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Um guia para entender o impasse

Saiba como Zelaya foi deposto, os erros do ex-presidente e as violações constitucionais do governo de facto

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Por Redação
Atualização:

O que desatou a crise?

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No dia 28 de junho, militares hondurenhos invadiram a residência presidencial de madrugada e prenderam o presidente Manuel Zelaya, que foi removido de pijama, colocado em um avião e enviado para a Costa Rica. Assim como no Brasil, a Constituição de Honduras determina que o vice-presidente assuma o posto. No entanto, Elvin Santos havia renunciado, em dezembro de 2008, para concorrer à presidência. Assim, o próximo na linha de sucessão era o presidente do Congresso, Roberto Micheletti.

Qual foi o erro de Zelaya?

Desde a eleição de Zelaya, em 2005, diversos setores da sociedade hondurenha já falavam na possibilidade de convocar uma Assembleia Constituinte. O meio de realizar essa consulta seria colocar uma "quarta urna" com as outras três - de presidente, deputados e prefeitos -, durante as eleições gerais, que perguntaria a opinião da população sobre o tema.

A legislação eleitoral hondurenha, no entanto, não permitia a colocação de uma quarta urna. Para superar o entrave, bastava alterar a lei. Mas, em vez de enviar um projeto para o Congresso, Zelaya preferiu realizar uma consulta prévia para fortalecer o apoio para a aprovação da Constituinte. A data sugerida por ele foi 28 de junho.

Para isso, Zelaya promulgou um decreto executivo, imediatamente invalidado pelo Judiciário. A resposta do presidente foi promulgar um novo decreto que continha os mesmos vícios jurídicos do antigo, em claro desafio ao Judiciário.

O que alegou a oposição para destituir Zelaya?

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Para derrubar um presidente eleito, era preciso embasar muito bem o ato juridicamente. Assim, Zelaya foi destituído em 28 de junho por um decreto legislativo que ordenava o afastamento do presidente por "violação da Constituição". A ordem citava o artigo 205 da Carta, que diz que é função do Legislativo "aprovar ou reprovar a conduta administrativa do Poder Executivo".

Por que o gesto foi considerado um golpe?

Não há na Constituição nenhum artigo prevendo o impeachment do presidente. O artigo 205, no qual se baseou a oposição, refere-se à fiscalização da conduta administrativa do Poder Executivo. Na Constituição do Brasil há um dispositivo semelhante - não há, portanto, elementos para destituir o presidente. Na Constituição hondurenha, o impedimento do presidente constava no artigo 205, mas foi estranhamente revogado em 2003.

A expatriação é permitida pela Constituição hondurenha?

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Não. A Carta proíbe a expatriação. Seu artigo 102 diz que "nenhum hondurenho será expatriado ou entregue pelas autoridades a um Estado estrangeiro". O envio de Zelaya à Costa Rica, portanto, foi outra conduta inconstitucional que caracteriza um golpe de Estado.

Qual foi o real papel do Congresso hondurenho?

Zelaya foi destituído por um decreto legislativo. Desta forma, o Congresso Nacional usurpou uma função que é do Judiciário, como determina a Constituição de Honduras. Ainda que a decisão tivesse partido da Justiça, Zelaya só poderia ser destituído após o fim de um longo processo legal. Como toda Constituição democrática, a hondurenha também contempla a presunção de inocência (artigo 89) e o direito de ampla defesa (artigo 82). Zelaya não foi nem sequer levado a uma autoridade judicial. A residência oficial foi invadida e ele despachado imediatamente para a Costa Rica .

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Qual foi o papel dos militares?

Eles participaram ativamente da destituição e também atropelaram a Constituição local. A oposição alega que a expatriação de Zelaya pelo Exército deu-se por ordem judicial, o que legitimaria sua destituição e retirada do país. No entanto, de acordo com a Constituição hondurenha, a execução de ordens judiciais cabe à Polícia Nacional e não às Forças Armadas (artigo 239).

Por que foi ilegal a prisão de Zelaya?

Zelaya foi retirado da residência presidencial de pijama, às 5 horas. Segundo a Constituição hondurenha, as ordens de prisão devem ser cumpridas entre as 6 horas e as 18 horas, sendo proibidas as prisões fora desse horário (artigo 99). A Lei brasileira tem um dispositivo idêntico.

Zelya violu a Constituição ao tentar a reeleição?

Segundo a oposição, sim. Mas o argumento apresentado por ela é contestável. A Constituição hondurenha é recheada de artigos proibindo a reeleição. Artigo 4: "A alternância no exercício da presidência é obrigatória." Artigo 374: "Não se pode reformar os artigos que se referem à proibição de ser novamente presidente." E o artigo 239: "Quem já foi chefe do Executivo não pode ser presidente de novo; quem propuser a reforma desta disposição deve ser destituído de seu cargo e ficar dez anos inabilitado para exercer funções públicas." O artigo 239 não consta do decreto legislativo que destituiu Zelaya, mas, posteriormente, passou a ser usado por políticos e pela imprensa antizelaysta para justificar a destituição. O problema desse argumento é que Zelaya nunca reivindicou diretamente a reeleição, e sim a convocação de uma Constituinte, que teria o que os juristas chamam de "poder constituinte originário". Obviamente, ele permite aos deputados eleitos reescrever uma nova Carta, ignorando as cláusulas pétreas do antigo texto. Portanto, a deposição teve como base algo que poderia ser realizado no futuro. Além disso, o procedimento previsto na consulta jamais permitiria a reeleição de Zelaya, uma vez que a Constituinte seria convocada durante o próximo mandato presidencial.

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