Ela é paga para humilhar seus fãs

Conheça a dominação financeira, prática na qual os dominados mandam tributos, seja dinheiro ou presentes, para seus mestres

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Por Alexandra Weiss
Atualização:

Para comemorar seu 27º aniversário, Mistress Marley, uma dominatrix profissional do Harlem, Nova York, foi para Tulum, México, onde alugou uma vila de quatro quartos com uma piscina, uma praia particular e um chef pessoal.

Durante quatro dias ela e seis amigas nadaram nas águas quentes do Caribe, praticaram tirolesa na selva, degustaram lagosta fresca e tomaram tequila nos restaurantes chiques da região.

Mistress Marley é uma dominatrix profissional eseus fãs pagam por seus luxos. Foto: Camila Falquez/The New York Times

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Quando queria dinheiro, disse, acionava seu iPhone e pedia para seus seguidores on-line enviarem uma contribuição.

“Tulum está incrível até agora. Continuem financiando minha viagem”, ela postou no Twitter no final de janeiro, junto com seu CashApp e um vídeo de 15 segundos mostrando seu corpo curvilíneo de biquíni, as unhas pintadas de vermelho vivo e suas tranças negras balançando.

Logo o dinheiro começou a cair na sua conta. “Por favor fique com todo o meu dinheiro para sua viagem, eu não o mereço”, escreveu Betabou10, que lhe forneceu US$ 500, segundo capturas de tela que Marley forneceu para o The New York Times.

Um outro fã chamado SubMike00 enviou US$ 250. Um usuário com o pseudônimo Peter Zapp enviou US$ 400, com a mensagem “Faço qualquer coisa para pertencer a você”.

Bem-vindo ao lucrativo mundo da dominação financeira uma forma de BDSM (que significa servidão, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo) que floresceu durante a pandemia, quando muitas trabalhadoras do sexo e seus clientes migraram para o mundo on-line por causa das regras de distanciamento social. O conceito é simples, mesmo que a sedução não fique imediatamente evidente: os chamados “submissos financeiros, ou finsubs” enviam “tributos” financeiros para um tipo de dominador que pode ser de qualquer gênero, em troca de ser humilhado e degradado.

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“É dominar uma pessoa por meio da sua carteira”, disse Mistress Marley (O Times concordou em identificá-la pelo seu nome profissional). “Adoro acordar diariamente sabendo que homens submissos pagam todas as minhas contas e não gasto um centavo”.

Os encontros se realizam na maior parte on-line, embora possa haver alguns em pessoa. E a humilhação dura poucos momentos, ou persiste durante horas nas chamadas sessões de drenagem, quando o dominador profere uma série de insultos contra o submisso e exige que o ato termine apenas quando o limite monetário for alcançado ou a conta do indivíduo zera, o que vier primeiro.

Na sua forma mais pura, a dominação financeira não é transacional. Enviar dinheiro é um fetiche, caso em que os submissos oferecem tributos sem esperar nada em troca. “A excitação está no ato”, disse Philip Hammack, professor de psicologia da Universidade da Califórnia em Santa Cruz e diretor do Laboratório de Gênero e Diversidade. “Tem a ver com essa perda de domínio”.

Mistress Marley formou-se em marketing de moda em 2018. Quando estava na faculdade, trabalhava casualmente como "sugar baby", acordo em que uma pessoa – normalmente mais jovem, é sustentada financeiramente por um parceiro mais velho, o "sugar daddy".

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Depois de formada, ela encontrou trabalho como compradora de uma grande empresa. Mas como não ganhava o quanto esperava, foi buscar na Internet informações sobre “como ganhar dinheiro on-line como mulher?”.

Entre os resultados da busca estava um artigo na revista Vice, de 2013, chamado Dominação Financeira é um fetiche muito caro, sobre uma mulher da Pensilvânia chamada Cleo Tantra que disse que dominadoras financeiras como ela “ganhavam milhares de dólares por mês.

Curiosa, Mistress Marley pesquisou mais a respeito e fez anotações copiosas: aplicativos e plataformas de mídia social favoritos (CashApp e Twitter) seus apelidos chamativos (Goddess Taylor Knight; Miss Melody May; Divine Goddess Jessica); e o que os submissos financeiros gostavam de pagar (manicures, jantares com champanhe e roupas de designers).

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Uma semana depois, ela criou uma conta no Twitter e postou uma mensagem sem nenhuma foto. “Quem quer me pagar um almoço?”. Dois dias depois, disse ela, recebeu seu primeiro tributo: US$ 25 de um usuário anônimo do CashApp.

Quanto mais ela postava (não só no Twitter, mas também no Instagram, OnlyFans e Patreon) mais dinheiro chegava. Ela postou vídeos sedutores dela usando espartilho preto, dançando ao som da música de Megan Shee Stallion. Tirou fotos de carteiras Fendi e outros presentes. Encontrou submissos financeiros em pessoa e gravou as interações.

No seu segundo ano, disse, estava ganhando US$ 2.5000 por semana. Então. deixou seu emprego.

À medida que o número de seguidores aumentou, ela ficou mais ousada. Em 2019, participou de uma reunião de antigos alunos na universidade de Durham, Carolina do Norte, onde se formou, vestida como uma dominadora: espartilho de couro preto, legging amarela com estampa de cobra e botas plataforma de camurça preta.

Mas a parte mais escandalosa estava na outra ponta: um homem branco de meia idade que ela encontrara alguns dias antes na plataforma de mídia social FetLife. Ela passeou com o homem pelo campus como um cão, parando ocasionalmente para acariciar sua careca. Um vídeo mostra as pessoas em torno boquiabertas e tirando fotos. Um espectador compartilhou um vídeo no Twitter com a legenda: “Ela trouxe o seu sugar daddy para o encontro de alunos”. Marley respondeu, corrigindo: “Não é meu sugar daddy, é o meu subalterno LOL. Ele me paga para eu dominá-lo”.

Mistress Marley também coloca sua atividade num contexto histórico mais amplo: “Para mim, especialmente como negra, considero meus ganhos financeiros como uma indenização de desagravo, porque a maioria, talvez todos, dos meus clientes são homens brancos”, afirmou.

Com vídeos no TikTok, Cult Claire é mais uma dominatrix que usa as redes sociais para fazer dominação financeira. Foto: Camila Falquez/The New York Times

Pela manhã, o vídeo já estava com três milhões de visualizações e sua caixa de entrada de e-mails inundada de pedidos de submissos e mulheres que queriam saber mais sobre dominação financeira. Entre elas King Kourt, 33 anos, analista de dados médicos e secretária de Cleveland. “Eu vi o vídeo e no mesmo instante pensei: “quero passear com um homem branco numa coleira”, disse ela.

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Mistress Marley convidou-a para ingressar no Black Domme Sorority, que criou para ajudar mulheres negras a entrarem no mundo da dominação financeira. O grupo realiza cafés da manhã para convidados, eventos beneficentes, seminários sobre sexo e aulas de segurança. Isso a transformou no rosto deste tipo de trabalho, que resultou num perfil dela na revista Paper.

“A dominação financeira é algo seguro porque é on-line e não há sexo envolvido”, disse King Kourt, que participa do coletivo e diz que hoje recebe US$ 2.500 por mês de dez submissos financeiros.

Embora a maioria dos dominadores sejam mulheres, existem homens que também atraem os submissos. “Sou bissexual, mas para mim isso não tem a ver”, disse um jovem de 28 anos, de Buffalo, que usa o nome profissional de Ted Smith. “Se você não gosta da luta de poder, então por que está fazendo isto?”.

Independente de gênero ou orientação sexual, a dominação financeira, no final, tem a ver com poder.

“É uma troca de poder”, como no BDSM, apenas não tem cordas nem correntes – o que está envolvido é dinheiro”, disse Joe Kort, terapeuta e co-diretor do Modern Sex Therapy Institutes em West Palm Beach, Flórida. “O dinheiro é, na verdade, a corrente porque os dominadores prendem os submissos financeiramente. O erotismo para os submissos vem do fato de se sentirem possuídos”.

Cult Clare, 25 anos, uma criadora de conteúdo no TikTok do Brooklyn, explora a dominação financeira quando quer se sentir no comando. “Na verdade, gosto de dominar. Você se sente poderoso, particularmente como mulher, porque constantemente nos desvalorizamos. A dominação financeira lhe dá espaço para dizer, “não, eu valho esse dinheiro, se não quiser pagar, então caia fora”. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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