Política externa errante deixa mundo em alerta

Tuítes de Trump trazem incerteza sobre medidas concretas; na campanha, ele se aproximou de Putin e criticou Otan e China

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Por Redação Internacional
Atualização:

Cláudia TrevisanCorrespondente / Washington

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Orientado pelo slogan nacionalista "América em Primeiro Lugar", Donald Trump deixou claro que estará mais preocupado com o que acontece dentro do que fora dos EUA. Na campanha, colocou em dúvida alianças tradicionais do país, mostrou descaso com violações dos direitos humanos, revelou-se cético em relação a intervenções militares e repetiu à exaustão seu desejo de ter boas relações com o russo Vladimir Putin.

Mas, apesar da profusão de tuítes, há uma incerteza inédita em relação às medidas concretas que adotará. Entre as certezas, estão o aumento dos gastos de defesa e a prioridade no combate ao Estado Islâmico, para o qual pedirá um plano a assessores militares nos primeiros dias de seu governo.

Loja de Moscou vende modelos de Matrioscas, as tradicionais bonecas russas, representando Vladimir Putin e Donald Trump (AFP PHOTO / Alexander NEMENOV) 

A Europa está em pânico com seus acenos simpáticos a Putin e o questionamento da aliança atlântica, enquanto a China está furiosa com sua ameaça de rever o princípio de 'uma só China' que impede Taiwan de ser um país independente. A indicação de um embaixador de linha dura para Tel-Aviv encorajou o governo de Israel a expandir assentamentos na Cisjordânia e enfraqueceu as chances de um Estado Palestino.

"Nunca em minha vida vi um grau de incerteza tão grande em relação à política externa americana. Outros presidentes distanciaram-se da orientação de seus antecessores, mas nós sabíamos quem eram seus conselheiros e o que eles pensavam", disse Stephen Haggard, professor da Escola de Estratégia e Políticas Globais da Universidade da Califórnia em San Diego.

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As dúvidas são agravadas pelo fato de Trump usar posts no Twitter para manifestar visões de mundo surpreendentes e muitas vezes contraditórias.

Segundo Haggard, os futuros secretários de Estado, Rex Tillerson, e de Defesa, James Mattis, são escolhas mais tradicionais, que podem dar estabilidade à administração no fronte externo. Mas Trump terá dois assessores na Casa Branca com visões extremistas.

O chefe do Conselho de Segurança Nacional, Michael Flynn, descreveu o islamismo como um "câncer" que deve ser extirpado. O conselheiro especial do presidente, Stephen Bannon, tem uma visão populista de direita cujo efeito prático é incerto, observou Haggard. Em sua avaliação, o maior erro cometido até agora pelo presidente eleito foi o questionamento do princípio de 'uma só China', que o pode colocar em rota de colisão com a segunda maior economia do mundo.

Aaron Miller, do centro de pesquisas Wilson Center, disse que Trump não tem uma posição elaborada em relação a uma série de questões de política externa, mas sim "inclinações" que revelam uma visão de mundo avessa ao risco. "Ele não está interessado na construção de nações, na agenda de direitos humanos nem em aventuras militares no Oriente Médio que custam bilhões de dólares", afirmou Miller, autor do livro The End of Greatness: Why America Can't Have and Doesn't Want Another Great President (O Fim da Grandeza: Por que a América Não Pode Ter e Não Quer Outro Grande Presidente).

"Trump quer cuidar dos interesses americanos, o que significa combater o Estado Islâmico, evitar um outro ataque terrorista nos Estados Unidos, assegurar que os aliados paguem o que corresponde por sua defesa e não se envolver em questões internas de outros países", ressaltou.

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O ex-diplomata Melvyn Levitsky, professor da Universidade de Michigan, diz acreditar que a visão de mundo de Trump é de um empresário e vê suas declarações bombásticas como uma estratégia para forçar aliados a contribuírem mais para sua defesa. Ex-embaixador no Brasil, ele discorda de alguns analistas que consideram o novo presidente uma ameaça à ordem liberal criada por inspiração dos Estados Unidos depois da 2.ª Guerra.

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"Não acredito que mudar o mundo seja uma de suas prioridades", avaliou Levitsky. Em sua opinião, a atuação de Trump será orientada por suas prioridades de política doméstica: rejeição dos atuais acordos comerciais, controle da imigração e retorno de empregos industriais para os Estados Unidos.

A Síria é um palco crucial no combate ao Estado Islâmico, que é a prioridade de Trump no Oriente Médio. Em sua sabatina no Senado, o futuro secretário de Estado disse que a estratégia dos EUA envolverá o fortalecimento da cooperação com os curdos e a Turquia. Mattis, ex-CEO da petroleira Exxon Mobil também defendeu a saída de Bashar Assad do poder. Em geral, as propostas não diferem muito da visão do governo Barack Obama para a crise síria.

Os grandes contrastes são o veto a refugiados e a relação com Moscou, que provoca apreensão entre parlamentares republicanos e democratas. "Dois terços do Congresso têm uma visão muito negativa de Putin e da atuação da Rússia no mundo", observou Levitsky. O professor usa uma frase de Bette Davis no filme A Malvada para descrever sua expectativa em relação à gestão Trump: "Apertem os cintos. Será uma viagem turbulenta".

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