Rússia chegou perto de capturar Zelenski no início da invasão na Ucrânia, diz presidente à revista americana

Presidente ucraniano relembrou primeiras horas da invasão da Ucrânia para reportagem da Time; russos tentaram invadir complexo presidencial de Kiev enquanto Zelenski estava lá

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Por Redação
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O presidente ucraniano Volodmir Zelenski quase foi capturado pelas tropas russas nas primeiras horas da invasão na Ucrânia, segundo o relato dele à revista americana Time. Em uma reportagem assinada pelo jornalista Simon Shuster nesta quinta-feira, 28, Zelenski afirma que soldados russos saltaram de paraquedas em Kiev na madrugada do dia 24 para capturá-lo ou assassiná-lo, em um momento em que o complexo presidencial não estava preparado para defendê-lo.

Militares ucranianos revelam à Time que barricadas foram montadas às pressas e de forma improvisada para selar portas do complexo e evitar uma invasão quando os ataques russos iniciaram. A revista descreve essas barricadas como pilhas “que mais pareciam sucata de ferro-velho” do que uma fortificação.

Zelenski relembra as memórias deste dia e as descreve como “fragmentadas”, num conjunto desarticulado de imagens e sons. Uma das mais marcantes é o momento em que ele e a esposa, Olena Zelenska, acordaram os filhos para contar que os bombardeios haviam começado e eles precisavam fugir. A filha tem 17 anos, e o filho, 9, ambos com idade suficiente para entender que estavam em perigo. “Foi alto. Houve explosões ali”, disse o presidente à Time.

Presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski (centro), durante visita a Bucha no dia 4 de abril deste ano. Reportagem da Times diz que presidente chegou perto de ser capturado nas primeiras horas da invasão da Rússia Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

A sensação dos militares ucranianos naquele momento era de que a realidade havia acabado. “Antes daquela noite, só tínhamos visto essas coisas nos filmes”, declarou Andri Yermak, chefe de gabinete presidencial, à revista. Um outro assessor de Zelenski, Oleksi Arestovich, descreveu a situação como um “hospício absoluto”.

Durante o primeiro dia da invasão, Zelenski continuou no complexo presidencial e recebeu aliados e membros do seu governo, que foram até lá para demonstrar que estavam ao seu lado mesmo com o local sendo arriscado. Quando a noite caiu, todos que estavam ali ouviram tiroteios ao redor do complexo. As luzes do local foram apagadas e os guardas distribuíram coletes a prova de balas e rifles para Zelenski e assessores. Apenas alguns deles sabiam usar armas.

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Segundo Arestovich, as tropas russas tentaram invadir o complexo duas vezes neste dia. Zelenski e a esposa ainda estavam lá e ficaram próximos de serem capturados ou mortos.

À medida que o conflito continuou, os Estados Unidos chegaram a oferecer a Zelenski uma saída da Ucrânia para se exilar em um local de segurança. Entretanto, o presidente negou a oferta e disse ao governo americano que precisava de “munição, não de carona”. A frase virou manchetes no mundo inteiro como um exemplo de coragem do presidente ucraniano, mas escondeu o risco muito alto de morrer que havia naquele momento.

A Time afirma que a própria guarda de Zelenski recomendou que ele saísse do complexo presidencial. Os prédios do complexo é rodeado por um bairro densamente povoado em Kiev, em que apartamentos e casas podiam servir de esconderijo e ponto estratégico para atiradores inimigos. “Algumas casas são perto o suficiente para jogar uma granada [no complexo] pela janela”, diz a revista.

“O lugar estava aberto. Não tínhamos nem blocos de concreto para fechar a rua”, descreveu Arestovich na reportagem.

O recomendado era que o presidente fosse para um bunker seguro e equipado para resistir a um cerco longo das tropas russas, mas Zelenski se recusou a ir. Em vez disso, ele se colocou num risco ainda maior na segunda noite de invasão, quando foi para as ruas de Kiev gravar um vídeo para assegurar que permanecia na Ucrânia.

Segundo disse a Time, foi neste momento que ele percebeu o papel que iria assumir na guerra. “Você entende que eles [o povo] estão assistindo”, afirmou. “Você é um símbolo. Você precisa agir da maneira que o chefe de Estado deve agir.”

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Presidente visitou frentes de batalha em segredo

Pouco depois da invasão russa, Zelenski começou a querer sair do complexo em que estava abrigado para testemunhar a guerra pessoalmente.

No início de março, os russos ainda batalhavam com os ucranianos para cercar a capital, mas Zelenski saiu em segredo com assessores e seguranças. O grupo foi até uma ponte desmoronada que marcava a linha de frente das tropas e conversou com soldados ucranianos em um posto de controle, numa posição geográfica arriscada. Os seguranças de Zelenski contaram à Time que estavam “enlouquecidos” com o que Zelenski estava fazendo.

A reportagem afirma, no entanto, que essas saídas eram raras. O presidente se ocupava mais de reuniões, entrevistas e discursos, quase todas as vezes de forma virtual. Até março e início de abril, Zelenski fez em média um discurso por dia.

Corpos de civis foram encontrados em Bucha após retirada das tropas russas. Visita de Zelenski ao local foi primeira viagem oficial fora de Kiev Foto: Daniel Berehulak/The New York Times

Quando as tropas ucranianas conseguiram resistir ao ataque da Rússia em Kiev, Zelenski passou a realizar viagens publicamente para algumas localidades - como Bucha, onde foram encontrados centenas de corpos de civis após a saída das tropas russas. Líderes europeus também passaram a visitar o país e a testemunhar o cenário de guerra ao lado do presidente ucraniano.

Mesmo sob um controle maior, ainda assim foi necessário adotar algumas medidas de segurança para evitar ataques russos. Na visita a Bucha ao lado da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, por exemplo, smartphones foram proibidos para evitar que drones russos detectassem sinais de celulares concentrados em um ponto e descobrissem onde Zelenski estava.

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Medidas de segurança em Kiev diminuíram com saída dos russos

A retirada das tropas russas em Kiev no início de abril alterou a rotina de Zelenski e dos membros do governo ucraniano. A Time observa que eles puderam voltar a trabalhar praticamente como antes da guerra, a não ser pelo fato da escuridão: praticamente todas as janelas foram tapadas com sacos de areia. Grande parte das luzes também foram desligadas no momento mais crítico do ataque para evitar atiradores.

A reportagem relata ainda algumas medidas que hoje não parecem fazer sentido, ao ponto de sequer os guardas lembrarem o porquê fizeram. É o caso das luzes arrancadas de um elevador.

O repórter, Simon Shuster, afirma que em alguns dias em que visitou o complexo presidencial para fazer a reportagem havia um clima modorrento. Em uma destas vezes, conta, o detector de metais e a máquina de raio-x do local estavam desativados e um zelador limpava ao redor deles com um esfregão. As inspeções na mochila em que ia ao local também pareceram cada vez mais relaxadas, diz.

No andar de cima do complexo, o assessor presidencial Mikhailo Podoliak, que esteve a frente de algumas negociações com a Rússia, se recusou a fazer barricadas nas janelas da sua sala. À reportagem, Podoliak argumentou que as medidas parecem inúteis, já que a Rússia tem um poder ofensivo de destruição em massa com mísseis de alta tecnologia e armas nucleares. “O que podemos fazer [contra isso]?”, questionou o assessor.

As barricadas eram necessárias no início da invasão em Kiev, mas, com a saída das tropas russas e o fim do risco das portas do complexo serem invadidas, pareceram fúteis. O risco existente é de outra dimensão em que se esconder não parece suficiente.