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Opinião|Luz Para Todos: não existe justiça social sem energia elétrica para todos

O Brasil eletrificado não pode permitir que tantos brasileiros vivam, em pleno 2023, ainda na escuridão e à margem do desenvolvimento econômico e social

Quando olhamos para o setor de energia no Brasil de hoje, o principal tema em debate é a transição energética e como todo este processo de disrupção tem moldado as contas de luz. Mas, dando um passo atrás, ainda precisamos falar sobre universalização e democratização do acesso à energia elétrica.

É nesse sentido que o Programa Luz Para Todos trouxe um marco importante para uma parcela enorme de brasileiros que ainda viviam sem energia elétrica, um bem tão essencial para nós. Em quase cinco décadas de trabalho no setor elétrico, posso dizer que, para mim, também teve um significado muito especial. Isso porque, quando notamos a história das pessoas se transformar pelo simples acesso à eletricidade, vemos todo o nosso trabalho ganhar vida e sentido de verdade.

Foi assim, há cerca de 20 anos, quando conversei com um pequeno agricultor, no interior de Minas Gerais, e perguntei sobre o que ele sentia com a possibilidade de ter energia em sua casa. Ele me disse, emocionado: “Pra meus fi ter luz, eu tiro sangue de onde nem tenho veia”. Também me emocionei e nunca mais me esqueci das palavras daquele pai.

Hoje, o porcentual de eletrificação neste país de dimensão continental é de 98,8%. Orgulho-me de mencionar que as distribuidoras de energia elétrica são responsáveis por prestar o serviço público mais capilarizado e universalizado do Brasil. Parece tolo imaginar que até o ano 2000 tanta gente ainda vivia sem poder ter uma geladeira para conservar alimentos e beber água fresca. Pessoas que iluminavam a escuridão em suas casas com lamparinas, trazendo risco à saúde, ou sem poder tomar um banho aquecido no chuveiro em época de frio.

Mas, sim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou, no Censo daquele ano, que essa era a penosa realidade de aproximadamente 2 milhões de famílias residentes em propriedades rurais. Cerca de 90% dessas famílias tinham renda mensal inferior a três salários mínimos.

De lá para cá, essas pessoas foram finalmente vistas pelo Brasil eletrificado: em 2009, em torno de 10 milhões de pessoas puderam, enfim, ter acesso à energia. Além desses confortos básicos, a energia elétrica representou um instrumento de inclusão social, bem como de desenvolvimento econômico de muitas dessas regiões.

Até 2017, as distribuidoras de energia conectaram às redes elétricas mais de 3,3 milhões de domicílios, beneficiando 16 milhões de pessoas na área rural. Um trabalho que faz do programa de inclusão elétrica Luz para Todos como o mais ambicioso do mundo.

Mas observamos que o cenário ainda é desafiador e que, para a erradicação da exclusão elétrica no País, ainda temos um número grande de famílias para atender. Neste ano, o programa foi mais de uma vez modulado conforme novas demandas apuradas, especialmente nas Regiões Norte e Nordeste do País, e muitas fora do Sistema Interligado Nacional (SIN), em localidades isoladas.

São regiões com características muito particulares, pois concentram uma parcela significativa de populações quilombolas, povos originários, além de comunidades tradicionais instaladas em unidades de conservação. Estima-se que existam entre 400 mil e 500 mil unidades sem energia nessas regiões, e o programa pretende utilizar o CadÚnico para avaliar os possíveis beneficiários, num esforço combinado entre os Ministérios de Minas e Energia e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Segundo anunciado pela Casa Civil, a previsão do governo é de que sejam investidos R$ 13,6 bilhões (R$ 8,3 bilhões de 2023 a 2026 e R$ 5,3 bilhões após 2026). Deste total, R$ 4,2 bilhões serão direcionados à extensão de redes e R$ 9,4 bilhões irão para os projetos voltados ao atendimento dos Sistemas Isolados (que não estão interligados ao SIN).

É importante observar que se trata de regiões com enormes dificuldades de logística para a execução das obras de ligação. Assim, foi preciso pensar em soluções não convencionais para levar energia até essas localidades, aliando, inclusive, as novas tecnologias trazidas pela geração de energias renováveis, como a solar, eólica e biomassa, associando investimentos em baterias. Outra iniciativa é a construção, em algumas comunidades de regiões isoladas, de microrredes para a distribuição da energia produzida por essas soluções de geração local.

Agora, damos mais um passo rumo à erradicação da exclusão elétrica no Brasil, aproveitando a diversidade de fontes e possibilidades de geração de energia, especialmente renovável. O Brasil eletrificado não pode permitir que tantos brasileiros vivam, em pleno 2023, ainda na escuridão e à margem do desenvolvimento econômico e social. A universalização do acesso à energia elétrica é fundamental para que tenhamos um país mais igualitário e socialmente justo.

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PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DISTRIBUIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA (ABRADEE)

Opinião por Marcos Aurélio Madureira