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Operação do FBI une republicanos em apoio a Trump e dilui efeito de derrota de Cheney; leia análise

Mandado contra ex-presidente mobilizou base de Trump e ofuscou consequências da derrota de Cheney

Por Philip Bump

Há dez dias, a derrota da deputada federal Liz Cheney (republicana do Wyoming) na tentativa de disputar a reeleição para o cargo já era quase uma certeza. Não havia muitas pesquisas sobre a disputa, mas sondagens mostravam Cheney mais de 20 pontos atrás – uma margem que desencoraja institutos a investirem em mais pesquisas. A retórica anteriormente desafiadora de Cheney a respeito da disputa foi tingida com resignação.

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A verdadeira disputa não foi entre Cheney e Harriet Hageman, vencedora da indicação dos Republicanos para a única cadeira de Wyoming na Câmara dos Deputados. Foi entre Liz Cheney e Donald Trump, e Trump tinha vantagem.

O esforço genuíno de Cheney em estabelecer um limite que diferenciasse o seu Partido Republicano da linha de Trump, falando diretamente sobre a invasão no Capitólio, mostrou que a linha política defendida por ela simplesmente não possui tantos membros. Talvez os tenha nos subúrbios da Virgínia, mas certamente não no Wyoming.

Ex-presidente Donald Trump discursa durante Conferência da Ação Política Conservadora, no dia 6 deste mês. Magnata viu base se mobilizar após operação do FBI em uma de suas residências Foto: Emil Lippe / NYT

Então, aconteceu algo que não poderia ter sido pior para a posição de Cheney: a operação de busca na mansão de Trump em Mar-a-Lago, que deu aos republicanos um novo motivo para se unir em defesa do ex-presidente.

Repito, Cheney perderia de qualquer maneira. Os eleitores da primária republicana preferiam Hageman e Trump. Mesmo se todos os eleitores democratas e independentes tivessem se filiado ao Partido Republicano para ajudar Cheney – como fizeram alguns –, o número de republicanos defensores de Trump os superaria. O tamanho da esperança de Cheney dependia dos republicanos leais a Trump estarem indiferentes, e a base dela, energizada.

Não posso afirmar com certeza que isso não ocorreu da mesma forma que não posso afirmar com certeza que um poste de luz não passaria subitamente a berrar placares de jogos de basquete. O que posso sim afirmar é que havia pouco motivo para pensar que isso fosse provável antes de até mesmo as correntes republicanas consistentemente céticas em relação a Trump subitamente passarem a apoiá-lo em detrimento da operação federal. A ladeira que Cheney passou a encarar em sua luta transformou-se na subida do Monte Everest.

Muitos elementos podem ser identificados como o início do caminho que levou à derrota de Cheney na noite da terça-feira. Eu elencaria este: uma conferência de imprensa no fim de fevereiro de 2021, na véspera do comparecimento de Trump à Conferência da Ação Política Conservadora.

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Respondendo a uma pergunta sobre sua opinião a respeito de Trump dever discursar no evento, o líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy (republicano da Califórnia), prontamente apoiou a ideia. O período de menos de uma semana durante o qual McCarthy havia expressado preocupação a respeito das ações de Trump em relação à invasão no Capitólio desapareceu até de seu retrovisor – passou a pertencer à história antiga de uma civilização perdida e esquecida.

Então, a mesma pergunta foi feita para Cheney. Da mesma forma que a constrangedora mudança de posição de McCarthy no microfone, Cheney foi direta: Trump não deveria desempenhar nenhum papel no futuro do partido. McCarty foi para um lado, Cheney para outra.

Ao longo dos 18 meses seguintes, McCarthy – a encarnação da amabilidade do establishment em relação a Trump – e Cheney cavaram suas trincheiras. Cheney apoiou a formação de uma comissão parlamentar para investigar a insurreição e foi nomeada sua vice-presidente. Contra a vontade de McCarthy, repare. Ele se opôs à comissão e se recusou a indicar republicanos para participar.

Além de explorar as maneiras pelas quais Trump tentou permanecer no poder depois da derrota em 2020, Cheney deixou óbvio que um dos desfechos que ela mirava era colocar obstáculos entre Trump e qualquer possibilidade de seu retorno à Casa Branca. (Ela afirmou isso explicitamente no discurso em reconhecimento à sua derrota.) A maioria dos republicanos – mesmo aqueles que esperavam ser capazes de derrotar Trump nas primárias de 2024 – ou apoiou Trump em detrimento da comissão ou ficou calada.

Harriet Hageman discursa para apoiadores em Wyoming após derrotar Liz Cheney nas primárias do Partido Republicano nesta terça-feira, 16. Candidata foi nome escolhido por Trump no Estado Foto: Stephen Speranza / NYT

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Apesar da força de sua posição política, o ex-presidente resolveu salgar a terra. Trump vociferou contra Cheney e a comissão em toda oportunidade que teve; anunciou seu apoio a Hageman quase um ano atrás; e atacou Cheney o quanto pôde desde então. Trump não quis apenas derrotar Cheney por ela ter votado a favor de seu impeachment em 13 de janeiro de 2021. Trump quis destruir a carreira de Cheney, para ter o momento que teria na noite da terça-feira ou na manhã da quarta, no qual ele proclamaria ruidosamente sua própria vitória. (Atualização: isso ocorreu na noite da terça.) Ele quis a cabeça de uma figura notória espetada na ponta de uma lança para ostentá-la diante dos portões de Mar-a-Lago como alertar para dos demais.

Repito: Trump venceria houvesse o que houvesse. Mas então a operação de busca aconteceu.

O ex-vice-presidente Mike Pence entrou na linha de Trump. O governador da Flórida, Ron DeSantis, também entrou na linha. Até o governador Larry Hogan, de Maryland, um Estado de inclinação democrata, deu uma declaração simpática a Trump. Comentaristas conservadores que vinham se mostrando críticos a Trump em certa medida subitamente de viram opinando contra o perigoso precedente de uma “batida” na casa de um ex-presidente. Ainda restava um pequeno bolsão de ar para a sobrevivência de republicanos que não queriam se alinhar ativamente com Trump – mas esse respiro, ao que parece, logo se acabou.

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Duas semanas atrás, a grande história poderia ter sido a respeito da maneira que a derrota de Cheney revela o controle de Trump sobre o Partido Republicano. Com isso, apesar dos terremotos, cabe a ele fazer o que bem entender. Mas não precisamos reforçar essa lição agora. A derrota de Cheney não é uma ruptura – é um tremor secundário.

Em alguma outra dimensão, a revelação de que Trump estava escondendo documentos em Mar-a-Lago teria inspirado uma nova cautela dentro do Partido Republicano a respeito de sua liderança. Mas se essa dimensão fosse uma em que Cheney conseguisse disputar a reeleição, teria sido Kevin McCarthy, não ela, a rejeitar Trump naquele microfone em fevereiro de 2021. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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