Trump e aliados elaboram plano para aumentar poder presidencial caso vençam eleição nos EUA

Ação remodelaria estrutura do Poder Executivo para concentrar autoridade maior no presidente

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Por Jonathan Swan, Charlie Savage e Maggie Haberman

THE NEW YORK TIMES - O ex-presidente Donald Trump e aliados estão planejando uma ampla expansão do poder presidencial sobre a máquina do governo dos Estados Unidos se os eleitores os devolverem à Casa Branca em 2025. A ação remodelaria a estrutura do Poder Executivo para concentrar autoridade maior no presidente.

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Os planos de Trump para centralizar o poder vão muito além das recentes observações de que ordenaria uma investigação sobre seu rival político, o presidente Joe Biden, sinalizando a intenção de acabar com a norma pós-Watergate de independência do Departamento de Justiça.

Trump e seus associados têm um objetivo mais amplo: alterar o equilíbrio de poder, aumentando a autoridade do presidente sobre todas as partes do governo federal que agora operam, por lei ou tradição, com alguma medida de independência da interferência política da Casa Branca.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump Foto: Lynne Sladky/AP

Trump pretende colocar sob controle presidencial direto órgãos hoje independentes. Isso afetaria a Comissão Federal de Comunicações, que elabora e aplica regras para empresas de televisão e de internet, além da Comissão Federal de Comércio, órgão que impõe normas antitruste e de proteção ao consumidor.

Ele quer reviver a prática de “apreender” fundos, recusando-se a gastar dinheiro que o Congresso destinou a programas dos quais o presidente não gosta —tática que os legisladores proibiram no governo de Richard Nixon.

Ele pretende retirar as proteções ao emprego de milhares de funcionários públicos de carreira, tornando mais fácil substituí-los se forem considerados obstáculos à sua agenda. E planeja vasculhar as agências de inteligência, o Departamento de Estado e as burocracias de defesa para remover funcionários que ele chamou de “a classe política doente que odeia nosso país”.

“O plano do presidente deve ser reorientar fundamentalmente o governo federal de uma forma que não foi feita desde o New Deal de Roosevelt”, disse John McEntee, ex-chefe de pessoal da Casa Branca que em 2020 iniciou a tentativa sistemática feita por Trump de varrer funcionários considerados desleais.

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“Nosso Poder Executivo atual foi concebido por progressistas com o propósito de promulgar políticas progressistas. Não há como fazer a estrutura existente funcionar de maneira conservadora. Não basta acertar o pessoal. O que é necessário é uma revisão completa do sistema”, acrescentou McEntee.

Trump e seus aliados estão planejando uma ampla expansão do poder presidencial sobre a máquina do governo se os eleitores o devolverem à Casa Branca em 2025 Foto: Anna Moneymaker/NYT

‘Fincar uma bandeira’

Trump e seus assessores não escondem suas intenções —proclamando-as em comícios e em seu site de campanha. Ele ainda as descreve em artigos e as discute abertamente.

“O que estamos tentando fazer é identificar os bolsões de independência e cercá-los”, disse Russell Vought, que dirigiu o Escritório de Administração e Orçamento na Casa Branca de Trump e agora comanda o Centro para Renovação da América, uma organização política.

A estratégia de falar abertamente sobre essas “ideias de mudança de paradigma” antes da eleição, disse Vought, é “fincar uma bandeira” – tanto para mudar o debate quanto para mais tarde poder reivindicar um mandato. Ele disse que ficou encantado em ver poucos dos rivais republicanos de Trump nas primárias defenderem a norma de independência do Departamento de Justiça depois que o ex-presidente a atacou abertamente.

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Steven Cheung, porta-voz da campanha de Trump, disse em comunicado que o ex-presidente “apresentou uma agenda ousada e transparente para seu segundo mandato, algo que nenhum outro candidato fez”. Ele acrescentou: “Os eleitores saberão exatamente como o presidente Trump vai sobrecarregar a economia, reduzir a inflação, proteger a fronteira, proteger as comunidades e erradicar o estado profundo que trabalha contra os americanos de uma vez por todas”.

As duas forças motrizes dessa iniciativa para remodelar o Poder Executivo são a própria política de campanha de Trump e uma rede financiada por grupos conservadores. Desses, são formados por ex-autoridades do governo Trump que provavelmente desempenhariam funções em um novo mandato.

Vought e McEntee estão envolvidos no Projeto 2025, uma operação de transição presidencial de US$ 22 milhões (R$ 105 milhões) que está preparando políticas, listas de pessoal e planos de transição para recomendar a qualquer republicano que possa vencer a eleição de 2024.

O ex-presidente Donald Trump a bordo de seu jato Foto: Doug Mills/NYT

O projeto de transição, cuja escala não tem precedentes na política conservadora, é liderado pela Fundação Heritage, grupo de estudos que moldou o pessoal e as políticas dos governos republicanos desde a Presidência Reagan. Esse trabalho se encaixa com os planos expostos no site da campanha de Trump de expandir o poder presidencial, que foram elaborados principalmente por dois conselheiros do republicano, Vincent Haley e Ross Worthington, com contribuições de outros assessores, como Stephen Miller, o arquiteto da dura agenda de imigração do ex-presidente.

Alguns elementos dos planos foram lançados quando Trump estava no cargo, mas foram impedidos por preocupações internas de que seriam impraticáveis e poderiam levar a contratempos. E para alguns veteranos da turbulenta Casa Branca de Trump que questionaram sua aptidão para a liderança, a perspectiva de centralizar um poder ainda maior sobre o governo parecia uma receita para o caos.

“Seria caótico”, disse John Kelly, o segundo chefe de gabinete da Casa Branca de Trump. “Seria porque ele estaria continuamente tentando exceder sua autoridade, mas os bajuladores concordariam com isso. Seria um tiroteio ininterrupto com o Congresso e os tribunais”.

Fim do sistema de freios e contrapesos

A agenda que está sendo perseguida tem raízes profundas no esforço de décadas de pensadores jurídicos conservadores para minar o que se tornou conhecido como estado administrativo - agências que promulgam regulamentos destinados a manter o ar e a água limpos e alimentos, medicamentos e produtos de consumo seguros, mas que cortam os lucros das empresas.

Seu fundamento legal é uma versão maximalista da chamada “teoria executiva unitária”. Esta teoria jurídica rejeita a ideia de que o governo é composto de três ramos separados com poderes sobrepostos para verificar e equilibrar uns aos outros.

O ex-presidente Donald Trump chega para um evento de campanha em Waco, Texas, em 25 de março de 2023 Foto: Christopher Lee/NYT

Em vez disso, os adeptos da teoria argumentam que o Artigo 2 da Constituição dá ao presidente o controle total do Poder Executivo, de modo que o Congresso não pode atribuir poderes aos chefes das agências para tomar decisões ou restringir a capacidade do presidente de demiti-los. Os advogados do governo Reagan desenvolveram a teoria enquanto procuravam promover uma agenda de desregulamentação.

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“A noção de agências federais independentes ou funcionários federais que não respondem ao presidente viola os próprios fundamentos de nossa república democrática”, disse Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, acrescentando que os contribuintes do Projeto 2025 estão comprometidos em “desmantelar este Estado administrativo desonesto”.

Todo poder para Trump

O poder pessoal sempre foi uma força motriz de Trump. Ele costuma fazer gestos mais simplistas, como em 2019, quando declarou para uma multidão que o aplaudia: “Tenho um Artigo 2, em que tenho o direito de fazer o que quiser como presidente”.

Trump fez a observação em referência à sua alegada capacidade de demitir Robert Mueller, o conselheiro especial no inquérito sobre a Rússia, que salientou sua hostilidade contra as agências policiais e de inteligência. Ele também tentou fazer com que um subordinado expulsasse Mueller, mas foi desafiado.

No início da Presidência de Trump, seu estrategista-chefe, Steve Bannon, prometeu uma “desconstrução do estado administrativo”. Mas Trump instalou pessoas em outras funções importantes que acabaram dizendo a ele que ideias mais radicais eram impraticáveis ou ilegais. No último ano de sua Presidência, ele disse a assessores que estava farto de ser tolhido por subordinados.

Agora, Trump está apresentando uma visão muito mais ampla de poder em um suposto segundo mandato. E, em contraste com sua transição desorganizada, após sua surpreendente vitória em 2016, ele agora se beneficia de uma infraestrutura de formulação de políticas bem financiada. Ela é liderada por ex-funcionários que não romperam com ele após suas tentativas de derrubar a eleição de 2020 e do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump durante evento de campanha Foto: John Tully/NYT

Uma ideia que as pessoas em torno de Trump desenvolveram é a de colocar agências independentes sob seu controle.

O Congresso criou essas agências tecnocráticas especializadas dentro do Poder Executivo e deu a elas parte de seu poder de fazer regras para a sociedade. Mas fez isso sob a condição de que não estava simplesmente entregando esse poder aos presidentes para agirem como reis –colocando em seu comando comissários que os presidentes indicam, mas geralmente não podem demitir até o fim do mandato, enquanto usava o controle de seus orçamentos para mantê-los parcialmente submetidos aos legisladores. (Os atos da agência também estão sujeitos a revisão judicial.)

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Os presidentes de ambos os partidos se irritaram com a independência das agências. O presidente Franklin D. Roosevelt, cujo New Deal criou muitas delas, endossou uma proposta em 1937 para colocar todas em departamentos do Gabinete sob seu controle, mas o Congresso não a aprovou.

Os presidentes posteriores procuraram impor maior controle sobre as entidades não independentes criadas pelo Congresso, como a Agência de Proteção Ambiental, dirigida por um administrador que o presidente pode remover à vontade. Por exemplo, o presidente Ronald Reagan emitiu ordens executivas exigindo que agências não independentes apresentassem propostas de regulamentação para revisão da Casa Branca. Mas, em geral, os presidentes deixaram as agências independentes em paz.

Os aliados de Trump estão se preparando para mudar isso, redigindo uma ordem executiva que exige que agências independentes submetam ações à Casa Branca para revisão. Trump endossou a ideia em seu site de campanha, prometendo colocá-las “sob a autoridade presidencial”.

Tal ordem foi redigida no primeiro mandato de Trump —e abençoada pelo Departamento de Justiça—, mas nunca emitida, devido a preocupações. Algumas destas eram sobre como fazer revisões para agências chefiadas por vários comissários e sujeitas a leis de procedimentos administrativos e reuniões abertas, além de preocupações sobre como o mercado reagiria se o pedido prejudicasse a independência do Federal Reserve.

Fim da independência do Federal Reserve

O Federal Reserve acabou deixando o projeto de ordem executiva, mas Trump não o assinou antes do fim de sua presidência. Se Trump e seus aliados tiverem outra chance de chegar ao poder, a independência do Federal Reserve - uma instituição que Trump criticou publicamente como presidente - voltará a ficar em debate. A discussão do site da campanha de Trump sobre colocar agências independentes sob controle presidencial não diz se isso inclui o Fed.

Questionado se os presidentes deveriam poder ordenar a redução das taxas de juros antes das eleições, mesmo que os especialistas achem que isso prejudicaria a saúde da economia no longo prazo, Vought disse que isso teria de ser discutido com o Congresso. Mas “no mínimo”, disse ele, as funções regulatórias do Federal Reserve deveriam estar sujeitas à revisão da Casa Branca. “É muito difícil conciliar a independência do Fed com a Constituição”, disse Vought.

Outros ex-funcionários do governo Trump envolvidos no planejamento disseram que provavelmente também haverá uma contestação legal aos limites do poder de um presidente de demitir chefes de agências independentes. Trump poderia remover o chefe de uma agência, preparando a questão para a Suprema Corte.

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O prédio do Federal Reserve em Washington, EUA Foto: Reuters

A Suprema Corte em 1935 e 1988 confirmou o poder do Congresso de proteger funcionários do poder executivo de serem demitidos sem justa causa. Mas com juízes nomeados pelos republicanos desde que Reagan assumiu o controle, tais precedentes começaram a ficar corroídos.

Peter Strauss, professor emérito de direito da Universidade de Columbia e crítico da teoria do executivo unitário, argumentou que é constitucional e desejável que o Congresso, ao criar e capacitar uma agência para realizar alguma tarefa, inclua também medidas de controle do presidente sobre os funcionários “porque não queremos autocracia” e para evitar abusos.

“O fato lamentável é que o judiciário neste momento parece inclinado a reconhecer que o presidente tem esse tipo de autoridade”, disse ele. “Eles estão arrancando a independência das agências de maneiras que considero lamentáveis e desrespeitosas com a escolha do Congresso”.

Trump promete o fim do ‘Estado Profundo’

Trump também prometeu apreender fundos, ou se recusar a gastar dinheiro alocado pelo Congresso. Depois que Nixon usou a prática para bloquear agressivamente os gastos das agências aos quais ele se opunha, no controle da poluição da água, construção de moradias e outras questões, o Congresso proibiu a tática.

Em seu site de campanha, Trump declarou que os presidentes têm o direito constitucional de confiscar fundos e disse que restauraria a prática - embora reconhecesse que isso poderia resultar em uma batalha legal. Trump e seus aliados também querem transformar o serviço público - funcionários do governo que deveriam ser profissionais apartidários e especialistas com proteção contra demissão por motivos políticos.

O ex-presidente vê o serviço público como um antro de defensores do “estado profundo” que tentaram frustrá-lo a todo momento, inclusive levantando objeções legais ou pragmáticas a suas políticas de imigração. No final de seu mandato, seus assessores redigiram uma ordem executiva que removeu as proteções ao emprego de funcionários de carreira cujos cargos eram considerados vinculados à formulação de políticas.

Trump assinou a ordem, que ficou conhecida como Anexo F, perto do final de sua Presidência, mas Biden a rescindiu. O ex-presidente prometeu restabelecê-la imediatamente em um segundo mandato.

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Os críticos dizem que ele poderia usá-la para um expurgo partidário. Mas James Sherk, ex-funcionário do governo Trump que teve a ideia e agora trabalha no Instituto de Políticas América Primeiro —um grupo de pensadores recheado de ex-funcionários de Trump—, argumentou que a ordem só seria usada contra pessoas com baixo desempenho ou que impedissem ativamente a agenda do presidente eleito.

“O Anexo F proíbe expressamente a contratação ou demissão com base na lealdade política”, disse Sherk. “Os funcionários do Anexo F manteriam seus empregos se servissem de forma eficaz e imparcial.”

O próprio Trump caracterizou suas intenções de maneira bastante diferente. Ele promete em seu site de campanha “encontrar e remover os radicais que se infiltraram no Departamento Federal de Educação” e listou uma ladainha de alvos em um comício realizado no mês passado.

“Vamos demolir o Estado profundo”, disse Trump no comício em Michigan. “Vamos expulsar os belicistas do nosso governo. Vamos expulsar os globalistas. Vamos expulsar os comunistas, marxistas e fascistas. E vamos jogar fora a classe política doente que odeia nosso país.”

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