Projeto usa IA para tentar localizar bebês roubados durante ditadura na Argentina

Ideia é usar o Midjourney para tentar imaginar como as crianças estariam hoje em dia

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação

Na Argentina, um projeto usa inteligência artificial (IA) para tentar imaginar como estariam hoje os bebês que foram tirados de seus pais durante a ditadura no país.

PUBLICIDADE

Quase todos os dias, o publicitário argentino Santiago Barros publica no Instagram imagens geradas por IA - a conta, iabuelas, é um jogo de palavras em espanhol para inteligência artificial e avó, nome derivado do conhecido grupo ativista Avós da Praça de Maio que busca por crianças desaparecidas.

“Nós vimos as fotos da maioria dos desaparecidos, mas não temos fotos de seus filhos, daqueles que foram roubados”, disse Barros à Associated Press. “Me impressionou o fato de que essas pessoas não tinham um rosto.”

Durante a sangrenta ditadura da Argentina de 1976 a 1983, oficiais militares realizaram o roubo sistemático de bebês de dissidentes políticos que foram detidos ou, muitas vezes, executados e descartados sem deixar rastro. Os bebês frequentemente eram criados por famílias ligadas à ditadura ou aquelas ideologicamente alinhadas com ela, como se fossem seus próprios filhos.

Usando a ferramenta Midjourney, Barros combina fotos dos pais e mães desaparecidos do arquivo público do site das Avós, criando imagens de como os rostos de seus filhos poderiam parecer como adultos hoje. Para cada combinação, o aplicativo mostra duas possibilidades femininas e duas masculinas. Barros então escolhe a imagem de cada gênero que parece mais realista.

Midjourney combina fotos dos pais para tentar imaginar como estariam hoje os bebês desaparecidos na ditadura argentina  Foto: Natacha Pisarenko / AP

O projeto não pretende substituir os esforços liderados pelo grupo das Avós de identificar netos por meio de testes de DNA. Em vez disso, diz Barros, o objetivo é agitar a consciência daqueles com mais de 46 anos que possam ter dúvidas sobre sua origem e servir como um lembrete dos mais de quatro décadas que as avós passaram tentando localizar essas crianças.

As Avós da Praça de Maio estimam que cerca de 500 crianças foram arrancadas de seus pais durante a ditadura. O grupo já localizou 133 netos por meio de análise genética.

Publicidade

O grupo aprecia a iniciativa de Barros como uma forma de aumentar a conscientização sobre as crianças que foram roubadas ou sequestradas durante a ditadura. No entanto, eles alertam que a única ferramenta infalível para ligar essas pessoas às suas famílias de origem é o teste de DNA que continua a ser realizado pelo Banco Nacional de Dados Genéticos, cuja criação eles promoveram em 1987.

Além de trabalhar com fotos dos arquivos das Avós, Barros utiliza material fotográfico fornecido por partes interessadas.

Pedro Sandoval foi roubado durante a ditadura argentina, cresceu com outra identidade e foi identificado em 2006  Foto: Natacha Pisarenko/ AP

Problemas e soluções

Em alguns casos, aqueles que acessaram o iabuelas perceberam nas imagens uma tendência à padronização, levantando questões sobre sua aproximação com a realidade. Mas, em outros, famílias em busca de um parente perdido ficaram chocadas com a semelhança que encontraram nesses rostos com parentes de sangue.

Esse foi o caso de Matías Ayastuy, que contatou Barros e forneceu-lhe fotos de seus pais desaparecidos para ver como seria um possível irmão ou irmã. Sua mãe, Marta Bugnone, foi sequestrada em 1977 quando estava grávida. Ao combinar a imagem dela com a de seu pai, Jorge Ayastuy, a ferramenta de IA conseguiu obter resultados impressionantes.

PUBLICIDADE

“Muitas pessoas veem a imagem masculina como semelhante a mim. Mas o que gerou algo muito, muito forte para mim foi a feminina. Encontrei uma semelhança muito marcante com uma prima minha”, disse Ayastuy.

Desde que a iniciativa de Barros foi lançada, ainda não houve casos conhecidos de um adulto se vendo semelhante a uma de suas imagens e depois iniciando um processo formal de identificação.

Todas as imagens dos pais desaparecidos e de seus possíveis filhos são carregadas na conta do Instagram com uma nota especificando que iabuelas é um “projeto artístico não oficial” e que os resultados gerados por inteligência artificial podem ser imprecisos.

Publicidade

Santiago Barros é o autor do projeto que usa o Midjourney para encontrar bebês desaparecidos da ditadura na Argentina  Foto: Natacha Pisarenko/ AP

Pedro Sandoval, um neto que foi identificado em 2006, abraçou a iniciativa de Barros a princípio, mas depois decidiu que era imperfeita porque parecia confiar demais em “informações padronizadas” de pessoas com características europeias. Sua mãe, Liliana Fontana, e seu pai, Pedro Sandoval, estão entre as 30 mil pessoas desaparecidas contadas por organizações humanitárias.

Barros reconheceu que o aplicativo pode ser tendencioso, mas observou que muitas das pessoas desaparecidas tinham ancestrais europeus, em um país com forte imigração europeia.

Quanto às avós, elas não querem que a campanha de IA crie falsas expectativas para aqueles que encontram semelhanças com as imagens geradas, por isso elas recomendam que seja encarado com cautela.

“É uma campanha que mostra simulações sobre possíveis rostos de filhos e filhas dos desaparecidos, mas sabemos que as pessoas são muito mais do que 50% de cada um de seus pais e que aplicações estrangeiras são configuradas com genótipos de suas populações”, disse o grupo em um comunicado no final de julho. “Portanto, os resultados não são precisos.” /AP

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.