O Oriente Médio passa por um momento de mudanças que podem redefinir a região por décadas. Especialmente, os olhos recaem sobre como serão os futuros da Síria e da Palestina, especialmente da Faixa de Gaza. Nada está definido, com sinais diferentes, aspectos contraditórios e declarações públicas que não são coerentes com as ações concretas dos emissores. No caso sírio, entretanto, alguns cenários podem ser especulados.
A Síria já possui um novo líder, supostamente “interino”, Ahmed al-Sharaa. Ele foi aclamado em uma cerimônia de vitória no dia 29 de janeiro, cercado por homens ligados a atos terroristas. O próprio al-Sharaa tinha, até pouco tempo atrás, uma recompensa de dez milhões de dólares por sua cabeça pelos EUA, que considera seu grupo, o Tahrir al-Sham, um grupo terrorista. Hoje, o HTS será o núcleo do novo exército sírio.
Quando da recompensa oferecida, al-Sharaa era mais conhecido por seu nome de guerra, al-Jolani. O nome foi deixado de lado, assim como a barba desgrenhada, as roupas camufladas e a cobertura de cabeça. Agora, a ordem do dia é barba bem aparada, ternos e a ofensiva de imagem mencionada em nossa coluna de 11 de dezembro de 2024. A incógnita, no caso sírio, é saber o quanto é imagem, o quanto é mudança concreta.

O que é certeza é que a Síria de al-Sharaa terá na Turquia o seu principal parceiro, para não dizer suserano. A Turquia já era a principal mantenedora da coalizão de forças liderada pelo HTS. Agora, o líder sírio se encontrou com o presidente turco e foram anunciados uma série de acordos. A reconstrução da Síria será oportunidade para empresas turcas, e o território sírio será sede de bases aéreas para a força aérea turca.
Principalmente, os milhões de refugiados sírios na Turquia serão “incentivados” ao retorno. Já os curdos, o inimigo prioritário de Erdogan e que efetivamente controlam uma parte do território sírio, não terão a mesma liberdade de antes. Além da relação com a Turquia, entretanto, existem poucas certezas sobre o futuro sírio, tanto para sua política doméstica quanto para seu papel nesse novo Oriente Médio.
Em uma hipótese, a Síria se tornará um Estado controlado por integrantes de grupos fundamentalistas e governado por preceitos religiosos. A constituição, inclusive, já foi anulada, supostamente para a elaboração de uma nova carta. Nesse caso, além da Turquia, que possui até general no novo exército sírio, podemos esperar relações próximas com o Catar, país rico em gás e que precisa diversificar suas relações regionais.
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O Catar é visto com desconfiança por quase todos os países da região, e também pelos EUA, devido ao seu papel em viabilizar politicamente e financiar o Hamas nos últimos anos. Financiamento, diga-se, articulado por Binyamin Netanyahu, no que é tema para outra coluna. A desconfiança pelos países árabes também se explica pela relação entre a monarquia catari e a Irmandade Muçulmana, vista como inimiga pela maioria dos países.
A pequena monarquia do Golfo também financiou grupos extremistas sunitas na Síria desde o início da Guerra Civil, o que potencialmente inclui o Daesh, o “Estado Islâmico”. A derrubada de Assad era uma pauta catari, até isso ser eclipsado pela ascensão terrorista e pela crise com a Arábia Saudita entre 2017 e 2021. Esse possível “eixo” entre Catar, Síria e Turquia criaria uma nova dinâmica regional.
Tal dinâmica desagradaria Israel, que perderia sua presença nos céus da Síria. Também poderia impor pressão no Iraque, pela questão curda e na questão sectária entre xiitas e sunitas. Também poderia fortalecer os sunitas no vizinho Líbano, já marcado pelas divisões sectária. Finalmente, melhoraria a posição do Catar em relação aos seus vizinhos árabes do Golfo, mostrando que o país não está tão isolado assim.
Em outra hipótese, a Síria de fato vai moderar ao menos algumas de suas pautas e se aproximar de países europeus e até mesmo, em um longo prazo, de Israel. Em entrevista recente, al-Sharaa fez algo quase inimaginável, ao falar as palavras Estado de Israel, e não “entidade sionista” ou “ocupantes”. Ele sabe da necessidade de uma relação pragmática com Israel, vizinho hoje mais poderoso e que anexou e ocupa território soberano sírio.
A busca por parceiros europeus também é explicada pela presença de refugiados sírios na Europa, além de possíveis investimentos. Os europeus também podem oferecer incentivos aos sírios para não aceitarem a continuidade das bases russas em seu território. O país árabe rico do Golfo dessa equação seriam os Emirados Árabes Unidos. Também poderia significar uma solução negociada com os curdos, apoiados pelos EUA, ao menos por enquanto.
Ambos os cenários possuem em comum a derrota iraniana. O Irã está fora da Síria. Seu proxy Hezbollah está no momento mais fraco de sua história, sem um ministério importante no novo governo libanês. As milícias iraquianas cogitam romper com Teerã. Isso não quer dizer, entretanto, que o Irã está morto, mas enfraquecido, e que precisará se reinventar. Termo muito apropriado para uma das regiões mais dinâmicas da política internacional.