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Opinião|Em defesa dos rios de nosso Estado

A despoluição é uma possibilidade concreta, que pode ser executada a partir de variados métodos e tecnologias

Meu pai nasceu em São Paulo, de uma família árabe, e foi registrado como Alfredo Nagib. Seus genitores chegaram ao Brasil no começo do século passado, fugindo das guerras no Oriente Médio. A família morou em Sorocaba durante um tempo, mas depois radicou-se em São Paulo. Até seus 21 anos, Alfredo nadou no Rio Tietê, para treinar seu desempenho físico e competir no Clube Atlético Paulistano, como militante. Infelizmente, eu não tive a oportunidade de vê-lo praticar os esportes que amava, tampouco tive a chance de vê-lo competir como atleta que era, tendo em vista que ele se casou muito tempo depois. Na fase adulta, meu pai se dedicou ao jornalismo e foi um dos pioneiros da Rádio e TV Tupi, quando criado o Grande Jornal Falado Tupi por Assis Chateaubriand.

Certa vez, quando eu já era casada e tinha dois filhos adolescentes, meu pai sugeriu que fizéssemos um passeio nas praças do bairro da Lapa, onde eu morava e ainda moro. Numa breve caminhada, chegamos à confluência do Rio Tietê com o Rio Pinheiros, um dos lugares mais lindos de nossa sofrida Capital. Foi naquele dia que ele me contou que nadava no Tietê na sua juventude e que o rio era muito mais lindo do que agora.

A partir daquele dia, eu tive um choque de realidade que nunca mais apartou-se de meus pensamentos. Anos depois, visitei a cidade de Tietê e teria pedido perdão ao rio, se ele pudesse me ouvir. Matar um rio deveria ser crime de lesa-natureza! Matar quase todos os rios é crime imperdoável, uma gigantesca maldade, encoberta de ignorância e estupidez.

Não há justificativa para a inércia governamental que, até hoje, convive com uma realidade inaceitável. Não há desculpa possível para que os rios que cortam a cidade de São Paulo, bem como o interior do Estado, continuem sendo desprezados pelos nossos governadores.

São vários os países ao redor do mundo que emporcalharam seus rios, mas, tempos depois, assumiram suas responsabilidades e fizeram a necessária recuperação da limpeza das águas. Não há justificativa para que a população do Estado de São Paulo, bem como a dos outros Estados, tenha de continuar convivendo com a morte de seus rios e córregos, com o desprezo sanitário, com o odor fétido, com a proliferação de bactérias e com a vergonha de ter de tolerar essa imundície.

Avaliando nossa história hídrica, não é possível que não se encontre uma solução plausível e uma providência imediata para a recuperação dos nossos rios e córregos, o que significará a implantação da salubridade necessária. Chega de surtos de dengue, de covid e de outros patógenos. Limpeza é sempre o melhor remédio!

A despoluição de rios é uma possibilidade concreta, que pode ser executada a partir de variados métodos e tecnologias. As principais iniciativas utilizadas ao redor do mundo são: flotação, dragagem, gradeamento e tratamento ecológico. Obviamente, a primeira iniciativa a ser adotada é interromper, imediatamente, o lançamento de esgotos, lixos domésticos e industriais e detritos de toda e qualquer espécie, sem o descarte de poluentes em geral nos cursos d’água.

Não é impossível despoluir e revitalizar nossos rios. Evidentemente, será preciso um grande esforço coletivo e muito emprenho governamental, mas, indubitavelmente, trata-se de uma medida urgente que precisa ser implementada.

O processo de despoluição do Rio Tâmisa, na Inglaterra, é um exemplo que pode ser seguido. Dispostos a investir no saneamento e usando a tecnologia adequada, os ingleses recuperaram seu principal rio em menos de 50 anos. O problema maior que foi superado pelos ingleses remontava ao século 18, quando o Tâmisa passou a escoar produtos manufaturados, principalmente resíduos têxteis. No entanto, houve da parte das autoridades locais a preocupação de criar uma legislação ambiental rígida que obrigou as fábricas a eliminar o despejo de poluentes nos cursos d’água.

Já com relação ao Rio Tejo, em Portugal, houve o empenho dos governos durante 15 anos, mas foram beneficiadas 3,8 milhões de pessoas com o seu saneamento.

Assim, tendo em vista a conscientização das autoridades públicas ao redor do mundo, foram vários os países que alcançaram a despoluição de seus rios: além dos já citados, temos o Sena, em Paris; o Rio Han, na Coreia do Sul; o Rio Reno, em várias cidades da Europa; o Rio Cuyahoga, nos Estados Unidos; entre outros. O Rio mais limpo do mundo é o Brisbane, na Austrália.

Apesar das grandes dificuldades que eventualmente poderão surgir em nosso Estado de São Paulo, no sentido da despoluição dos nossos recursos hídricos, cabe aos governantes que lutam pela saúde de nossa população buscar os meios necessários para a revitalização da Capital paulista, bem como de todo o interior do Estado onde houver poluição hídrica, a fim de que, num futuro próximo, possamos melhorar nossa qualidade de vida, nossa saúde e a confiança nos nossos governantes.

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ADVOGADA, É PROCURADORA DE JUSTIÇA APOSENTADA

Opinião por Luiza Nagib Eluf

Advogada, é procuradora de Justiça aposentada