos de Minsk, que foram forjados depois que separatistas apoiados pela Rússia atacaram e tomaram território no leste da Ucrânia.

Leia a seguir um guia para os acordos de Minsk, veja como Rússia e Ucrânia os interpretam e saiba como eles poderiam agora se tornar a base de um acordo para dissipar a crise ucraniana.

Os acordos de Mink foram firmados para impedir um conflito que nunca terminou

No meio da década passada, a Ucrânia assinou dois pactos num esforço mal-sucedido de resolução para a guerra no leste do país, que a Rússia havia fomentado após protestos de rua deporem um presidente pró-Rússia em uma insurreição ocorrida em 2014 em Kiev.

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Os acordos ficaram conhecidos como Minsk 1 e Minsk 2, porque foram negociados emMinsk, capital de Belarus. Neles, o ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko aceitou termos políticos geralmente considerados desfavoráveis em troca pactos de cessar-fogo; o segundo acordo foi firmado enquanto milhares de soldados ucranianos estavam cercados, e o objetivo imediato de Poroshenko era salvar suas vidas.

Os pactos de cessar-fogo jamais foram mantidos. Mais civis e soldados de ambos os lados morreram nos sete anos após seu anúncio do que no ano de guerra que os precedeu.

O segundo acordo, Minsk 2, provê uma fórmula para reintegrar as regiões separatistas com apoio russo à Ucrânia segundo termos que dariam à Rússia alguma influência sobre a política nacional ucraniana.

O líder da Ucrânia pensa que os acordos poderiam evitar a próxima guerra

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O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, tem insistido há semanas, sem conseguir muita atenção, que pode haver um caminho diplomático alternativo para a resolução da crise que a Rússia criou ao concentrar tropas nas fronteiras ucranianas.

Desde dezembro, seu governo tem explorado discretamente a possibilidade de um passo para se distanciar do abismo ser encontrado não em negociações abrangentes a respeito de segurança na Europa, mas, em vez disso, nos cinco pontos do acordo de cessar-fogo. Esta não é a saída favorita de seu governo, mas é uma possível solução para evitar a guerra.

Esse canal diplomático foi negligenciado amplamente em janeiro, enquanto a Rússia negociou com os Estados Unidos e a Otan suas demandas por uma reformulação fundamental na arquitetura da segurança do Leste Europeu, sem muito sucesso. Os governos ocidentais afirmaram quase imediatamente que as exigências da Rússia - incluindo a promessa de que a Ucrânia jamais se juntará à Otan - nunca poderiam ser cumpridas totalmente, e essas negociações empacaram.

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Rússia e Ucrânia interpretam os acordo de maneira muito diferente

Do ponto de vista da Rússia, a plena implementação dos acordos descartaria efetivamente a adesão da Ucrânia à Otan, atendendo a uma das principais demandas do Kremlin na crise maior.

Segundo essa interpretação russa, os acordos obrigam a Ucrânia a submeter leis e emendas constitucionais ao Parlamento que garantiriam representação no governo federal aos aliados da Rússia no leste ucraniano, permitindo-lhes vetar decisões de política externa.

Jornalistas assistem ao presidente Vladimir Putin, da Rússia, através de um link de vídeo durante sua reunião com o presidente francês, Emmanuel Macron, em Moscou, na segunda-feira, 7. Foto: AP Photo/Thibault Camus/Pool via REUTERS

Após negociações com Macron em Moscou, na segunda-feira, Putin indicou que a visão russa a respeito de Minsk é uma proposta do tipo pegar ou largar e recusou-se a descartar uma ação militar contra a Ucrânia. “Você pode gostar ou não - lide com isso, queridinho”, afirmou Putin a respeito de Zelenski, repetindo um áspero chiste russo.

Na interpretação ucraniana, porém, a legislação requerida pelos acordos de Minsk somente teriam efeito após a realização de eleições livres nas regiões separatistas. Os poderes concedidos a essas áreas, argumenta a Ucrânia, também poderiam ser limitados - e certamente não incluiriam um veto sobre a adesão à Otan.

Mas um sinal de uma possível concessão surgiu em janeiro, quando o governo ucraniano sinalizou que estava pronto para reconsiderar um projeto de lei que havia arquivado a respeito do status legal das regiões - sugerindo uma disposição para negociar com a Rússia sobre esse tema. Macron elogiou esse passo na entrevista coletiva que concedeu em Moscou na segunda-feira.

O presidente francês fala de uma solução ‘Finlândia’. Mas até mesmo os finlandeses têm dúvidas

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Durante sua visita a Moscou, Macron disse a repórteres que uma “finlandização” da Ucrânia é uma solução possível, referindo-se à adoção estrita da neutralidade por parte da Finlândia para manter-se independente durante a Guerra Fria.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski (E), recebe o presidente francês, Emmanuel Macron, em Kiev. Foto: EFE/EPA/Thibault Camus / POOL

O presidente finlandês, Sauli Niinisto, é um dos líderes europeus que conduz uma diplomacia discreta, de bastidores, com Putin. O líder finlandês sugeriu após uma conversa com seu homólogo russo na semana passada que uma solução com base nos acordos de Minsk é possível, mas notou que a exigência russa pelos poderes de veto - essencialmente uma exigência pela neutralidade da Ucrânia - seria um ponto de atrito.

O ministro de Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, afirmou no mês passado que se a Ucrânia implementar os acordos de Minsk segundo a interpretação da Rússia, “então com certeza estaremos satisfeitos com esse resultado”. Mas ele afirmou acreditar que “dificilmente" isso seja possível.

O ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba, descartou categoricamente o veto de facto da Rússia sobre decisões de política externa da Ucrânia. “Isso não vai acontecer”, afirmou Kuleba. “Jamais”. Ele reiterou essa posição na terça-feira.

Alguns ucranianos acreditam que aceitar os acordos de qualquer maneira é uma concessão

Simplesmente cumprir os acordos de Minsk segundo qualquer interpretação é uma concessão à agressão militar russa na visão de muitos ucranianos, porque Kiev foi forçado a firmá-los durante as incursões russas iniciais que fomentaram a guerra no leste.

Rua coberta de neve em Mariupol, no sudeste da Ucrânia; cidade está perto do foco de conflito entre ucranianos e separatistas pró-Rússia. Foto: Brendan Hoffman/The New York Times

Durante um telefonema privado com Zelenski, em 2020, Macron reconheceu isso, de acordo com anotação feita no diário de uma das autoridades ucranianas que ouviram a chamada entre os dois líderes descrita para o The New York Times.

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Macron afirmou em entrevista coletiva na França, no domingo, que nenhum pacto infringirá a soberania da Ucrânia.

A Ucrânia ainda busca outras saídas

Zelenski aventou a possibilidade da Ucrânia garantir sua segurança de outras maneiras que não sejam aderir à Otan, o que, de qualquer modo, sempre foi um prospecto distante.

Reino Unido e Polônia ofereceram uma aliança de segurança tripartite com a Ucrânia durante a visita do primeiro-ministro Boris Johnson a Kiev na semana passada. Na quinta-feira, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, visitou Kiev e acompanhou a assinatura de um acordo para a produção local de drones armados turcos Bayraktar TB2 e cooperação naval mais próxima no Mar Negro.

Kuleba, o ministro de Relações Exteriores ucraniano, tem se mostrado cautelosamente esperançoso por uma resolução. “Ainda há espaço para a diplomacia”, afirmou na semana passada. “Espero que obtenhamos sucesso diplomaticamente. Se isso não ocorrer, e a Rússia decidir atacar, nós vamos lutar.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL