Diplomacia empaca e solução pacífica para guerra na Ucrânia ainda está distante

Apesar de sinais de progresso, autoridades ocidentais têm pouco otimismo de que as negociações tenham atingido um estágio sério ou mesmo enfrentado as questões mais difíceis

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Por Steven Erlanger e Patrick Kingsley
Atualização:
7 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - Ucrânia e Rússia estão engajadas em negociações intermitentes para encerrar uma guerra brutal agora em sua terceira semana. Mas, apesar dos sinais de progresso, as autoridades ocidentais têm pouco otimismo de que as negociações tenham atingido um estágio sério ou mesmo enfrentado as questões mais difíceis.

O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, levantou esperanças com declarações recentes que parecem aceitar que seu país não tentará fazer parte da Otan, apesar da promessa da aliança em 2008 de aceitá-la um dia e mesmo que a Constituição ucraniana tenha sido alterada três anos atrás para tornar essa adesão, assim como à União Europeia, um objetivo nacional.

Uma forma de neutralidade para a Ucrânia -- sem a adesão à Otan -- parece satisfazer uma demanda-chave da Rússia, embora apenas uma delas. E qualquer forma de neutralidade deve vir com garantias de segurança contra novas agressões russas, dizem os ucranianos. Mas quem forneceria tais garantias e, se alguns fiadores são membros da Otan, como isso seria fundamentalmente diferente da adesão real à aliança, são apenas algumas das questões fundamentais pendentes.

Presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, visita residentes em Kiev feridos após ataques russos Foto: Ukraine Presidency/AFP


Na quarta-feira, Zelenski disse que a neutralidade deve incluir garantias confiáveis que protejam a Ucrânia de ameaças futuras. “Nós podemos e devemos defender nosso estado, nossa vida, nossa vida ucraniana”, disse ele. “Podemos e devemos negociar uma paz justa, mas justa para a Ucrânia, garantias reais de segurança que funcionarão. É preciso paciência.”

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Mas Moscou também exigiu que a Ucrânia aceite a perda da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014, e aceite que uma grande parte do país no leste – as regiões inteiras de Donetsk e Luhansk, partes das quais são ocupadas por separatistas apoiados pela Rússia — tornem-se repúblicas independentes, como decretou o presidente russo, Vladimir Putin.

A Ucrânia rejeita tal desmembramento de seu país, então é difícil por enquanto ver aonde um compromisso pode ser encontrado.

Como sugeriu um alto funcionário da Otan, as negociações só funcionam, como finalmente aconteceram na Bósnia, quando um conflito chega a um impasse ou um lado vence. Nem a Rússia nem a Ucrânia ainda estão prontas para parar de lutar – a Rússia em sua busca para tomar o litoral ucraniano, as principais cidades e a capital, Kiev; ou a Ucrânia para resistir. Mesmo que os avanços da Rússia tenham diminuído, Putin não dá nenhuma indicação de que seus objetivos militares ou políticos tenham mudado.

Sem avanços

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse na quinta-feira que os Estados Unidos não viram nenhum sinal de que Putin esteja preparado para interromper seus esforços militares.

“Do meu ponto de vista, a diplomacia obviamente exige que ambos os lados se envolvam de boa fé para diminuir a escalada”, disse ele. “As ações que vemos a Rússia tomar todos os dias, praticamente todos os minutos de todos os dias, estão em total contraste com qualquer esforço diplomático sério para acabar com a guerra.”

Vários países estão fazendo esforços para mediar entre a Rússia e a Ucrânia, principalmente Turquia e Israel, que geralmente são vistos como tendo laços menos tensos com ambos os países do que Alemanha e França, que também tentaram fazer propostas a Putin. Mas os esforços de cessar-fogo básico e temporário para civis escaparem dos combates em torno de cidades como Kharkiv e Mariupol têm sido difíceis de alcançar.

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Na sexta-feira, foi Putin quem reclamou em uma ligação com o chanceler alemão, Olaf Scholz, que a Ucrânia estava “tentando arrastar o processo de negociação apresentando novas propostas irreais” e acusou o país de crimes de guerra.

Putin disse que a Rússia está “pronta para propor uma busca por soluções alinhadas com suas conhecidas abordagens de princípios” em uma quarta rodada de negociações. Mas mesmo um cessar-fogo negociado parece uma perspectiva distante, quanto mais uma paz duradoura.

Até agora, de acordo com um alto funcionário ucraniano, as exigências da Rússia são inaceitáveis.

Em essência, disse ele, a Rússia está exigindo que o Parlamento ucraniano vote para consagrar a neutralidade do país, rebaixar seu Exército para 50 mil soldados ou menos, prometer não hospedar bases militares estrangeiras e aceitar a soberania russa na Crimeia e a independência da região de Donbass, que inclui Donetsk e Luhansk.

Só então, disse o funcionário, a Rússia concordaria em se retirar do território que já ocupou.

A Ucrânia, disse o funcionário, não concordará com nada a menos que a Rússia retire suas forças primeiro, ou com um Exército tão pequeno, que é menos de um quarto de sua força permanente antes da guerra. Mas está disposto a aceitar alguma forma de zona desmilitarizada de cerca de 50 a 100 quilômetros de cada lado da fronteira, disse o funcionário.

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Os ucranianos também querem uma força internacional de paz na Ucrânia, com sua soberania garantida – e não simplesmente “garantida”, como no Memorando de Budapeste de 1994, no qual o país concordou em desistir de suas armas nucleares herdadas da União Soviética. E eles querem essas garantias de segurança assinadas pelos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos, Reino Unido, China, França e Rússia – mais Turquia e Alemanha.

Isso comprometeria os principais membros da Otan a lutar pela Ucrânia caso a Rússia (ou qualquer outro país) invada. Dado que a Otan não está disposta a combater as tropas russas na Ucrânia agora, ou mesmo criar uma zona de exclusão aérea sobre o país por risco de combate direto com a Rússia, é difícil imaginar que tais garantias possam ser acordadas, disse o alto funcionário da Otan.

Mesmo na questão da neutralidade, há bastantes complicações, além da ideia de alterar a Constituição. O porta-voz presidencial russo, Dmitri Peskov, sugeriu a Áustria como modelo de neutralidade ucraniana. Mas dado que a Áustria não tem limites para o tamanho de suas próprias forças militares, é improvável que seu modelo seja aceitável para a Rússia.

A Turquia está fazendo seus próprios esforços de mediação. O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu, viajou de Moscou a Lviv para conversas separadas com os ministros das Relações Exteriores da Rússia e da Ucrânia nesta semana. Ele expressou esperanças de progresso em um cessar-fogo e estabeleceu uma conversa telefônica na quinta-feira entre Putin e o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan.

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Outra visão das demandas da Rússia emergiu dessa conversa. De acordo com o assessor e porta-voz de Erdogan, Ibrahim Kalin, que estava na ligação, Putin também está insistindo que o russo volte a se tornar uma língua oficial na Ucrânia e no que ele chama de “desnazificação” do país.

Kalin disse à BBC que, por mais ofensiva que essa última exigência possa ser para Zelenski, que é judeu e perdeu parentes no Holocausto, pode ser suficiente para a Ucrânia se comprometer a condenar os neonazistas e reprimir alguns de seus distantes grupos nacionalistas de direita para cumpri-la.

Kalin disse que uma segunda categoria de demandas era mais difícil para a Ucrânia, envolvendo compromissos territoriais, mas não as especificou.

O chefe da delegação russa, Vladimir Medinski, disse em Moscou na sexta-feira que, na questão da desmilitarização, os dois lados estão “em algum lugar no meio do caminho”, mas não divulgou detalhes.

Um diplomata ocidental sênior, informado sobre as negociações, sugeriu que a neutralidade e a desistência da Crimeia seriam mais fáceis para a Ucrânia do que outras demandas da Rússia, como uma nova divisão oriental e desmilitarização. O diplomata confirmou que Putin parecia disposto a conversar com Zelenski, que parece estar tentando preparar os ucranianos para um eventual acordo.

Se for preciso, a disposição de Putin de conversar com Zelenski, cuja saída do governo ele originalmente exigiu, é uma forma de progresso. Isso também é um reconhecimento de que a atual equipe russa que negocia com a Ucrânia é de baixo escalão e tem pouca autoridade para resolver as questões mais difíceis. Assim, a paz parece muito distante.

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