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Opinião|O (possível) próximo passo da parlamentarização brasileira

Circunstâncias catalisam mudanças que foram impressas no DNA do sistema político pela Constituição de 1988

Por Leonardo Barreto

O cargo de presidente da Câmara nunca foi tão valorizado, considerando a recente concentração de poder no Legislativo. Mesmo figuras icônicas da história política do Brasil, e o mais importante foi Ulysses Guimarães, não tiveram o mesmo peso sobre decisões de governo como Arthur Lira e, antes dele, Rodrigo Maia.

Já se tratou muito o processo de aumento de poder do Congresso que, a rigor, começa já com a aprovação da Constituição de 1988. O primeiro a sentir na pele o novo peso do Legislativo foi o ex-presidente Fernando Collor, que, em sua análise sobre o processo de impeachment que sofreu em 1992, reconhece que errou ao não transferir a atribuição de relação com os parlamentares do Ministério da Justiça para o Palácio do Planalto, ou, traduzindo, não reconhecer o ganho de peso político da Câmara e do Senado em relação ao desenho institucional anterior, de 1967, já no período militar.

É um erro, no entanto, atribuir o crescimento em importância do Legislativo a presidentes enfraquecidos. Pode-se ser levado a esse engano quando se lembra que o Orçamento impositivo, no qual emendas parlamentares passaram a ser de execução obrigatória, foi aprovado nos meados da crise da ex-presidente Dilma Rousseff, e a emenda de relator, que concentrou poder de distribuir recursos nas presidências da Câmara e do Senado, ocorreu na gestão Jair Bolsonaro, que praticamente não se opôs à medida.

Mas a limitação do uso de medidas provisórias ocorreu no final do governo Fernando Henrique Cardoso, e o aumento significativo das emendas parlamentares ocorreu neste governo, sob as barbas e sob a discordância de Lula da Silva. Nesse sentido, crises na Presidência – e outras circunstâncias políticas, como a sucessão de Lira, como será discutido – podem servir como catalisadores, mas não são a causa desta “parlamentarização” do Brasil, que reside muito mais, como já se sugeriu, na coluna vertebral constitucional inaugurada em 1988.

Em termos de interesse, no entanto, vale mais olhar para frente do que para trás. E a pergunta desta geração é: já é possível equiparar o presidente da Câmara a um protoprimeiro-ministro, prevendo que o processo de empoderamento irá continuar até que ele tenha a primazia da agenda do governo? Por enquanto, não, pois há limites constitucionais ao Poder Legislativo. Entretanto, esses limites são passíveis de ajustes relativamente fáceis.

Mantendo o foco no desenho institucional, deve-se considerar que o que foi reservado para os presidentes da Câmara e do Senado é o papel de árbitro. O cargo sempre esteve ligado à organização de votações, cálculo do timing político das decisões, atuação corporativa, defesa de prerrogativas e construção de condições de convívio entre diferentes grupos. Trata-se de uma atividade de natureza consensual.

A tarefa de liderar um governo, que é o que se espera de um primeiro-ministro, é, ao contrário, de natureza majoritária, de ter capacidade de impor a vontade de uma maioria (situação) sobre uma minoria (oposição), mesmo que algumas concessões sejam feitas pelo caminho.

O papel desempenhado principalmente por Arthur Lira, que elegeu pautas próprias do Congresso para serem tocadas mesmo sem o apoio do Executivo, como a reforma tributária, suscitou a possibilidade de uma mutação do cargo, com o presidente começando a pautar agendas de forma mais ou menos independente, rumando para um semipresidencialismo, no qual líderes do Executivo e do Legislativo, mesmo sendo de partidos diferentes, precisam se entender.

Para continuar nesse caminho, talvez fosse necessário reformar o desenho interno do Legislativo, por exemplo, dando novas atribuições e peso ao líder da maioria, que agiria como um primeiro-ministro nomeado pelos presidentes da Câmara e do Senado ou pelo Colégio de Líderes, que também pode ser formalizado, com a função de organizar a pauta regulatória do Congresso, fiscalizar ministros e a execução do Orçamento, que já está razoavelmente dividido entre os Poderes.

Uma mudança dessas seria uma saída para Lira. Sabe-se da sua preocupação com seu destino no ano que vem, quando ficará sem a proteção política da presidência da Câmara. Poderia ele “esvaziar” a presidência, mantendo-a na sua função clássica, e fortalecer a liderança da maioria, preparando-a para ele mesmo? Impossível dizer. O que se sabe é que as circunstâncias catalisam mudanças que, como já se disse, foram impressas no DNA do sistema político pela Constituição.

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DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB), É CONSULTOR POLÍTICO

Opinião por Leonardo Barreto

Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), é consultor político