Essa foi a resposta de Leonel Brizola, então candidato à Presidência nas eleições de 1989, a professores da Universidade de Brasília (UnB) quando lhe foi apresentada uma minuta de plataforma de política externa.
O episódio causa espanto por dois motivos. O primeiro, porque o então deputado não era um neófito nas questões internacionais: teve participação relevante na reação brasileira à crise dos mísseis, episódio que gerou grande comoção nacional. O segundo, porque o fato ocorreu imediatamente após o término dos trabalhos constituintes, durante os quais o tema das relações internacionais fora amplamente debatido.
O havido merece registro no anedotário político nacional pelo que tem de pitoresco, e também pelo que tem de característico: notava-se uma percepção compartilhada de que, a despeito de picos de interesse, a política externa não geraria importantes e permanentes dividendos políticos.
À medida que o Brasil expandiu sua participação em foros internacionais, esses temas ganharam maior relevância na ágora pública.
Há curiosos paralelos entre a dinâmica do debate em política externa nos EUA e no Brasil. De acordo com J. McIver Weatherford, ao longo da história estadunidense, mesmo com todas as inúmeras polêmicas que compeliram a classe política e os cidadãos a apresentar alto interesse nos temas das relações internacionais, posicionamentos em política externa pouco impactaram o eleitorado médio (que não se limita à classe média) nas suas efetivas escolhas de urna, excetuando-se temas muito diretamente ligados à segurança ou à economia nacionais. O autor é acompanhado por outros analistas.
Outra exceção seriam as relações com o Estado de Israel. Para Andrew Preston (autor de Espada do Espírito, Escudo da Fé: Religião na Guerra e Diplomacia Americanas), embora a religião não tenha sido o único determinante para o reconhecimento da independência e da soberania israelita, foi elemento relevante para que o batista e democrata Harry Truman o encampasse e para que uma parte não desprezível do eleitorado ainda mantenha esse apoio.
É exatamente o conflito que hoje envolve o Hamas e Israel que poderá servir para falsificar a tese sugerida no título provocativo. Se o debate público ainda estiver vivo até as eleições presidenciais estadunidense e brasileira, qual será o seu real impacto e quais serão os seus custos?
O tema da guerra suscita paixões e dá ensejo a uma espécie de cruzada moral. Apoios foram partidarizados e o debate, empobrecido e, com frequência, reduzido à cantilena de slogans vazios.
Para além das questões ideológicas, a geopolítica do comércio exterior oferece mais uma camada de complexidade e exige um trabalhoso cálculo de vetores.
De acordo com o Comex Stat, Israel é o 47.º maior destino de exportação do Brasil, em lista com 252 territórios aduaneiros. Entre os 17 países mais envolvidos no conflito, é o 12.º maior consumidor de produtos nacionais, pouco abaixo da Rússia.
A despeito da importância na pauta exportadora brasileira de países em rota de colisão com Israel, outros equilibram esse fiel. Para além da aliança histórica dos Estados Unidos, os Emirados Árabes e Bahrein aderiram aos Acordos de Abraão de normalização das relações com o Estado judaico; Marrocos, ao “círculo de paz” dos acordos; e Arábia Saudita disputa com o Irã, principal patrocinador do Hamas, a liderança do mundo muçulmano e a preeminência no Oriente Médio.
Não surpreendentemente, a pauta exportadora do Brasil para esses países se concentra em produtos agropecuários. Os produtores do setor, por sua vez, são, em essência, conservadores e tendentes a apoiar Israel. Possivelmente, impulsionados pelos movimentos religiosos de inspiração protestante (metodismo, evangelicalismo, pentecostalismo, neopentecostalismo, grupos carismáticos), que, por força da influência pietista, são historicamente próximos aos judeus. Talvez tenhamos aqui um exemplo de situação em que se constata o divórcio entre a geopolítica e as pautas de política interna.
Nada obsta a que tenhamos os olhos no mundo, de forma crítica. Mas é preciso que aquilatemos quais são, realmente, os melhores interesses nacionais em política externa e seu impacto na sociedade brasileira.
De acordo com a Academia de Genebra, ocorrem, neste momento, 110 conflitos armados no mundo. Nenhum deles ensejou manifestações de cunho racista ou xenófobo, propostas de descontinuidade das relações acadêmicas, científicas, econômicas ou de quaisquer naturezas.
O Brasil, que sempre apresentou ao mundo o ativo de ser o país no qual prevaleceria o paradigma da convivência pacífica entre povos, credos e civilizações, fazendo disso um dos argumentos para sua pretensão de liderança global, poderá ter sua imagem maculada se não administrar melhor as cisões civilizatórias internas, que nunca fizeram parte de sua história, e a escalada do antissemitismo. Elas contrariam o legado que, historicamente, o Brasil reivindica para si. E, politicamente, talvez representem mais passivos que ativos. Um freio de arrumação parece recomendável.
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CONSULTORA LEGISLATIVA DO SENADO FEDERAL, É DOUTORA EM DIREITO PELA USP E ESPECIALISTA EM DIREITO INTERNACIONAL DOS CONFLITOS ARMADOS PELA UNIVERSIDADE DE BOCHUM, ALEMANHA, E PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA