Putin vai apertar o botão nuclear? Ameaça é real, mas difícil, dizem analistas

É difícil, mesmo para agências de inteligência ocidentais com satélites espiões, dizer se Putin está blefando ou realmente pretende quebrar o tabu nuclear

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Por John Leicester

ASSOCIATED PRESS - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, puxará o gatilho nuclear? Para os analistas do Kremlin tentando descobrir se as ameaças nucleares do líder russo são apenas blefes, não há questão mais urgente - ou difícil.

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Por enquanto, a maioria sugere cautelosamente que o risco de Putin usar o maior arsenal nuclear do mundo ainda parece baixo. A CIA diz que não viu sinais de um ataque nuclear russo iminente.

Ainda assim, suas promessas de usar “todos os meios à disposição” para defender a Rússia enquanto ele trava a guerra na Ucrânia estão sendo levadas muito a sério. E sua afirmação na sexta-feira de que os Estados Unidos “criaram um precedente” ao lançar bombas atômicas na 2ª Guerra aumentou ainda mais as apostas nucleares.

Foto de arquivo tirada de um vídeo fornecido pelo Serviço de Imprensa do Ministério da Defesa da Rússia em 19 de fevereiro de 2022 mostra um míssil balístico intercontinental Yars sendo lançado de um campo aéreo durante exercícios militares Foto: Ministério de Defesa da Rússia via AP

A Casa Branca alertou para “consequências catastróficas para a Rússia” se Putin usar armas nucleares. Mas se isso vai ficar na mão de Putin é uma incógnita.

Observadores do Kremlin reconhecem que é impossível ter pistas do que ele está pensando ou mesmo se ele é racional e bem informado o suficiente.

O ex-agente da KGB demonstrou um apetite por risco e uma arrogância incomuns para alguém em sua posição. É difícil, mesmo para agências de inteligência ocidentais com satélites espiões, dizer se Putin está blefando ou realmente pretende quebrar o tabu nuclear.

“Não vemos nenhuma evidência prática hoje na comunidade de inteligência dos EUA de que ele está se aproximando do uso real, de que há uma ameaça iminente de usar armas nucleares táticas”, disse o diretor da CIA William Burns à CBS News.

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“O que temos que fazer é levar isso muito a sério, observar os sinais de preparativos reais”, disse Burns.

Os observadores do Kremlin estão em dúvida em parte porque não veem como a força nuclear poderia ajudar muito a reverter as perdas militares da Rússia na Ucrânia.

As tropas ucranianas não estão usando grandes concentrações de tanques para recuperar o terreno, e o combate às vezes ocorre em lugares tão pequenos quanto aldeias. Então, o que as forças nucleares russas poderiam almejar para chegar à vitória?

“As armas nucleares não são uma varinha mágica”, disse Andrei Baklitski, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa de Desarmamento da ONU, especializado em risco nuclear. “Não são algo que você apenas usa e resolve todos os seus problemas militares.”

Analistas esperam que o tabu que cerca as armas nucleares seja um freio para Putin. A escala horrível do sofrimento humano em Hiroshima e Nagasaki depois que os Estados Unidos destruíram as cidades japonesas com bombas atômicas em 6 e 9 de agosto de 1945 foi um argumento poderoso contra o uso repetido de tais armas. Os ataques mataram 210.000 pessoas.

Desde então, nenhum país usou uma arma nuclear. Analistas supõem que até Putin pode achar difícil se tornar o primeiro líder mundial desde o presidente dos EUA, Harry Truman, a lançar uma bomba nuclear em um adversário.

“Ainda é um tabu na Rússia cruzar esse limite”, disse Dara Massicot, pesquisadora sênior de políticas da Rand Corporation, um centro de estudos americano, e ex-analista de capacidades militares russas no Departamento de Defesa dos EUA.

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“Tomar essa medida seria uma das maiores decisões da história da Terra”, disse Baklitskii. A reação pode transformar Putin em um pária global.

“Quebrar o tabu nuclear imporia, no mínimo, completo isolamento diplomático e econômico à Rússia”, disse Sidharth Kaushal, pesquisador do Royal United Services Institute em Londres, especializado em defesa e segurança.

Armas nucleares de longo alcance que a Rússia poderia usar em um conflito direto com os Estados Unidos estão em prontidão para uso. Mas seus estoques de ogivas para alcances mais curtos - as chamadas armas táticas que Putin pode estar tentado a usar na Ucrânia - não são, dizem os analistas.

“Todas essas armas estão armazenadas”, disse Pavel Podvig, outro pesquisador sênior especializado em armas nucleares em um centro de estudos de desarmamento da ONU em Genebra. “Você precisa tirá-los do bunker, carregá-los em caminhões, e depois casá-los com mísseis ou outros sistemas de lançamento”, disse ele. “Isso demora alguns dias, e nada disso aconteceu até agora.”

A Rússia não divulgou um inventário completo de suas armas nucleares táticas e suas capacidades. Putin poderia ordenar que uma quantidade menor fosse preparada várias vezes para uso surpresa.

Mas remover abertamente as armas do seu armazenamento também é uma tática que Putin poderia empregar para aumentar a pressão sem usá-las. Ele esperaria que os satélites dos EUA detectassem a atividade, e esperaria que mostrar seus dentes nucleares pudesse assustar as potências ocidentais para reduzir o apoio à Ucrânia.

O presidente russo Vladimir Putin observa através de binóculos com o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu próximo, durante o exercício estratégico conjunto das forças armadas da Federação Russa e da República da Bielorrússia Zapad-2021 no campo de treinamento Mulino em Nizhny Novgorod região, Rússia, em 13 de setembro de 2021 Foto: Sergei Savostyanov/Sputnik/Kremlin via AP

“É exatamente nisso que os russos estariam apostando, que cada escalada fornece ao outro lado uma ameaça real, mas também uma saída para negociar com a Rússia”, disse Kaushal.

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Ele acrescentou: “Existe uma espécie de gramática para sinalização nuclear e inteligência, e uma lógica para isso que é mais do que apenas, você sabe, um louco um dia decide seguir em frente com esse tipo de coisa e apertar um botão”.

Os analistas também esperam outras escaladas antes de um lançamento nuclear de fato, incluindo ataques russos na Ucrânia usando armas não nucleares.

“Acho que não haverá um relâmpago nuclear do nada”, disse Nikolai Sokov, que participou de negociações de controle de armas quando trabalhava para o Ministério das Relações Exteriores da Rússia e agora está no Centro de Desarmamento e Não-Proliferação de Viena.

Os analistas também lutam para identificar alvos no campo de batalha que valeriam o enorme preço que Putin pagaria. Se um ataque nuclear não impedisse os avanços ucranianos, ele atacaria de novo e de novo?

Podvig observou que a guerra não tem “grandes concentrações de tropas” como alvo. Atacar cidades, na esperança de chocar a Ucrânia com a rendição, seria uma alternativa terrível.

“A decisão de matar dezenas e centenas de milhares de pessoas a sangue frio é uma difícil de tomar e de justificar”, disse ele.

Putin pode estar esperando que apenas as ameaças reduzam o fornecimento de armas ocidentais para a Ucrânia e ganhem tempo para treinar 300.000 soldados adicionais que ele está mobilizando, provocando protestos e um êxodo de homens em idade de serviço militar.

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Mas se a Ucrânia continuar a reverter a invasão, e Putin se achar incapaz de assegurar o território que tomou, os analistas temem um risco crescente de ele decidir que suas opções não nucleares estão se esgotando.

“Putin está realmente implodindo muitas pontes atrás dele agora, com mobilização, anexando novos territórios”, disse Dara Massicot, pesquisadora sênior de políticas da Rand Corporation.

“Isso sugere que ele está apostando tudo em ganhar em seus termos”, acrescentou ela. “Estou muito preocupada sobre onde isso nos leva – e pode incluir, no final, uma espécie de decisão nuclear.”

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