Jovens desenterram a Cybershot e sentem um gostinho da era do Orkut

Câmeras digitais voltam impulsionadas pelas redes sociais e pela curiosidade da Geração Z

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Foto do author Bruna Arimathea
Foto do author Alice Labate
Por Bruna Arimathea e Alice Labate

A volta do emo, das calças de cintura baixa e de Paris Hilton atestam que a cultura e a estética dos anos 2000 passam por um momento de redescoberta pela Geração Z (os nascidos no “novo milênio”) - a cantora Olívia Rodrigo, por exemplo, inspira muitos jovens a embarcar na onda. Agora, mais um item do período em que o Orkut era rei começa a fazer sucesso entre essas pessoas: a Cybershot.

É pelo nome da câmera digital que a Sony comercializou nos anos 00 que os jovens atualmente se referem a qualquer dispositivo do tipo - mesmo que sejam de outras marcas, como Canon, Kodak, e Panasonic.

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Segundo dados do Google Trends, ferramenta que mede o interesse por assuntos pesquisados no buscador, a procura pelo assunto começou a ganhar força em outubro do ano passado, quando o termo “powershot”, correspondente a um modelo da marca Canon, teve um pico. Em novembro, houve um novo pico, desta vez para a busca por “câmera digital”. Neste mês de janeiro, foi a vez do termo “cybershot” disparar em interesse. Do mundo digital para o mundo real, foi um pulo para que as câmeras digitais voltassem a circular.

“Fui em festas em que as pessoas estavam utilizando essas máquinas e achei muito legal. Achei interessante a forma como as fotos ficam, com um ar vintage. Mas a aparência é de anos 2010 e não anos 1990. Foi quando eu quis muito ter uma câmera para mim”, conta Lucas Manoel, 24.

Apaixonado por fotografia, o psicólogo percebe a volta das câmeras digitais como uma oportunidade de produzir “novos” conteúdos. Com a sua primeira Cybershot em mãos, ele sente que tem uma máquina do tempo para um passado que quase não viveu - algo que Neymar já filosofou na célebre frase “saudade daquilo que não vivemos”.

Para quem está experimentando as câmeras digitais pela primeira vez, a novidade ganha ares de descoberta arqueológica. “A câmera digital traz uma sensação de usar algo antigo que ainda funciona e não é parte de um celular. Tem um charme próprio e é mais interessante do que fazer algo que já estamos acostumados. E ela tem a sua própria bateria, então não vai gastar a bateria do celular”, diz Luiza Dill Silveira, 21 anos.

Lucas Manoel, 24, se apaixonou pelas câmeras digitais  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Segredo

De fato, o regresso das câmeras digitais tem um objetivo completamente diferente de quando surgiram, por volta da metade dos anos 90. Na época, o aparelho revolucionou a fotografia amadora, dominada por câmeras com rolos de filme limitados — as famosas poses. Com a máquina digital, foi possível tirar fotos, visualizar, apagar os cliques indesejados e seguir fotografando.

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Agora, parece existir a busca por um tipo de estética nas imagens. Apps para smartphones Huji Cam, Dazz Cam e VSCO tentam simular os efeitos e limitações desses equipamentos, mas não são suficientes - afinal, as câmeras dos smartphones atualmente miram sempre qualidade, nitidez e detalhamento. “A gente percebe (nas redes sociais) quem utilizou filtro e quem tirou com a câmera. Então, para mim, para entrar na essência do negócio, a câmera funcionou”, diz Manoel.

Cybershot de 3,3 MP lançada em 2000 exigia conexão com computador para transferência de imagens  Foto: Mônica Zarattini/Estadão

No fim, a busca não é por aquilo que a Cybershot oferece, mas por aquilo que não oferece. Eduardo Pellanda, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) explica que um dos aspectos que mais contribui para a estética vintage das fotos não são as lentes, mas, sim,a falta de software.

“O software dos smartphones tem conseguido juntar processadores cada vez mais rápidos com a inteligência de entender a imagem — se é uma pessoa ou uma paisagem, por exemplo. É possível tirar muitas fotos quase simultâneas com exposições diferentes e juntar essas imagens em várias composições. Hoje, a mágica está muito mais software no hardware. É o que diferenciou as câmeras convencionais das câmeras de celulares”, explica Pellanda ao Estadão.

Trend no TikTok

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Na nova leva de fotos digitais, é impossível também desvincular o uso das câmeras das redes sociais. A tendência não apenas surgiu em plataformas como Twitter e TikTok, mas também se alimenta delas para ganhar curtidas e engajamento: a hashtag “digitalcamera”, na plataforma de vídeos curtos, já atraiu mais de 211 milhões de visualizações. Por aqui, a versão “cameradigital” ultrapassou os 3,9 milhões de views.

Artur Bier, 17, conta que os cliques feitos por ele fazem sucesso nas redes — a “Cybershot” foi comprada no final do ano passado. “Os amigos com quem saio gostaram bastante quando apareci com ela, inclusive conheço mais três que possuem modelos semelhantes”, diz.

A câmera digital traz uma sensação de usar algo antigo que ainda funciona e não é parte de um celular. Tem um charme próprio

Luiza Dill Silveira, 21

Da mesma forma, Manoel também compartilhou algumas imagens feitas com a câmera no TikTok e ficou surpreso quando percebeu a interação na rede. Um dos vídeos, que mostra o modelo de máquina que ganhou da tia no ano passado, já ultrapassou 20,5 mil curtidas e 131 mil visualizações.

“Meu vídeo no Tiktok virou um comércio de máquina digital, porque a galera nos comentários ficou perguntando: ‘Alguém vende?’, ‘Como que eu uso?’”, diz o psicólogo.

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Vendas crescem

Enquanto as redes começam a ser inundadas com fotografias “vintage”, canais de vendas desses aparelhos usados comemoram o aumento na procura por esses dispositivos. Uma dessas lojas, a Annalogica, tem um perfil no Instagram especializado em máquinas fotográficas antigas - desde polaroides às famosas Cybershot - e diz que as vendas cresceram cerca de 80% desde o ano passado.

“Antes a procura era zero, as pessoas tinham até um certo preconceito com a câmera digital. Achavam cafona”, explica Giovanna. “Depois do meio do ano passado, a venda aumentou muito. Quem gosta do efeito e da granulação da analógica não troca, mas as pessoas procuram as digitais por serem mais “fáceis”, não precisarem nem de filme e nem de revelação, com a vantagem de um efeito retrô similar”.

Anna Avino e Giovanna Avino, proprietárias da loja Annalogica, viram as vendas crescer  Foto: Arquivo pessoal

A lojinha fundada em 2020, gerida por Anna Avino e Giovanna Avino, fica em Praia Grande, São Paulo, mas é na rede social que faz a maior parte dos negócios — o nome, inclusive, surgiu dos apelidos das duas esposas (Anna e Gica). Agora, as câmeras digitais amadoras já representam metade das vendas mensais da dupla.

A OLX e o Mercado Livre, plataformas de marketplace, são dois dos canais preferidos por quem procura um aparelhos do tipo. Nos sites, anúncios de câmeras abrangem modelos que vão de R$ 50 a R$ 400, em diversos estados de conservação — mas sempre modelos comercializados por volta dos anos 2010. Ao Estadão, a Shopee afirma que registrou aumento de 165% nas buscas por câmeras digitais no período de outubro de 2022 a janeiro de 2023.

Para quem é um pouco mais velho, a preciosidade pode estar apenas esquecida em uma gaveta. Clarisse Reis, 34, resgatou a câmera comprada em 2009 depois que viu no Twitter e no TikTok que a máquina estava na moda outra vez. “É legal manusear a câmera e repetir o processo das antigas. Quero passar como tirávamos fotos antes. Atualmente é mais sobre o uso em si do que propriamente a qualidade”, diz.

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