Thomas Friedman: Por que engolimos o que a indústria petroleira e os ambientalistas nos dizem?

Ambientalistas e empresas petrolíferas repetem velhos argumentos e aceitá-los acaba nos prejudicando

PUBLICIDADE

Por Thomas Friedman
8 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - Há muito afirma-se que a definição de insanidade é fazer a mesma coisa, repetidamente, esperando um resultado diferente. Segundo esta definição, seremos pessoas alienadas da realidade se seguirmos aceitando o que a indústria petrolífera e o movimento ambientalista continuam nos dizendo repetidamente e esperando algum resultado diferente.

Os ambientalistas insistem em dizer que, em razão de os preços da energia eólica e solar serem agora tão baratos quanto, ou mais baratos que os preços dos combustíveis fósseis, eles venceram a guerra da energia. E fim de jogo: bem-vindos ao planeta verde.

Já as empresas petrolíferas dizem – como têm dito em crises de energia anteriores, desde 1973 – que a única resposta para a atual crise é a mesma que elas têm dado nos últimos 49 anos: perfure mais, extraia mais, baby. Bem-vindos à realidade.

Posto de gasolina da produtora russa Gazprom Neft, em Moscou. Foto: Natalia Kolesnikova/AFP Foto: Natalia Kolesnikova/AFP

Muito bem, mas ambos estão errados. E aceitar a repetição dessas máximas está nos prejudicando economicamente, ambientalmente e geopoliticamente – especialmente geopoliticamente nos últimos tempos.

Porque nossa continuada dependência em relação aos combustíveis fósseis alimenta a petroditadura de Vladimir Putin e cria uma situação em que o Ocidente está patrocinando ambos os lados da guerra. Os EUA financiam a ajuda militar à Ucrânia com os dólares dos impostos e aliados financiam as Forças Armadas de Putin comprando petróleo e gás natural exportados pela Rússia.

Se esta não for a definição de insanidade, não sei qual poderia ser. Mas não se iluda: esses pecados do movimento ambiental e da indústria petrolífera não são iguais. Os verdes estão tentando consertar um problema real, que ameaça o planeta verdadeiramente, mesmo que sua ambição exceda seu entendimento.

Continua após a publicidade

As empresas de petróleo e carvão sabem que sua atividade é incompatível com um meio ambiente estável e sadio. Sim, elas estão corretas ao afirmar que sem elas a atual economia global não existiria. Mas a não ser que elas usem seus imensos talentos em engenharia para se transformar em empresas de energia – e não permanecer apenas empresas de combustíveis fósseis – nenhum tipo de economia sobreviverá no futuro.

Consideremos ambas as posições. Por tempo demais, ambientalistas demais trataram a necessária e urgente transição que precisamos operar entre os combustíveis fósseis e as fontes renováveis de energia como se isso fosse tão simples quanto apertar um botão: simplesmente livrem-se do petróleo, da gasolina, do carvão e da energia nuclear – e façam isso agora. Como se não fosse necessário acionar mecanismos de transição, fontes limpas de energia e incentivos de mercado necessários para operar tamanha transformação no nosso sistema de energia.

Como a Alemanha, em 2011, que subitamente decidiu desativar, após o acidente em Fukushima, seus 17 reatores nucleares relativamente limpos e confiáveis, que forneciam 25% da eletricidade consumida no país. Isso apesar de a Alemanha não estar nem perto de contar com energia solar, eólica, geotérmica ou hidrelétrica suficiente para substituir aquela energia nuclear. O país passou a queimar mais carvão e gás.

Um estudo de 2019, elaborado para o Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA, constatou que, na Alemanha, “a perda na produção de eletricidade causada pelos desligamentos foi substituída principalmente por queima de carvão e importações de eletricidade bruta. O custo social dessa transição da energia nuclear para a produzida pela queima do carvão é de aproximadamente US$ 12 bilhões por ano. Mais de 70% desse custo decorre do risco de mortalidade associado à exposição local à poluição atmosférica emitida pela queima de combustíveis fósseis”.

A União Europeia está elaborando um plano para pôr fim à sua dependência do petróleo e do gás produzidos na Rússia até 2027, mas enquanto isso um Putin sorridente vai ao banco. Conforme noticiou a CNN em abril, citando um relatório do Centro para Pesquisa sobre Energia e Ar Limpo: “O lucro dos russos com exportações de petróleo para a UE foi às alturas durante os primeiros dois meses da invasão à Ucrânia” – atingiu US$ 46,3 bilhões. Esse montante equivale a mais do que o dobro do valor pago pela UE na energia que o bloco importou da Rússia no mesmo período de dois meses do ano anterior.

Continua após a publicidade

Isso não ocorreu porque o volume de importações da UE dobrou. Preços mais altos de petróleo e gás foram responsáveis pela maior parte desse aumento. Em outras palavras, Putin começa uma guerra que gera instabilidade, que aumenta os preços do petróleo, e então consegue o dobro de dinheiro exportando aproximadamente a mesma quantidade de petróleo.

Ainda que a Alemanha tenha prescindido da energia nuclear antes de ter uma rede segura e suficiente de alternativas limpas, pelo menos o país está empreendendo uma jornada séria e definidora nesse sentido. Na realidade, o mundo inteiro está em dívida com a Alemanha, em razão de o país ter feito baixar os preços de painéis solares e turbinas eólicas por meio de subsídios e incentivos fiscais que criou. Na Alemanha, turbinas eólicas, painéis solares e outras fontes renováveis de energia atenderam 54% do consumo de eletricidade em janeiro e fevereiro deste ano – o que é fantástico. Em 2021, fontes renováveis atenderam apenas 12% do consumo total de energia nos EUA.

Mas, atualmente, o delírio mais importante do movimento ambientalista – do qual sou membro orgulhoso, apesar de rabugento – é dizer a si mesmo que, em razão dos preços das tecnologias de geração e energia eólica e solar terem caído tanto, ao ponto de serem capazes de substituir a queima de carvão e gás na maioria das economias, com frequência sem nenhum tipo de subsídio, o jogo acabou para os combustíveis fósseis. Quisera eu. O preço é só um lado da moeda.

Se você não for capaz de instalar linhas de transmissão – para levar a energia solar ou eólica dos vastos espaços abertos onde essa eletricidade é gerada até os grandes centros urbanos onde ela se faz necessária – e não for capaz de destinar mais terras para instalar campos de geração de energia solar e eólica na escala que precisa para substituir carvão, gás ou reatores nucleares, pouco importa que suas fontes renováveis sejam mais baratas com base numa relação quilowatt por hora.

E atualmente transmissão é um problema enorme nos EUA e na Europa, onde muitas pessoas não querem fazendas eólicas, campos de painéis solares, linhas de transmissão – nem gasodutos – em seus quintais.

Contrapartidas

Philip Anschutz, um bilionário conservador de 82 anos que fez fortuna extraindo petróleo, “tem tentado ao longo de uma década construir uma linha de transmissão potencialmente lucrativa, orçada em US$ 3 bilhões, chamada TransWest Express, que conectaria sua gigantesca nova fazenda eólica no Wyoming ao sudoeste dos EUA. Esse sistema seria capaz de abastecer de energia renovável 2 milhões de clientes”, noticiou a Bloomberg no mês passado. “Os EUA precisam de milhares de quilômetros de novas linhas de transmissão para levar energia eólica e solar das pradarias e desertos até as cidades na transição para evitar os combustíveis fósseis.”

Continua após a publicidade

Anschutz, acrescentou a reportagem, “passou anos colecionando centenas de licenças de governos locais e proprietários de terras ao longo da rota”. Ele garantiu todo o trajeto, exceto um trecho – através do Cross Mountain Ranch, no Colorado, que não quer ver sua paisagem virgem recortada pelas linhas de transmissão. Portanto, atualmente, “após 17 anos do início do projeto, nenhum único cabo foi pendurado”.

Perdoem-me, eu não queria que fosse assim, mas não existe nenhum caminho imaculado entre a energia suja e a energia limpa. Este caminho é pavimentado com contrapartidas cruéis. Escolha o seu veneno, mas cresça.

Enquanto isso, desde o embargo árabe sobre o petróleo, em 1973, as grandes empresas petrolíferas dizem basicamente a mesma coisa a cada crise: Claro, precisamos de mais energia limpa, mas vocês têm de entender – ela não atende à escala da demanda; neste momento, estamos numa situação de emergência, então precisamos simplesmente extrair mais. Estamos ouvindo esta mesma ladainha hoje e, por este motivo, corremos o risco de desperdiçar mais uma crise do petróleo sem romper nossa dependência em relação aos combustíveis fósseis.

Uma usina a carvão em Metsimaholo, África do Sul, cerca de 65 milhas ao sul de Joanesburgo. Foto: Gulshan Khan/The New York Times Foto: Gulshan Khan/The New York Times

Mas é melhor as empresas petrolíferas tomarem cuidado, pois desta vez a coisa pode ser diferente, graças a mais consumidores preferindo carros elétricos e mais indústrias sendo forçadas por consumidores e funcionários a se descarbonizar rapidamente.

Recentemente, a McKinsey publicou seu relatório 2022 Global Energy Perspective, concluindo que: “Enquanto o mundo se volta para recursos de baixa emissão de carbono, a demanda global por eletricidade poderia triplicar até 2050, e a demanda por combustíveis fósseis poderia atingir um pico já em 2023 – em razão principalmente do aumento na utilização de veículos elétricos”.

Jogo empatado: tanto os ambientalistas quando os produtores de energia suja precisam cair na real. Os verdes precisam melhorar seu planejamento de logística. “Isso significa triplicar índices de instalação solar, duplicar as linhas de transmissão de longa distância, fazer de tudo para acelerar a transição para os carros elétricos e começar a disponibilizar hidrogênio renovável para a indústria”, afirmou Hal Harvey, diretor executivo da Energy Innovation, que ajuda empresas e países a realizar a transição para a energia limpa. As empresas de combustíveis fósseis, disse-me Harvey, “precisam mudar seus modelos de negócios para se tornarem compatíveis com a vida na Terra – enquanto ainda têm chance”.

Continua após a publicidade

Para as empresas petrolíferas com acesso a grandes jazidas de gás natural – necessárias nessa transição, pois o gás é mais limpo que o carvão – isso significa apelar para esses reservatórios, mas fazer isso de uma maneira que zere a emissão de metano; do contrário o gás se torna tão nocivo quanto o carvão. Mas isso também significa pensar muito mais seriamente a respeito da maneira como empresas de combustíveis fósseis podem fazer verdadeiramente a transição para se tornarem “empresas de energia”, não apenas empresas petrolíferas, para que, então, elas possam se valer de seus impressionantes quadros de talentos em engenharia para formular mais soluções de energia capazes de salvar o planeta, não superaquecê-lo.

A Idade da Pedra, como se diz, não acabou porque ficamos sem pedras. E a era do petróleo não acabará porque ficaremos sem petróleo, acabará com milhões de barris ainda no subsolo, pois transformamos o uso do petróleo nos transportes em algo obsoleto. As empresas petrolíferas sérias se anteciparão a isso. Petroditadores sérios serão derrubados por isso. E temos de fazer isso acontecer o quanto antes. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO


*É COLUNISTA, GANHADOR DO PRÊMIO PULITZER E AUTOR DO LIVRO ‘DE BEIRUTE A JERUSALÉM’

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.