The Economist: A violência de Daniel Ortega na Nicarágua

Governo nicaraguense segue mesmo caminho da Venezuela e mergulha país em crises política e econômica, com repressão brutal à oposição

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Tudo começou há três meses, com um protesto contra a redução das aposentadorias decretada pelo presidente Daniel Ortega. A partir daí, a Nicarágua, um dos países mais pobres da América Central, chegou a uma rebelião civil total, com centenas de mortos em razão da repressão oficial.

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Manifestante nas proximidades de uma barricada montada no bairro de Monimbó, em Masaya, na última quinta-feira, 5. Foto: EFE/Bienvenido Velasco

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Embora com menos destaque no noticiário do que a Venezuela, a Nicarágua vem seguindo o mesmo roteiro: um ditador eleito agarrando-se ao poder por meio da repressão e ao custo da destruição econômica do país. E, como na Venezuela, a restauração da democracia na Nicarágua é uma tarefa para a qual, segundo observadores, faltam instrumentos e vontade.

Já morreram 300 pessoas desde abril na Nicarágua, um país de 6,2 milhões de habitantes. Segundo grupos de defesa dos direitos humanos, quase todas vítimas eram manifestantes desarmados que morreram nas mãos de paramilitares atuando em conluio com a polícia de Ortega. Das vítimas mais recentes, 20 foram mortas no dia 8, quando paramilitares destruíram barricadas de oposicionistas em duas cidadezinhas ao sul de Manágua, a capital nicaraguense.

As mortes confirmam a desigualdade da luta no país. Estudantes e outros jovens que participam do movimento opositor vêm improvisando barreiras por todo o país, inicialmente como protesto, agora como defesa contra os paramilitares. 

Neste mês, Daniel Ortega começou a destruir os bloqueios. “Ele vem recuperando território por meio do terror”, disse Edmundo Jarquín, um líder oposicionista ao atual governo. “Mas não conseguirá retomar o crescimento econômico e trazer de volta a estabilidade.”

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A ironia é que Ortega foi um dos líderes da revolução esquerdista sandinista, de 1979, que depôs a cruel dinastia ditatorial de Anastasio Somoza. Muitos dos que agora estão contra ele são ex-camaradas sandinistas, enquanto Ortega passou a copiar os métodos repressivos de Somoza.

Após perder uma eleição, em 1990, Ortega voltou ao poder em 2006. Por meio de uma espúria aliança com um ex-presidente corrupto de direita e do aparelhamento da Suprema Corte, ele alterou a duração do mandato presidencial. Em 2016, foi eleito para um terceiro mandato consecutivo ao tornar inviável a candidatura do principal candidato de oposição.

Ortega e a mulher, Rosario Murillo, governam como um casal e parecem ter encontrado a fórmula do sucesso. Eles se aliaram ao setor privado, à Igreja Católica e evitam hostilizar os EUA, enquanto usam a ajuda econômica venezuelana para manter quieta a população mais pobre. 

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No entanto, agora, ao mesmo tempo em que a Venezuela cortou a ajuda, os problemas econômicos da Nicarágua foram agravados pela corrupção. Na tentativa de acalmar os protestos, Ortega deu uma recuada tática. Cancelou o corte das aposentadorias, concordou em participar de conversações agendadas pela Igreja e convidou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para investigar as acusações de violência. 

A Igreja, a associação comercial e os Estados Unidos propuseram um plano pelo qual as eleições gerais, previstas para 2021, seriam antecipadas para março de 2019.

Entretanto, acertado o plano, Ortega voltou à ofensiva. Em mais uma imitação do script venezuelano, ele alega estar combatendo uma tentativa de golpe contra a Constituição (a qual ele mesmo deturpou). O presidente insiste, contra todas as evidências, que a violência é mútua e afirma que o governo não negociará enquanto houver barricadas. E avisa que pretende ficar no governo até 2021.

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Como na Venezuela, o governo nicaraguense parece estar usando o diálogo para ganhar tempo e tentar dividir a oposição. No entanto, até agora, as ações de Ortega parecem apenas unir a oposição. Nesta semana, paramilitares agrediram dois bispos que foram ajudar opositores abrigados em uma igreja, enquanto o setor privado decretou uma segunda paralisação geral de 24 horas.

Há algumas diferenças entre a crise política da Nicarágua e da Venezuela. Ortega não tem petróleo e a economia nicaraguense é muito mais vulnerável do que a venezuelana (vai encolher 6% este ano, segundo previsão do setor privado). A Nicarágua também pode ser mais suscetível a pressões dos Estados Unidos, que neste mês impôs sanções a três funcionários nicaraguenses. 

No entanto, o setor mais crítico para Ortega é o Exército. Embora o presidente exerça o controle formal, os militares nicaraguenses são mais independentes do que os venezuelanos e não estão dominados por espiões cubanos. Já há pedidos para que eles intervenham.

As próximas semanas poderão ser críticas. A Venezuela já mostrou que um regime que ignora o custo humano pode sobreviver a prolongados protestos nacionais e a pressões internacionais. Resta aos nicaraguenses esperar que, em seu país, as coisas sejam diferentes. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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