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É a demografia, estúpido?

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Por MAC MARGOLIS É COLUNISTA DO ESTADO, CORRESPONDENTE DA NEWSWEEK e EDITA O SITE WWW.BRAZILINFOCUS.COM
Atualização:

Contados os votos da eleição dos Estados Unidos, inaugura-se a temporada de explicações. O atual presidente Barack Obama ganhou porque a economia americana está se recuperando. A esperança, embora minguante, ainda está vencendo o medo. A oposição republicana era raivosa demais. E há um por que para cada paladar.Mas o que mais se ouve no momento é uma afirmação mais comovente. A vitória de Obama teria sido fruto de um terremoto social. Numa eleição amargamente polarizada, com o eleitorado partido ao meio, quem fez a diferença foram as minorias: negros, asiáticos e especialmente, os latinos. Compareceram em números recordes e votaram em peso no candidato democrata.São eles representantes de uma nova América que está nascendo, em sintonia com o mundo multicultural, segundo os analistas de plantão.Latinos, negros, mulheres e milhões de eleitores da classe média e baixa somaram forças. Essa "nova coalizão", com os latinos à frente, "ameaça reduzir os republicanos a um mero detalhe nas eleições do futuro", sentenciou Juan Williams, no Wall Street Journal. Há quatro anos foi Barack Obama e sua historia emocionante que galvanizaram a nação, disse Eugene Robinson, em The Washington Post. "Desta vez, fomos nós", cidadãos de um "futuro multicolorido, multicultural", entusiasmou-se. Ou melhor: é a demografia, estúpido. Sim, as chamadas minorias étnicas, mais as mulheres, fizeram a diferença nesse pleito.Dez por cento do eleitorado americano já é latino, diante de 9% em 2008. São 4 milhões de latinos a mais que há quatro anos, e 71% deles votaram em Obama. Mas até que ponto é sólida essa "nova maioria" que reconduziu o democrata Barack Obama à Casa Branca?Há controvérsias. Primeiro, os Estados Unidos são um país diversificado e, quanto mais cresce, mais se diversifica - e se complica.A ideia de que os latinos, negros e asiáticos sejam aliados naturais, com a mesma visão e agenda política, dificilmente se sustenta. Frequentemente, veem-se mais como rivais, especialmente no mercado de trabalho. Segundo pesquisas, os latinos revelam-se tão conservadores quanto à média dos americanos (e bem mais "republicanos" em temas como religião e aborto). Quanto mais tempo no país, mais conservadores ficam.Para quem imagine que o resultado das urnas americanas seja a voz rouca de uma nova América, e essa nação multitimbre e politonal pertence ao Partido Democrata, uma palavra de cautela. A cor, a etnia e a crença são um cimento falho para qualquer aliança. Pense no Zuccotti Park, a praça da revolta contra a ganância de Wall Street, que durou um outono americano.Era uma vez os católicos apoiavam automaticamente candidatos democratas, convicção coroada na eleição de John F. Kennedy. Chegou Ronald Reagan, que travou a Guerra Fria contra o comunismo ateu, e o voto carola pulou de sigla. "Quanto mais diversidade étnica, mais divergências e conflitos entre eles devem surgir", opina a jornalista econômica Megan McArdle.Da mesma forma, com os custos insustentáveis das aposentadorias públicas, a lua de mel democrata entre os sindicatos do setor público (espinha dorsal do partido) e os jovens eleitores de Obama (os pensionistas de amanhã) pode acabar mal.Tampouco o apoio latino não está garantido. Boa parte dos eleitores latinos que votaram em Obama passaram quatro anos na expectativa e terminaram na frustração. Depois de acenar com a distensão política com a ditadura cubana, Obama optou por um tímido relaxamento das barreiras de viagem entre Cuba e EUA.Flertou com uma renovada e inovadora política de imigração, apanhou dos ultraconservadores e deu meia- volta. Em quatro anos, o governo democrata deportou 400 mil imigrantes sem documentos por ano, 30% a mais que George W. Bush. E enquanto a Casa Branca vacilava, os oposicionistas governadores de Estados da fronteira, em Arizona e Texas, começaram a erguer muralhas.Os EUA podem ser mesmo um país em transformação, rumo ao futuro multipolar. Mas se há uma lição das urnas americanas, é que ninguém é de ninguém. Obama comprou fiado sua vitória. A conta vem depois.

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