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Considerações feriadais

Hoje, segunda, 26, aqui é Bank Holiday. Que um tradutor não de todo incompetente traduziria por Feriado Bancário.

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Por Ivan Lessa

Hoje, segunda, 26, aqui é Bank Holiday. Que um tradutor não de todo incompetente traduziria por Feriado Bancário. Pois não é. É feriado como dos nossos. Vem no aumentativo. Feriadão. Quase tudo fecha, todas as pessoas de posses, ou remediadas, vão para fora, e emendam, sempre feito a gente, com a terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo. Portanto: vai de 26 de maio a segunda, 2 de junho. Quando eu cheguei aqui, pela primeira vez, em 1968, havia três feriados batata por ano: dois Bank Holidays, um de primavera e outro de outono, cuja origem estava na auditoria interna que os bancos faziam para saber quanto haviam faturado no semestre - com as marotagens adequadas a esses estabelecimentos. O terceiro feriado respeitável e respeitado era o Boxing Day, o 26 de dezembro, que nada tem a ver com cenas de pugilato, mas sim com a presentarada que os ricos tradicionalmente distribuíam entre a criadagem. Os ricos continuam por aí. Cada vez em número maior, cada vez mais ricos. Os pobres proliferam, naquela sem-graceza infinita que lhes é característica, e, além dos locais, há os de fora, aqui chegando aos borbotões. Nada mais borbotão que um imigrante. *** Não estou sendo facecioso. Os imigrantes aumentam a cada dia que passa. No número que chega e na procriação desenfreada, uma vez aqui estabelecidos e com a papelada em ordem a fim de recolher toda sorte - e bota sorte nisso - de benefícios sociais. Por falar em botar a sorte, a entidade oficial britânica responsável por estatísticas botou as cartas na mesa semana passada. Gráficos e números que não acabam mais. Uma leitura mais deprimente do que os clássicos russos. Vamos pegar a última década, de forra, já que ela nos pegou também. Além do mais, de dez em dez as coisas ficam mais fáceis de entender. Cá chegaram, nesse curto espaço de tempo, meio jururus mas cheios de confiança no futuro, perto de 3,9 milhões de imigrantes. Hoje devem estar bem instalados e falando um inglês digno de um americano pedante como o Gore Vidal. Só no ano de 2006, foram 500 mil imigrantes adornando primeiro aduanas depois os bairros destituídos do país. O mais alto número de imigrante de todos os anos em todos os tempos. Para ver o outro lado da coisa e cada um, de per si, tirar suas conclusões: no mesmo período, nos mesmos 10 anos, 1,97 milhões de britânicos natos e da gema pegaram o rumo de outras plagas. Os senhores estatísticos oficiais garantem que isso se deve ao fato de que há mais prosperidade no país e as pessoas podem escolher o tipo de vida que querem levar no país de sua escolha. Coisas da globalização comercial, acrescentam os peritos, como se estivessem reciclando a língua inglesa e simultaneamente socorrendo os ursos polares em extinção. Divergindo das tendências globalizantes, por volta de 160 mil ex-estrangeiros obtiveram cidadania britânica só no ano de 2007, um aumento de 7% sobre o ano anterior. Novo recorde. 31% do total vieram de países africanos ao passo que o subcontinente indiano contribuiu com 15% de neo-britânicos e o resto da Ásia com 22%. Em tempo: na década em questão (1997 a 2007), perto de 100 mil novos cidadãos estrangeiros em potencial tiveram seus sonhos rompidos. Nada feito, disseram as autoridades, acrescentando um "sorry" ao lhes indicar o caminho de volta para o torresmo natal. *** Como estrangeiro praticante há mais de 30 anos seguidos, perfazendo um total de 34 anos de Reino Unido, tendo feito questão de manter meu passaporte com as armas e os homens armados da República Brasileira, vejo tudo isso com serenidade e não tomo partido, uma vez que não tenho aqui o direito ao voto. Nunca votei e nunca fui de benefício social, coisa que aqui é mole. Nem mesmo peguei a ajuda de custa com as despesas de calefação durante o inverno, que eles dão serenamente para os velhinhos como eu. Não pago mais condução, é verdade. Tenho desconto em cinema e viagem de trem. Mas isso é por conta de meu conselho regional, a gente boa do meu bairro, onde pago uma pequena fortuna pelo privilégio (agora sim, estou sendo facecioso) de ter meu lixo recolhido, as ruas asfaltadas, os sinais, ou semáforos, funcionando e o resto todo, que pouco não creio que seja. Quem manda eu vir morar no bairro, dito Real, de Kensington e Chelsea? Por isso tudo, e algo que devo ter esquecido devido à proximidade do mal de Alzheimer, pago mais ou menos US$ 4.600 por ano. Uma espécie de imposto predial, quero crer, e creio. Os jardins que me cercam também estão emperiquetados como se fossem todos concorrer ao primeiro lugar na categoria luxo de um baile de carnaval de bichas. Problema meu. Só digo o seguinte: podem vir, gente boa, podem vir. Não me chatearão, não iremos esbarrar um no outro, não tomarei conhecimento. Eu mal saio de casa. A Londres em que vivo é aquela da imaginação e da lembrança, a Londres entre 1968 e, para ser arbitrário, 1985. Nada que chegue aos pés do Rio de 1957, aí sim, sendo saudosa e melancolicamente arbitrário. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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