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Discurso de Bolsonaro em cúpula do clima parece defesa do direito de desmatar, diz especialista

Coordenadora do Instituto Socioambiental critica pedido de verba estrangeira e vê promessas retóricas do presidente; governador do Maranhão defende recursos naturais como ativos estrategicos

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No discurso feito pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula dos Líderes sobre Clima nesta quinta-feira, 22, o Brasil praticamente defendeu seu direito de desmatar, avalia a coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos. Para ela, pedir recursos estrageiros para combater crimes ambientais “é como se estivesse dizendo: 'posso desmatar, mas para eu não desmatar preciso de investimento'”. Na opinião da especialista, “essa é uma premissa que vai na contramão de qualquer perspectiva de uma Amazônia 4.0”.

Brigadistas do Ibama combatem incêndio em unidade de conservação ambiental na região de Manicoré, no Estado do Amazonas Foto: Gabriela Biló/ Estadão

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Adriana participou na noite desta quinta do evento O mundo de olho na Amazônia: Ameaças e oportunidades para o Brasil, organizado pela Fundação FHC. No primeiro painel, além de Adriana estavam o empresário Pedro Passos, copresidente do Conselho de Administração da Natura; Sergio Etchegoyen, presidente do Conselho do IREE Soberania e Clima (ISC) e ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; e Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão e presidente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal.

Na Cúpula do Clima nesta quinta, Bolsonaro estabeleceu o compromisso de atingir a neutralidade das emissões de gás carbônico até 2050, mas sem um plano para cumprir essas metas. Outros países já haviam apresentado metas mais ambiciosas anteriormente. O presidente brasileiro também falou em zerar o desmatamento ilegal até 2030, mas voltou a cobrar recursos estrangeiros para intensificar o combate aos crimes ambientais.  Para Adriana, Bolsonaro falou de mudanças retóricas que ela espera que se concretizem em mudanças efetivas, embora isso não tenha sido sinalizado e ressaltou que “ainda paira sobre nós a ameaça do negacionismo, que foi o que nos tirou da liderança (do tema ambiental) e nos colocou nessa situação lamentável que o Brasil vivenciou: de o nosso presidente fazer uma manifestação e o presidente dos Estados Unidos já não estar mais na sala”. Segundo ela, isso jamais tinha ocorrido nas últimas três décadas. A coordenadora do ISA ressaltou que esse negacionismo tem impedido o País de construir uma perspectiva nova no tratamento da questão da Amazônia. “Temos enorme acúmulo de conhecimento, de experiências desenvolvidas nas últimas décadas. Desenvolvemos pesquisas, fortalecemos uma agenda de ordenamento e gestão de territórios, experiências de produção sustentável. Mas tudo isso vem sendo ignorado e até rejeitado pelo governo", acrescenta ela. 

Investimento em ciência e tecnologia

Pedro Passos não citou diretamente o discurso de Bolsonaro, mas lembrou que a Região Amazônica tem 210 milhões de hectares protegidos por serem comunidades de conservação ou terras indígenas, que estão fazendo seu papel de conservar a floresta em pé. “E é isso que vai ter valor em um novo modelo de desenvolvimento, e não a exploração das cadeias produtivas tradicionais", diz. A Natura tem fábrica naquela região há 24 anos. 

Ele vê a Amazônia como solução para o novo modelo de desenvolvimento nessa fase da economia do baixo carbono e no enfrentamento da crise climática. Para isso, Passos defendeu como vetores principais o investimento em ciência, tecnologia e inovação para aprofundar conhecimentos sobre a biodiversidade e também a diplomacia ambiental para promover os interesses do Brasil e dos países da América do Sul na regulação do mercado de carbono.

O governador Flávio Dino reforçou ser necessário a compreensão de que mudanças climáticas, Floresta Amazônica e economia verde não são agendas externas à Amazônia, mas agendas em favor da região. “Não são obstáculos. São ativos estratégicos em favor da melhoria de qualidade de vida de 30 milhões de brasileiros que moram na Amazônia.”

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Soberania dos países

Ele também defendeu mecanismos que garantam a justa remuneração de serviços do ecossistema ambiental e avaliou como correta a iniciativa apresentada na reunião da cúpula de um fundo de investimentos de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,44 bilhões) em florestas tropicais para governos que demonstrarem que não houve desmatamento. “A iniciativa é útil porque vai na direção correta de pagamento por performance, por resultados”, disso o governador.

“É preciso entender que a Amazônia está descuidada porque a elite dirigente do País não tem essa preocupação”, afirmou Sergio Etchegoyen. O ex-ministro ressaltou ainda que “a mudança climática não respeita fronteiras” e, portanto, a preservação exige convergência dos interesses da soberania dos nove países que abrigam partes da região amazônica.

Em sua opinião, a Amazônia preservada e explorada com sustentabilidade, dentro da legalidade, vai significar a convergência dos nove países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela) cujos territórios abrangem uma parte da floresta. Essas nações serão capazes de fundar um novo centro irradiador de economia, de preservação, de projeção de uma nova economia.

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