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Nacionalistas chineses criticam nas redes sociais resposta ‘branda’ do governo à crise em Taiwan

Declarações oficiais na véspera da viagem de Nancy Pelosi fez nacionalistas da China esperarem mais

Por Li Yuan
Atualização:

Não é frequente que chineses digam publicamente que estão decepcionados com o governo ou que têm vergonha dele. Que querem renunciar aos títulos de membro do Partido Comunista e que consideram o Exército de Libertação Popular um desperdício do dinheiro dos contribuintes.

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É ainda mais raro quando comentários furiosos como esses partem de nacionalistas, que normalmente apoiam a posição dos líderes.

Durante grande parte da segunda e da terça-feira, muitos aplaudiram a retórica dura do governo, de militares e de personalidades que tentavam evitar a viagem de Nancy Pelosi. Mas, enquanto o avião da presidente da Câmara dos EUA aterrissava em Taiwan, tarde da noite na terça-feira (horário local), algumas pessoas utilizaram as redes sociais para expressar decepção em relação à resposta fraca de Pequim.

Nenhuma ação militar no Estreito de Taiwan, como eles sentiam que haviam sido levados a esperar. Nenhuma derrubada de aeronave, nenhum ataque com míssil, nenhum caça de combate voando ao lado do avião de Pelosi. Apenas algumas denúncias e anúncios de exercícios militares.

Imagem mostra Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos EUA, em visita a área de segurança da zona desmilitarizada entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, na quinta-feira, 4 de agosto Foto: via AFP

Muita gente reclamou afirmando se sentir decepcionada com o governo e que Pequim havia mentido para as pessoas. “Não aja como se tivesse poder se você não tem poder”, escreveu um usuário do Weibo identificado como @shanshanmeiyoulaichi2hao pouco depois da aterrissagem do avião de Pelosi. “Que perda de dignidade!”

O usuário foi além, afirmando que o governo não merece o povo que havia esperado horas para testemunhar como a história é feita. “Uma grande nação. Que ironia!”

As fortes emoções expressadas online evidenciaram a complexidade da opinião pública que Pequim terá de administrar se decidir invadir Taiwan. E demonstraram que o nacionalismo é uma faca de dois gumes, facilmente capaz de se voltar contra o governo. Alguns comentários antiguerra que conseguiram escapar dos censores, mesmo que por pouquíssimos instantes, também abriram uma janela para o impacto psicológico da guerra na Ucrânia sobre a opinião pública chinesa.

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Muitos usuários pareceram especialmente desapontados com o Ministério de Relações Exteriores. “Quando a China falou ‘condeno firmemente’ e ‘declaro solenemente’ foi apenas para entreter as pessoas comuns, como nós”, afirmou um usuário do Weibo identificado como @shizhendemaolulu, referindo-se às terminologias que porta-vozes da chancelaria chinesa usaram para se referir à visita de Pelosi.

“Tão forte quando trata de governança doméstica e tão covarde nos assuntos externos”, escreveu o usuário. “Absolutamente decepcionante!”

Na tarde da quarta-feira, uma porta-voz do Ministério de Relações Exteriores, Hua Chunying, respondeu a uma pergunta sobre a decepção do público afirmando acreditar que o povo chinês é racional e patriota e que os chineses confiam em seu país e seu governo.

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O Partido Comunista Chinês tem usado o nacionalismo como ferramenta de governo desde a era de Mao. Xi Jinping, o atual líder maior da China, levou-o a um novo nível. “O nacionalismo está se tornando um pilar central tanto do partido quanto da legitimidade política pessoal de Xi”, escreveu Kevin Rudd, diretor-executivo da Asia Society e ex-primeiro-ministro da Austrália, em seu livro “The Avoidable War: The Dangers of a Catastrophic Conflict Between the U.S. and Xi Jinping’s China” (A guerra evitável: Perigos de um conflito catastrófico entre os EUA e a China de Xi Jinping).

A unificação de Taiwan, uma democracia autogovernada que Pequim considera parte de seu território, com a China continental é um elemento central do nacionalismo chinês.

Mas conforme Rudd e outros argumentam, certas vezes provou-se difícil controlar o gênio nacionalista após ele ser retirado da lâmpada. “O problema tem se tornado progressivamente maior sob Xi Jinping, à medida que os apelos nacionalistas se movem das margens para o centro do atual aparato da propaganda chinesa”, escreveu ele.

As críticas online desta semana são um exemplo.

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A maioria dos chineses não estava prestando muita atenção à possibilidade de Pelosi visitar Taiwan até a tarde da segunda-feira, quando uma torrente de declarações oficiais e semioficiais levou muitos a crer que a China adotaria ações duras, possivelmente militares, para impedi-la.

Zhao Lijian, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores que pode ser o mais conhecido diplomata chinês em estilo “wolf warrior” — agressivo e coercivo —, alertou os EUA na segunda-feira que o ELP “jamais ficaria passivo. A China definitivamente adotará contramedidas resolutas e fortes para defender sua própria soberania e integridade territorial”. No website do Diário do Povo, o jornal oficial do Partido Comunista, um artigo de dois parágrafos a respeito de seus comentários teve 2,7 milhões de visualizações.

Presidente da China, Xi Jinping, no discurso de posse do novo governo de Hong Kong, em 1º de julho. Nacionalismo chinês cresceu sob o seu governo Foto: Selim Chtayti / Reuters

Naquela noite, o Comando do Teatro Oriental do ELP, que cobre Taiwan, postou no Weibo que aguardava a ordem para entrar em combate e “enterraria todos os inimigos invasores”. O post obteve mais de 1 milhão de likes, e o vídeo embedado na publicação, exibindo imagens de bombardeios e explosões, teve mais de 47 milhões de visualizações.

E então há Hu Xijin, ex-editor-chefe do Global Times, o tabloide do Partido Comunista que provavelmente desempenhou o papel mais relevante em atiçar o nacionalismo chinês ao longo das últimas três décadas.

Primeiro Hu sugeriu no Twitter, na semana passada, que a China deveria derrubar o avião de Pelosi se ela visitasse Taiwan. No Weibo, ele conclamou seus cerca de 25 milhões de seguidores a “apoiar todas as contramedidas do governo e compartilhar do ódio ao inimigo”.

“Certamente lançaremos fortes contramedidas para atingir os EUA e Taiwan”, escreveu ele na terça-feira. “Tão duras que as autoridades de Taiwan se arrependerão.”

Depois que o avião de Pelosi pousou em Taipei, a China emitiu várias declarações em termos contundentes condenando a visita da congressista americana e anunciou uma série intimidadora de exercícios militares em torno da ilha. Mas a falta de uma ação militar direta fez muitos nacionalistas se sentirem enganados. Seus heróis, incluindo Hu e Zhao, perderam credibilidade.

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Agora, eles zombam de Zhao postando um curto vídeo dele fazendo suas delações na segunda-feira. Na noite da terça-feira, a conta de Hu no Weibo foi inundada de comentários furiosos, sarcásticos e abusivos. “Se eu fosse você, estaria tão envergonhado que não ousaria pronunciar mais nenhuma palavra e me esconderia até o dia da reunificação de Taiwan”, comentou um usuário do Weibo identificado como @KAGI_02. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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