Ex-colônia de 'leprosos', condado no Havaí tenta ser o último a sofrer com o coronavírus

Localizada na pequena ilha de Molokai, sua única cidade, Kalaupapa, só pode ser alcançada descendo penhascos de 500 metros, pegando um voo raro em um pequeno avião ou fazendo uma árdua viagem de quase 5 km de mula

PUBLICIDADE

Por Antonia Noori Farzan
Atualização:

O coronavírus atingiu agora todos os condados dos Estados Unidos - até mesmo um posto avançado havaiano remoto que era o último reduto remanescente.

PUBLICIDADE

Até recentemente, o Condado de Kalawao, que tem menos de 100 residentes e foi usado como colônia de doentes de hanseníase (conhecida antigamente por lepra) por décadas, era o único condado do país que não havia relatado um único caso de covid-19.

Mas mesmo estando tão isolado do restante do mundo, ao ponto de suprimentos básicos precisarem ser levados de barcaça uma vez por ano, o vírus ainda conseguiu chegar lá, como relatou o Wall Street Journal na quinta-feira.

De acordo com as autoridades de saúde do Havaí, um residente que viajou para fora da comunidade testou positivo depois de voar para casa em dezembro, encerrando a corrida impressionante do Condado de Kalawao. O que poderia ter sido um surto desastroso foi evitado por pouco, porque aquele indivíduo seguiu as diretrizes de auto-quarentena do condado na chegada - assim como os outros passageiros que com quem ele tiveram contato próximo durante o voo.

Em imagem de arquivo, vista de Kalaupapa, cujo acesso pode ser por viagens de mulas; herança de cuidados ajudou a evitar grande surto de coronavírus Foto: M.L. Lyke for The Washington Post.

O fato de o Condado de Kalawao ter permanecido livre de vírus por tanto tempo pode ser parcialmente atribuído à geografia. Localizada na pequena ilha de Molokai, sua única cidade, Kalaupapa, só pode ser alcançada descendo penhascos de 500 metros, pegando um voo raro em um pequeno avião ou fazendo uma árdua viagem de quase 5 km de mula.

Essa reclusão também explica sua dolorosa história: em 1865, o Havaí decidiu que qualquer pessoa com diagnóstico de lepra - agora conhecida como hanseníase - seria exilada para o resto da vida.

Milhares de pacientes nunca tiveram permissão para deixar o pequeno local e só podiam interagir com os parentes visitantes por meio de uma tela de arame. Embora alguns acabassem se casando com outros pacientes e fazendo o melhor para levar uma vida normal, os pais muitas vezes levavam seus bebês recém-nascidos para um berçário por medo de que a doença pudesse ser transmitida a um filho.

Publicidade

Em 1969, após a introdução da cura para a hanseníase, o Havaí finalmente derrubou a política de quarentena obrigatória. Mas alguns pacientes optaram por ficar na ilha porque se acostumaram ao estilo de vida e temiam o estigma que poderiam enfrentar em outro lugar. Embora a maior parte do Condado de Kalawao seja agora um parque nacional, cerca de uma dúzia de sobreviventes ainda vive lá hoje, sob os cuidados do Estado.

"Nossos pacientes têm, em média, 86 anos. Todos eles têm outros problemas de saúde, então eles correm um risco extremamente alto de mortalidade", disse ao KHON Baron Chan, chefe da unidade de hanseníase do Departamento de Saúde do Havaí, em outubro.

Antes da pandemia, o Condado de Kalawao tinha cerca de 100 residentes, incluindo funcionários do Serviço Nacional de Parques e profissionais de saúde, disse Chan. Mas quase metade desse número foi embora desde o início de março, quando as autoridades estaduais de saúde tomaram medidas agressivas para proteger os residentes restantes que já foram pacientes com hanseníase. Visitantes de fora do condado foram barrados e residentes que partiram para outras partes da ilha ou do Estado foram informados que teriam de ficar em quarentena por duas semanas após o retorno.

À medida que o número de mortes causadas pelo coronavírus em todo o país atingia números impressionantes, muitos no Condado de Kalawao passaram a agradecer essas restrições. “Não quero ir para Honolulu! Você sabe, não quero ir para as outras ilhas neste momento”, disse a irmã Alicia Damien Lau, uma residente, à KHON em outubro. "Você fica tão paranóico."

Na verdade, Kalawao já estava tão comprometido em seguir as diretrizes de saúde pública que a descoberta do primeiro caso de coronavírus não causou muito impacto, disseram os moradores ao Maui News. As pessoas começaram a usar máscaras muito antes de serem obrigatórias em todo o Estado, e o condado já estava efetivamente confinado, com a maioria das tarefas não essenciais suspensas.

"Não acho que haja medo", disse o padre Patrick Killilea, da única igreja católica do Condado de Kalawao, ao jornal. "O restante de nós só tem que ter cuidado como sempre."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.