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Quais serão os próximos planos militares de Israel em Gaza contra o Hamas; leia a análise

O grande desafio do exército israelense tem sido esmagar o Hamas sem matar os cerca de 240 reféns israelenses e de outros países mantidos em cativeiro no subsolo

Por David Ignatius

TEL-AVIV — Depois de semanas de combate duro e um número de morte de civis horripilante, comandantes militares israelenses veem a guerra em Gaza movendo-se para uma nova fase, que requererá menos soldados e muito menos bombardeios, deverá resultar em menos baixas palestinas — e, esperam eles, sepultará o Hamas em seu labirinto de túneis subterrâneos.

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Olhando para o mapa percebemos um aliado natural de Israel: o Mar Mediterrâneo. Acionar soldados israelenses para missões dentro dos túneis seria uma batalha longa e custosa; bombardear os túneis seria caótico e poderia resultar em ainda mais mortes de civis. Mas o fato geográfico de Gaza beirar o Mediterrâneo pode dar a Israel uma vantagem no desfecho deste conflito.

A guerra em Gaza tem sido uma tragédia desde o perverso ataque terrorista do Hamas que a desencadeou, em 7 de outubro, até a catástrofe humanitária que se seguiu sobre os palestinos. Militarmente, a campanha israelense contra o Hamas tem sido implacável e bem-sucedida. Mas muitos israelenses reconhecem que têm perdido a guerra da informação conforme o mundo assiste às imagens do terrível sofrimento palestino.

Soldados israelenses disparam durante uma operação da IDF contra o grupo islâmico palestino Hamas, em um local indicado como Gaza nesta imagem divulgada em 16 de novembro de 2023. Foto: Forças de Defesa do Israel via REUTERS

Na Cidade de Gaza, na semana passada, eu testemunhei a marcha vagarosa de refugiados palestinos fugindo da carnificina. Essas imagens de cidadãos traumatizados e despossuídos em Gaza deixaram em mim uma impressão indelével. Mas também me fizeram querer entender melhor como Israel está forjando seu plano para a guerra. A liderança do país sabe aonde a campanha em Gaza chegará?

Para conseguir algumas respostas, eu me reuni com uma dúzia de altos comandantes das Forças de Defesa de Israel (IDF). A maioria das entrevistas ocorreu no complexo militar conhecido como “Kirya”, na região central de Tel-Aviv, onde soldados jovens e reservistas atravessam o portão dia e noite. Os indivíduos com que conversei são soldados profissionais e ponderados. Fiquei impressionado com sua capacidade e dedicação.

Mas eis a verdade: Israel não tem nenhuma concepção clara para “o dia seguinte”. Líderes políticos e comandantes militares concordam a respeito da necessidade de destruir o Hamas e cortar qualquer conexão de Israel com Gaza. Mas não há consenso sobre os passos seguintes. Comandantes militares e líderes políticos têm ideias, esperanças e ambições. E cada vez mais se dão conta de que, se Israel não trabalhar muito melhor em relação às questões humanitárias desta guerra, isso prejudicará suas relações com Estados Unidos, Europa e seus vizinhos árabes, como Jordânia, Egito, Emirados Árabes Unidos e talvez Arábia Saudita.

O ministro da defesa israelense, Yoav Gallant, afirmou em um comunicado que está aberto para qualquer solução que permita a Israel cortar a ligação com Gaza — contanto que o desfecho siga uma fórmula simples: “No fim da guerra, o Hamas será destruído, não haverá mais nenhuma ameaça militar a Israel a partir de Gaza, e Israel não ficará em Gaza”.

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O objetivo em Gaza é “nem Hamas, nem caos”, afirmou o almirante Daniel Hagari, chefe do setor de comunicações das IDF. OK, mas isso não diz muito a respeito do caminho adiante.

A maior lição que aprendi com as conversas que tive por aqui é que Israel e os palestinos precisam de ajuda para imaginar seu futuro — especialmente dos EUA. Os combatentes estão imersos demais neste conflito e traumatizados demais para pensar no que virá depois. É aí que os amigos podem ajudar.

Um alerta aos leitores: esta reportagem é uma tentativa de examinar como Israel está conduzindo o que poderá vir a ser a mais difícil e controvertida guerra urbana na história moderna; esta apuração percebe este terrível conflito principalmente através de visões israelenses. Mas eu devo aos meus leitores meu próprio julgamento: esta guerra me convenceu, mais que nunca, que os palestinos precisam de um Estado próprio e bem administrado, sem o Hamas, onde possam viver dignamente e em paz com Israel, da mesma maneira que a maioria de seus vizinhos árabes fazem atualmente. Se os EUA forem capazes de ajudar os palestinos a alcançar tal objetivo, esta guerra, com todos os seus horrores, poderia produzir algo bom.

Soldados israelenses inspecionam casas destruídas por militantes do Hamas no Kibbutz Nir Oz, sul de Israel, terça-feira, 21 de novembro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

Quase todos os oficiais militares israelenses com que me encontrei começaram a contar sua história da mesma maneira: o que ele ou ela estava fazendo às 6h30 de 7 de outubro, quando ouviram os primeiros relatos a respeito do perverso ataque do Hamas. Era fim de semana e feriado; a maioria dos soldados estava com suas famílias. Quando a notícia se espalhou, muitos militares foram imediatamente se apresentar às suas unidades; alguns relataram que ensinaram rapidamente suas mulheres e filhos a disparar armas automáticas. Naqueles primeiros dias, as IDF estavam abaladas e surpreendidas. Os comandantes nunca tinham imaginado um ataque como aquele.

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Os chefes das IDF em Kirya tiveram de fazer planos apressadamente naqueles primeiros dias, em vez de seguir o roteiro que guiou todas as guerras desde 1982. Os líderes israelenses estavam tão preocupados com a possibilidade do Irã e seus apoiadores explorassem sua desorientação que o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu quase lançou um ataque preventivo contra o Hezbollah no Líbano. Afortunadamente, mentalidades mais ponderadas prevaleceram.

Nos primeiros dias, um duro plano de batalha foi forjado. A primeira fase da guerra seria três semanas de bombardeios implacáveis da Força Aérea israelense contra a infraestruturas do Hamas — dando tempo para os soldados se concentrarem e treinarem para uma invasão terrestre e permitindo aos estrategistas considerar e preparar opções.

A segunda fase foi a invasão terrestre que começou em 27 de outubro; que, segundo avaliação dos comandantes duraria provavelmente três meses. Se essa fase da operação durar mais tempo, a economia israelense, que depende dos mais de 300 mil reservistas convocados, começará a sofrer.

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Um desafio agonizante para as IDF tem sido esmagar o Hamas sem matar os cerca de 240 reféns israelenses e de outros países mantidos em cativeiro no subsolo. Parece que vários reféns já morreram conforme a campanha avançou, mas nós não conhecemos nenhum detalhe.

O conceito da ofensiva terrestre foi simples: cortar Gaza em dois e empurrar os civis para o sul enquanto Israel ataca bases do Hamas no norte. O objetivo foi separar o Hamas da população civil, um preceito clássico da guerra de contrainsurgência. Os israelenses afirmam que espalharam panfletos, emitiram alertas e fizeram telefonemas. Mas francamente, essa estratégia foi irrealista: o Hamas estava por toda parte, e por semanas os civis não puderam ou não quiseram se deslocar para um lugar seguro. Presos em meio a uma troca de fogo selvagem.

Soldados israelenses trabalham em veículos militares blindados ao longo da fronteira de Israel com a Faixa de Gaza, no sul de Israel, na segunda-feira, 20 de novembro de 2023.  Foto: Ohad Zwigenberg / AP

O norte de Gaza está agora quase totalmente sob controle israelense. No processo, seus edifícios foram reduzidos a esqueletos de concreto. Na Rua Salah al-Din, em Gaza, há uma semana, eu vi prédios destruídos em todas as direções.

“O Hamas perdeu o controle no norte da Faixa de Gaza. Eles não têm esconderijo seguro”, afirmou Netanyahu no fim de semana passado. Um graduado oficial das IDF explicou o que aconteceu no norte de Gaza da seguinte maneira: “Para derrotar um sistema, você tem que romper seus pontos gravitacionais; daí ele cai”.

Esse sucesso no campo de batalha foi custoso na guerra da informação. Israel argumentou que o Hamas usando civis como escudo e se escondia até em hospitais, e o governo Biden apoiou essa afirmação. Mas conforme o número de mortes de palestinos aumentou, grande parte do mundo pareceu não se convencer.

A próxima fase terá foco sobre o sul de Gaza, para onde mais de 1 milhão de civis desesperados fugiram — provavelmente junto com um dos principais líderes políticos do Hamas, Yahya Sinwar, que, acreditam oficiais das IDF, estaria escondido em túneis sob sua cidade-natal, Khan Younis. Como fez no norte, as IDF tentarão separar o espaço de batalha — dividindo o restante de Gaza em alvos militares na área de Khan Younis e zonas seguras para civis a oeste. Mas essa separação poderá ser tão difícil quanto no norte — com civis novamente pegos no fogo cruzado.

Para dar assistência aos palestinos em fuga das zonas de batalha,Israel planeja criar uma vasta cidade de barracas para refugiados em Al-Mawasi, na costa imediatamente ao norte da fronteira de Gaza com o Egito. A localização deverá permitir que ajuda humanitária seja entregue facilmente por terra e mar. Depois das intensas críticas internacionais em razão das batalhas em hospitais no norte de Gaza, os comandantes israelenses querem criar rapidamente instalações médicas temporárias para milhares de civis feridos, ameaçados agora por fome e doenças infecciosas.

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Os israelenses precisam entender que esse apoio humanitário não é um tema periférico, isso é absolutamente essencial para eles alcançarem seus objetivos de guerra. Alguns generais veteranos reconhecem essa realidade. “O esforço humanitário deveria ser uma bola de neve, trazendo amigos do Golfo, Arábia Saudita, Jordânia e Egito”, afirmou um comandante. Mas eu não tenho certeza de que os políticos israelenses ou o público enfurecido e traumatizado estão convencidos disso.

Membros do Crescente Vermelho egípcio carregam em um caminhão ajuda humanitária para a Gaza devastada pela guerra, trazida por uma aeronave de carga Airbus A400M da força aérea francesa no Aeroporto Internacional de El-Arish em 20 de novembro de 2023. Foto: THOMAS SAMSON / AFP

Em um esforço de combater melhor a guerra da informação, as IDF estão adotando uma tática que a CIA usou eficazmente durante a guerra na Ucrânia — retirar classificação de segredo de dados de inteligência e revelá-los ao público. Porta-vozes das IDF afirmaram que existem interceptações de comunicações de civis furiosos com o Hamas, fotos do que eles dizem ser escolas na mesma rua que lançadores de foguetes e imagens de arsenais guardados dentro de hospitais, além de outras informações sensíveis.

Assumindo que as evidências das IDF sejam acuradas, a presença do Hamas nas proximidades de escolas e em hospitais justifica bombardeios que mataram tantos civis nessas regiões? Os militares israelenses têm regras de mira destinadas a limitar baixas civis. Mas os comandantes também levam em conta fatores como a presença de um alvo de grande importância, de uma arma estratégica ou de um grande complexo do Hamas — assim como a proteção dos soldados israelenses. Conforme os EUA descobriram ao combater a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, as regras do jogo são ajustadas.

A conclusão, segundo a percepção de comandantes israelenses, é que não existe dano colateral na guerra. Mas quando nós assistimos na TV uma cidade ser destruída por semanas a fio, a sensação é diferente.

Comandantes israelenses consideram esta guerra uma série de relógios, cada um correndo numa velocidade diferente. Os militares de Israel têm seu cronômetro para destruir o Hamas, que pode durar vários meses ou precisar ser ajustado; o Hamas tem um relógio de sobrevivência, que gostaria de ver funcionando o máximo possível; e os EUA e os aliados ocidentais têm um relógio de paciência — a qual parece ter quase se esgotado esta semana.

Os militares israelenses sabem que a única maneira de ganhar tempo é adotar táticas que reduzem danos a civis e fornecer ajuda humanitária. Um imperativo tanto moral quanto operacional. “Nós tentamos acertar cada um desses relógios todos os dias”, afirmou um graduado oficial das IDF.

Em razão dos cronogramas em competição, os militares israelenses adotaram o que seus comandantes descreveram como uma “árvore de decisão” de “planos flexíveis e adaptativos”. Um general citou o livro de memórias publicado recentemente pelo general aposentado Jim Mattis, ex-chefe do Comando Central e ex-secretário da Defesa dos EUA, segundo o qual a ausência de questionamento sobre a forma de uma campanha pode ser um erro fatal — e que um comandante sábio precisa de “uma mochila cheia de planos”. Foi isso o que as IDF desenvolveram.

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TOPSHOT - Palestinians receive bags of flour at the United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees (UNRWA) distribution center in the Rafah refugee camp in the southern Gaza Strip on November 21, 2023, amid ongoing battles between Israel and the Palestinian Hamas movement. (Photo by SAID KHATIB / AFP) Foto: SAID KHATIB / AFP

Há um intenso debate em Kirya neste momento a respeito de quando Israel poderá dispensar alguns de seus reservistas e reativar uma economia quase parada. A maioria dos líderes mais graduados concorda que, daqui a um ou dois meses, Israel poderá iniciar essas reduções de contingente e retirar soldados dos centros das cidades — formando brigadas de assalto menores no perímetro de Gaza para, digamos, atacar combatentes do Hamas quando eles saírem dos túneis.

Finalmente, há o problema inconveniente desses túneis — tantos que o Hamas se refere a eles como o “metrô” de Gaza.

Os comandantes das IDF decidiram não mandar seus soldados entrar nos túneis para perseguir os combatentes do Hamas. É perigoso demais até para a unidade israelense de elite criada especialmente para combates em túneis. O sistema tem armadilhas explosivas, portas de aço pesadas para evitar acesso fácil a robôs ou drones e uma série de outras defesas elaboradas.

Israel fez ataques aéreos contra os túneis no norte de Gaza, em um caso demolindo um quarteirão inteiro e matando civis que viviam lá. Mas além de castigar civis, esses bombardeios não são solução para as centenas de quilômetros de corredores subterrâneos repletos de barricadas e fortificações.

O desafio é alcançar e atingir os túneis. Ataques surpresa de direções inesperadas provavelmente surtiriam um efeito psicológico sobre o Hamas, além do nado físico. Em vez de buscar uma bala de prata para o problema do túnel, Israel poderia optar por uma série de pequenas vitórias.

O senso comum nos ensina como Israel pode atacar o sistema de túneis. Afinal, escavar o subterrâneo é um campo altamente desenvolvido da engenharia. Exploradores de petróleo desenvolveram técnicas de perfuração direcional horizontal (HDD) para ajudar a alcançar alvos difíceis. Quando cidades constroem linhas de metrô, elas usam poderosas máquinas de escavação; técnicas similares são usadas para instalar tubulações.

Soldados israelenses consertam trilhas de tanques perto da Faixa de Gaza, no sul de Israel, em 21 de novembro de 2023. Foto: MENAHEM KAHANA / AFP

Oficiais militares israelenses não comentaram sua estratégia para os túneis. Mas quando pressionado, Gallant, o ministro da Defesa, dá uma resposta ambígua: “Precisamos de uma solução industrial”.

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E então temos aquele interessante fato geográfico no Mar Mediterrâneo. A água é uma poderosa força da natureza — ainda mais quando amplificada por bombeamentos. Uma característica dos túneis subterrâneos é eles serem vulneráveis a inundações, mesmo que possuam elaborados sistemas de drenagem. As IDF certamente levam em conta o fato de Gaza localizar-se à beira do Mediterrâneo.

Uma arma final para Israel é o registro visual do que ocorreu em 7 de outubro, capturado por câmeras corporais dos terroristas do Hamas, sistemas de circuito interno dos kibutzim atacados, câmeras de dispositivos eletrônicos e outras fontes. O escritório do porta-voz das IDF produziu uma compilação de 45 minutos com os piores horrores. Eles querem mostrá-la para líderes árabes, congressistas e jornalistas.

Muitas pessoas descreveram as cenas abomináveis nesse vídeo, e eu lhes oferecerei seus relatos. O que ficou na minha mente não foram as cenas horripilantes de corpos carbonizados, mas a imagem de uma menina curvada, no chão, repetindo um mantra funesto: “Por quê? Por quê? Por quê? Por quê?”.

“As imagens são muito impressionantes. As pessoas perdem o sono”, disse-me uma das mais graduadas autoridades de Israel. Os líderes israelenses gostariam que outras pessoas também percam o sono.

Em meu último dia em Israel, eu visitei um empreendedor do setor de alta tecnologia chamado Eyal Waldman. Ele vive acima do 30.º andar de um novo arranha-céu de Tel-Aviv. De sua varanda, é quase possível ver Gaza, ao sul, e o Líbano, ao norte.

Waldman perdeu sua filha Danielle em 7 de outubro. Ela tinha ido com o namorado, com quem esperava se casar, ao festival musical organizado nas proximidades da fronteira com Gaza. O rapaz também foi morto.

A empresa de computadores que Waldman fundou é conhecida em Israel por contratar palestinos — mais de 100 da Cisjordânia e mais de 20 de Gaza — e poderia se pensar que ele reverteria essa política agora, com tanta dor no coração. Mas ocorre o contrário. Waldman afirmou que os palestinos ainda trabalham para a nova corporação-mãe de sua empresa. E ele debate preocupações em comum semanalmente com amigos árabes.

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“Nós precisamos parar de nos matar”, disse-me Waldman. “Levará tempo.” Eu lhe perguntei de que países são seus contatos árabes, mas ele não respondeu. Não é hora de falar abertamente a respeito da paz com os palestinos, afirmou Waldman. Mas ele ainda acredita que a paz está próxima. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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